12 DE FEVEREIRO DE 1955 617
tanto pelos sucessivos o volumosos carregamentos de vinho para as províncias ultramarinas, como pela carga que trariam na volta à metrópole - açúcar, milho, café e outros géneros nutritivos insusceptíveis de danificar as paredes dos depósitos ou de transmitir-lhes qualquer cheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: tão grande quantidade de vinho exige a construção de armazéns nos portos de desembarque com cais acostáveis, providos de todos os requisitos modernos de segurança e higiene, como refrigeração, pessoal especializado, etc.; dois depósitos desta natureza em Angola (Luanda e Lobito) e outros dois em Moçambique (Lourenço Marques e Beira) seriam suficientes para abastecer, em condições adequadas, os nossos grandes territórios de além-mar, evitando preços de vinho desconformes e inacessíveis à bolsa da maioria dos colonos e nativos. Desta sorte se faria desaparecer o triste espectáculo de abandono, vulgaríssimo nos cais dos portos ultramarinos, que, por falta de instalações convenientes, dão os amontoados dos barris, expostos às chuvas torrenciais e aos calores ardentes, ou a servirem de retrete às aves domésticas e selvagens e aos cães que por ali adreguem vadiar, senão ainda a despertar a tentação libatória de alguém sem meios para licitamente adquirir o conteúdo ...
Nos armazéns indicados o vinho seria engarrafonado ou engarrafado, e assim partiria para os locais de consumo, operação que requer recipientes de vidro, que ainda não fabricamos em Angola e Moçambique. Pois bem. Construamos unia fábrica de garrafas e garrafões em cada uma destas províncias; estas iniciativas não obrigam a despesas insuportáveis com os edifícios, maquinaria e pessoal, nem tão-pouco com a obtenção das principais matérias-primas para o fabrico do vidro. Ë não creio que esta actuação atingisse a indústria vidreira da metrópole, porquanto esta continuaria a exportar, como agora, vinho em vasilhas de vidro; as garrafas e os garrafões fabricados no ultramar seriam apenas para conter o vinho para ali ido em grandes depósitos, destinado ao consumo local, ou, se se achar preferível e de acordo com o que já afirmei, transplante-se para lá a indústria de tanoaria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Tenho ouvido dizer que o armazenamento do vinho em Angola e Moçambique não dará os resultados apetecidos, como flagrantemente o patenteou a tentativa de certo exportador que em Luanda edificou um armazém, o qual posteriormente, já passou por três ou quatro donos, e sempre com precários rendimentos (ao contrário, aliás, do que acontece em regiões ultramarinas pertencentes a outros países vinhateiros), acabando, alfim, por ter diferente utilização.
Penso que a ineficiência de semelhante empreendimento há-de filiar-se, entre outros motivos - como a fama que lhe criaram, consciente ou inconscientemente, de que ali se fabricava vinho a martelo -, na desapropriada organização técnica e administrativa, defeito que também se nota em algumas empresas congéneres da metrópole. Não somente um indivíduo ou uma sociedade, mas todos os que exportam vinho para o nosso ultramar, juntamente, congregando esforços e capitais, devem levar a cabo tamanha realização, que, trazendo-lhes pingues ganhos, contribuirá poderosamente para a valorização da economia nacional; a estes exportadores e armazenistas da metrópole, como lógico complemento e a bem dos seus interesses, poderia caber também a incumbência de construir as duas fábricas de garrafas e garrafões em Angola e Moçambique, tarefa a que não faltaria, com certeza, o apoio e a protecção do Estado.
Sr. Presidente: a construção de um navio-tanque, como deseja o ilustre colega Dr. Pinho Brandão, seria, iniciativa interessante mas muito dispendiosa, razão por que só os armadores e exportadores reunidos poderiam tentá-la - a França tem utilizado navios-tanques no transporte do seu vinho para a Indochina e da Argélia para Marselha; outra modalidade de condução do vinho consistiria no aproveitamento de cascos grandes, que já foi experimentada sem êxito convincente, devido à carência de convenientes acomodações nos nossos navios. Pêlos motivos apontados, inclino-me para a utilização de grandes recipientes, associados à edificação de armazéns nos cais de Luanda, Lobito, Lourenço Marques e Beira e à construção de nina fábrica de garrafões e garrafas em cada uma das aludidas províncias.
Resolvido o problema da redução do preço do vinho ao entrar em Angola e Moçambique, surge outro: o do transporte para os lugares do consumo em boas condições de cotação e de genuinidade - questão importantíssima, não só pelas enormes distancias que separam os maiores centros populacionais do «mato», como pelas dificuldades de fiscalização.
Julgo que uma vigilância constante e a aplicação rígida de pesadas sanções tornar-se-iam mais viáveis o fecundas se incidissem sobre o vinho nos armazéns e ao ser vertido em vasilhas de vidro ou nos barris fabricados ali, a seguir, hermeticamente fechados, para imediato ou afastado uso.
Os transportes terrestres em Angola e Moçambique são geralmente muito caros, devido às centenas de quilómetros a percorrer, à natureza das estradas e à escassez de veículos no interior de tamanhos territórios e longe dos agregados urbanos; eis porque, quanto mais barato chegar o vinho lá, maiores serão as possibilidades de brancos e nativos o adquirirem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ó ocasião de anotar algumas ideias acerca da apetência dos incultos pelas bebidas alcoólicas. Todo o tipo de vinho os satisfaz, preferindo, no entanto, o tinto, mesmo que haja recebido relativa porção de água.
O nosso ilustre colega engenheiro Monterroso Carneiro, ao perguntar um dia a um seu criado preto a razão por que o litro de vinho custava mais caro na Baixa da cidade de Luanda do que nos «Musseques», não obstante lhe ter sido recordada a distância entre os dois locais, condicionadora de maiores despesas com o transporte, foi-lhe respondido calma o conformadamento: «custa menos na Baixa do que nos arredores de Luanda porque aqui tem mais água!.
O Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu, baseado em informações de eminentes colonialistas portugueses do fim do século passado e do principio do actual, condenou com vigorosa severidade a ingestão dos líquidos cereais, atribuindo-lhes activas propriedades inebriantes, promotoras de um impressionante cortejo de sequelas deletérias, culminadas no alcoolismo inveterado e invencível, que embrutece, envenena o acabará por inutilizar e conduzir à sepultura os bebedores e repercutir-se gravemente na sua prole.
Salvo o devido respeito, um meu entender, alicerçado no conhecimento directo e aturado que tenho dos povos incultos, trata-se de conceitos muito generalizados e nem sempre inteiramente verdadeiros.
Que as gentes atrasadas preparam bebidas fermentadas de todas as substâncias mais ricas de hidrato de carbono é uma verdade inquestionável, assim como não é menos certo saberem fabricar líquidos destiladas.