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23 DE MARÇO DE 1953 1023

O Sr. Moura Relvas: - Sr. Presidente: hesitei bastante em subir a esta tribuna para intervir na discussão do aviso prévio apresentado pelo ilustre Deputado e Prof. Doutor Cerqueira Cromes, cuja distinção de espírito, excepcionais qualidades de trabalho, devoção à classe médica e grande projecção de clínico provocaram a sua eleição para bastonário da Ordem dos Médicos.
A minha intervenção no debate será muito curta; apesar disso pareceu-me vantajoso trazer aqui algumas achegas, que talvez tenham o mérito de esclarecer um pouco mais estes complexos problemas médico-sociais, tanto sob o ponto de vista político como médico.
Trata-se de uma importantíssima questão, que não sòmente interessa a muitas centenas de milhares de portugueses, a toda a classe médica, como põe também à prova o valor, a solidez e as vantagens da própria organização corporativa.
Afora as grandes importâncias monetárias, temos presentes, envolvidos nos serviços médico-sociais de previdência, em primeiro lugar os beneficiários, depois os médicos e enfermeiros que os tratam e, finalmente, a máquina burocrática criada para articular as necessidades clínicas dos que pagam com o trabalho dos que as satisfazem.
Em todos os países, democratas ou socialistas, monárquicos ou republicanos, onde se estabeleceram estes serviços houve sempre um tal respeito pelo valor social da classe médica que se procedeu como se estivessem organizados corporativamente nas combinações e arranjos que os prepararam.
Por outro lado, é evidente que na complexidade das relações englobando patrões, operários, médicos, enfermeiros e burocratas, e na efectividade de esforço exigido aos responsáveis não se pode fazer política pura.
Trata-se, quanto aos clínicos, de uma grande mudança, de novos rumos da medicina, e toda a cautela ó pouca para que se não desperte, com escusadas pressas, um clima social de violência de uns e irritação de outros, que muito pode prejudicar e inquietar a classe médica.
Não ponho em dúvida a boa fé e boa vontade de acertar de todos, mas reconheço que pràticamente estamos ainda longe de um mínimo que plenamente satisfaça.
Porque a verdade é que se chegou ao ponto de utilizar instituições de assistência, como os Hospitais da Universidade de Coimbra, para prestar serviços para a Previdência, donde resultou um evidente prejuízo para médicos que cá fora lutam pela vida e pagam contribuições, precisamente para manter aquelas mesmas instituições que em troca lhes fazem uma concorrência desleal.

O Sr. Carlos Moreira: - Creio que esse mal já está remediado.

O Orador: - Está quanto ao ponto a que eu me referi explicitamente; mas não está remediado quanto a outros pontos.
As anomalias resultantes de critérios divergentes, a existência de sobreposições e a falta de interpolações na distribuição de médicos pelo País e a ausência de uma necessária coordenação de instituições de assistência e de previdência, cuja recíproca independência não é adequada à mais lógica e mais justa aplicação das respectivas receitas, não permitem a assistidos e beneficiários ver e sentir as vantagens dos sistemas em vigor - desconexos, por vezes prolixos e por vezes deficientes.
Os serviços médico-sociais, federados ou não, deveriam desligar-se do Ministério das Corporações, onde fazem figura de enxerto que não deve pegar, e vir contribuir para formar o Ministério da Saúde, donde dimanaria um plano geral de saúde pública, que traria consigo grandes economias, pois já se não pode falar no status presens de duplicações, mas de triplicações e não sei se de quadruplicações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, por exemplo, o que sucede com o radiorrastreio, posto em marcha de forma desarticulada e desconexa, sem programa bem definido e unificado.
Enquanto numas regiões se acotovelam médicos municipais, médicos das Casas do Povo, médicos das caixas de previdência e clínicos livres, há outras onde falta assistência médica.
Isto prova a necessidade da coordenação a que me referi ao falar no Ministério da Saúde.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - «Devagar que tenho pressa», diz o nosso povo, e eu penso que nesta questão tem havido precipitações e ao mesmo tempo receios, hesitações.
Em qualquer caso, com pressa ou sem ela, cumpre respeitar as tradições e ter em conta certos usos e costumes.
Sou católico praticante e corporativista; não compreendo os estados totalitários, com a sua divinização do Estado; não confundo regime autoritário com cesarismo ou totalitarismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não tenho, portanto, particular simpatia política por Bevan, e sei muito bem que em Inglaterra organizou serviços muito dispendiosos, com larga distribuição de dentes postiços e lentes de correcção visual, de modo que houve que recuar nessa tendência exageradamente igualitária, prolixa e esbanjadora.
Não são estes os defeitos existentes na nossa organização, porque há deficiências evidentes, mas também ó certo e justo dizer-se que elas não contendem com a honradez dos que souberam arrecadar as grandes somas cobradas e muito menos pode estar em causa a dignidade do Ministro das Corporações e dos seus subordinados.
Mas nas próprias mãos de Bevan o Ministério da Saúde soube respeitar velhas tradições e usos e obedeceu a restrições impostas pelos costumes e permitidas por leis anteriores.
Possuo a legislação inglesa sobre saúde pública desde 1946 a 1949 (National Healt Service).
Respeitou Bevan a tradição do médico de família (a que nós chamamos em Portugal o médico assistente), pois no período de arranque, logo em Março de 1946, se diz no sumário do bill proposto à aprovação dos Comuns: «People will be free to choose their own doctor».
Além disso, aos médicos era assegurado, em partes iguais, intervirem no estabelecimento das suas remunerações: «With a membership half medical and half nonmedical, to make an independent report on the appropriate range of remuneration for doctors taking part in a publicly organised service of this kind».
Muitas vezes nem os mais conscientes avaliam os sacrifícios, as despesas, a ânsia de aperfeiçoamento, afora os riscos financeiros, que mio se importam de correr, afora o desprezo pela própria saúde e que leva os médicos ao cumprimento integral da sua importantíssima missão profissional, humana e social.
Não me movem paixões nem interesses pessoais. Porque assim é, quero testemunhar ao ilustre titular da