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23 DE MARÇO DE 1953 1025

Não o sendo - e não o é -, julgo ser pouco salutar querer impor a excepção como regra.
Se os Serviços Médico-Sociais continuarem a estender-se e a desenvolver-se tentacularmente, então pode estranhar-se - e deve mesmo estranhar-se - que se não tenha preparado o caminho para que todos os médicos venham a participar nos Serviços Médico-Sociais, e que vão mesmo participando em número cada vez maior a medida que a massa dos beneficiários se for alargando. Este aspecto da questão é muito complexo e requer estudos, que, creio, nem sequer estão esboçados, mas são impostos pela prudência e como salvaguarda de legítimos interesses criados.
Seria recomendável simplificar a organização dos serviços por meio de caixas distritais, sem esquecer que a sua acção deve limitar-se aos econòmicamente débeis.
Pela minha parte, que não sou socialista, deploro uma tendência de alguns para esquecer o valor do ofício médico, pois muitos clínicos sacrificam as distracções habituais de toda a gente à sua actividade profissional esgotante.
Os doentes não são meros portadores dum estado mórbido; são um conjunto complexo, onde o estado mórbido figura dentro duma moldura particular, que é o seu modo de ser fisiológico, psíquico e físico.
Supor que as grandes descobertas recentes da medicina, como transfusão contínua, os modernos métodos de anestesia, etc., valem por terem suprimido o carácter eminentemente individual da arte de curar ó um erro de palmatória.
Não é de somenos importância o conhecimento que o médico possa ter do agregado familiar, das contingências hereditárias do seu doente, dos seus hábitos e do seu passado mórbido e psicologia. Neste último aspecto todos reconhecem o valor que tem na prática médica destrinçar o que ó orgânico do que é funcional.
O carácter individualista da medicina mantém-se como depois de Pasteur, como depois da descoberta dos antibióticos, e manter-se-á enquanto não possuirmos o segredo da vida. Mas este, sendo segredo de Deus, está fora do alcance das nossas cogitações a propósito deste aviso prévio.
Não há dúvida de que a classe médica se sente ameaçada, e por isso reage. Parece-me que se devem ter em conta as reacções de tão importante classe no que têm de justo, para se lhe restituir o optimismo que alguns já perderam. Devo dizer que não me incluo nestes últimos. Estou certo de que tudo se resolverá com aquele equilibrado espírito de justiça próprio do Estado Corporativo, que ajudámos a fundar e dentro do qual queremos colaborar.
A unificação dos serviços de saúde eliminaria para já muitas anomalias, e certas discordâncias nunca se teriam acentuado se houvesse o cuidado de anteceder as resoluções de estudo prévio de uma comissão organizada com a presença das várias entidades que directamente intervêm nestes problemas: sindicato, Ordem dos Médicos, um delegado do Ministério da Saúde, ou, na sua falta, um delegado do Ministério das Corporações, e um contabilista, indicado pelo Ministro das Finanças.
Com autoridade, que a todos se imporia, com o sentido de uma inteira responsabilidade, com o conhecimento do causa resultante da própria função e da facilidade e justeza das informações colhidas, o Ministério da Saúde permitiria uma acção directa, eficaz, sinérgica, unificadora e correctiva, disciplinadora e coordenadora de actividades que andam por aí dispersas, desconexas, deixando graves lacunas e ocasionando despesas inúteis.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: foi com inenarrável encanto que ouvi o aviso prévio realizado pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes, pela forma de que o revestiu e pela vibração que conseguiu imprimir-lhe.
Ainda me encantou o mesmo aviso prévio noutros pontos de vista e em especial pela concordância, que a Assembleia pôde verificar, entre a quase totalidade das ideias expostas pelo Sr. Deputado Cerqueira Gomes e as do Governo em matéria de reforma da Previdência.
Um ou dois problemas que foram levantados têm real interesse. Deviam ser apreciados nesta Assembleia com o cuidado e a reflexão de verdadeiros problemas nacionais. A forma breve pela qual se tem de realizar a discussão prejudicou, porém, a projecção deste aviso prévio e das matérias nele versadas, que o País tinha obrigação de conhecer, para formar ideia do que são os problemas da Previdência e, sobretudo, o que na questão é de fundamental interesse.
Sobre a Previdência actual pode dizer-se o seguinte: é a forma nova de uma ideia velha que ganhou ressonância internacional com a segunda guerra mundial, tal como aconteceu aos seguros sociais com a guerra de 1914-1918. Mas é apenas a forma nova de uma ideia velha.
Se não receasse cansar a Assembleia, faria um ligeiro apontamento sobre as formas históricas que revestiram as instituições de previdência, até chegar à última, com a qual ganhou o maior número de adeptos: a segurança social. Assim, a Assembleia veria como o problema renasceu constantemente, e posso assegurar, sob responsabilidade pessoal, que ainda agora se não encontrou forma definitiva para resolvê-lo.
Todos, em todo o Mundo, estamos a ensaiar. Não há experiência nacional, mas também a não há em qualquer parte, para confrontar com o que estamos fazendo.
Estamos todos e em toda a parte a experimentar.
A previdência realizou-se na Roma pagã através dos collegia e das sodalitates, concedendo prestações económicas para funerais e para as viúvas e órfãos.
Depois, com o aparecimento do Cristianismo e devido à acção da Igreja, multiplicaram-se as várias formas de previdência, mais tarde desaparecidas com a queda do Império Romano.
Só muito depois, quando a vida política se estabilizou e a ordem reinou de novo, se encontraram novas formas de previdência através das confrarias, das irmandades e dos montes-de-piedade.
Então a previdência fazia-se através destas instituições com uma ideia mais alta: a de cumprir um dever de caridade para com o próximo.
Só finda a Idade Média, com o aparecimento do iluminismo e das ideias da democracia liberal, aqueles quadros foram dissolvidos, para darem origem a uma forma nova de previdência.
Assim, suprimidos os grémios e outras instituições medievais, surgem depois os montepios, tradução laica dos montes de piedade, que a Igreja tinha criado e defendido.
Sòmente o iluminismo e a democracia vieram a coincidir com a época da industrialização. Esta inicia-se com o alargamento do mercado, a aplicação de novas matérias-primas e novas fontes de energia. Surge a máquina e, com ela, a grande empresa capitalista. A máquina, como instrumento de trabalho, já não pertence ao operário. Este proletarizou-se e, sem a propriedade dos instrumentos de produção, tornou-se ele próprio um instrumento de trabalho. Doravante terá de contar apenas com a sua força e capacidade de trabalho.
Como a máquina, porém, dispensou mão-de-obra e esta não foi absorvida, os salários desceram a nível inferior ao que hoje poderemos chamar «mínimo vital».