24 DE MARÇO DE 1955 661
De estranhar seria que assim não acontecesse, pois
não é natural que os reformados cometam frequentemente crimes comuns. Disso os defende não só a idade, mas também a educação recebida.
De entre os crimes do que eram acusados, os que
chamaram mais a atenção foram, além de um ou outro de natureza política, os casos em que se envolviam em negócios mal-avindos, em busca de actividades que lhes dessem um suplemento de ganhos.
26. Devemos, no entanto, observar que os oficiais reformados não podem desejar o foro militar com o intuito de ali encontrarem maior benevolência para esta espécie do crimes.
O que eles podem encontrar, no julgamento pelos seus pares, ú melhor compreensão quanto a actos de desforço e de reacção imediata, provocados por ofensas à. própria dignidade pessoal ou à honra do Exército. Em verdade, justo é ponderar as circunstâncias especiais da prática de certos excessos que a lei comum não pode deixar de punir, mas em quo interveio um arreigado conceito do pundonor militar.
É que a psicologia do oficial, adrede formada durante longos anos de estudos e de preparação profissional e sempre condicionada e estimulada pelos próprios regulamentos de disciplina militar, não pode modificar-se subitamente pelo facto de se deixar o serviço activo nas forças armadas.
Podemos dizer, porém -e o relator deste parecer pode testemunhar-, que a longanimidade não ia ao ponto de proteger desordeiros e, em contraposição, os actos de desonestidade, os que enodoam a farda e, nos termos do Código de Justiça Militar, podem mesmo importar a demissão são julgados com serena severidade no foro militar, sejam quais forem os assomos de piedade que provoque a perspectiva de uma família lançada na miséria por culpa do seu chefe.
É certo que os funcionários civis estão também sujeitos à pena de demissão, quando praticarem actos de infidelidade ou de desonestidade para os quais essa pena estiver . cominada. Pode, todavia, haver considerável diferença entre as consequências dos julgamentos no foro civil e no foro militar.
27. Essa diferença estará em que o civil aposentado deixou de ter cargo público. Passa a receber a sua pensão pela Caixa Geral de Aposentações, perde a ligação burocrática com o Ministério a que pertencia o só tem de se lembrar de que o Estado ainda não levantou de todo a mão sobre ele quando, desejando sair para o estrangeiro, tem de se submeter à disposição :- talvez anacrónica e só fundada em motivos de ordem policial - que o obriga a pedir licença para se ausentar durante determinado número de dias, os quais o Ministro das Finanças pode negar ou encurtar.
Desligado do serviço efectivo, os actos desonestos que posteriormente praticar nada têm com a função oficial anterior; não há de que ser dela demitido. O que ele perde é a pensão do aposentação, nos termos do artigo 40." do Decreto n.º 16 669, de 27 de Março de 1U29, se for condenado em pena maior, ou mesmo
em pena correccional. por furto, abuso de confiança, burla, falsidade, atentado ao pudor, ou por outro crime que importe perda de direitos políticos. Esta disposição é aplicável tanto aos aposentados como aos reformados, civis ou militares.
No entanto, para além da perda da pensão subsistirá a possibilidade de ser imposta no oficial reformado a demissão, nos termos do artigo 40.º do Código de Justiça Militar, que se refere aos casos de falsidade, furto, roubo, prevaricação, corrupção, burla e abuso de confiança, seja qual for a pena decretada, desde que o Ministério Público acuse independentemente de queixa da parte.
Esta disposição -aliás mais restrita do que a do Decreto n.º 16 069- aplica-se como efeito de condenação proferida por tribunal competente e a demissão resulta imediatamente da lei, sem necessidade de menção na sentença, como determina o artigo 41.º do mesmo código.
Nestes termos,- se os oficiais do activo ou da reserva podem ser despojados da sua qualidade por sentença de tribunal militar composto de juiz de direito e dois oficiais, sempre com recurso para o Supremo Tribunal Militar - artigo 527-º do citado código-, os reformados o poderão ser por decisão de um só juiz de direito, em processo de polícia correccional e sem alçada para recurso, se se tratar de furto de pequeno valor, pois tal será so tribunal competente».
Não conhecemos disposição que liberte ò reformado da imposição do artigo 40." do Código do Justiça Militar.
Ele, embora passasse a receber a pensão pela Caixa Geral de Aposentações, não perdeu a dependência dos Ministérios militares a que pertence e continua a ter o seu lugar na hierarquia dos graduados, conforme os galões que lhe competem. É este lugar, ou «patente», suo os seus deveres de disciplina, as suas honras militares, são os seus galões, que a demissão atingirá.
28. Com efeito, a demissão importa a perda do direito a haver recompensas ou pensões por serviços anteriores, bem como a caducidade do direito de usar a sua farda e condecorações. Enquanto os reformados não forem demitidos, o Ministro continua a ter sobre eles uma acção cuja natureza se pode avaliar por alguns dos diplomas publicados posteriormente à lei que os subtraiu ao foro militar.
Assim, quase logo a seguir, em 12 de Janeiro de 1937, o Decreto-Lei n.º 28 404 estabeleceu no seu artigo 9.º uma disposição permitindo ao Governo separar cio serviço os oficiais mesmo na situação de reserva ou reforma, declarando-a de carácter permanente e como tal incorporada no Regulamento de Disciplina Militar. Este decreto permite que ao separado seja fixada uma pensão, inferior à que tinha como oficial reformado, e retira-lhe o beneficio da assistência nacional aos tuberculosos do Exército.
Em Ordem do Exército n.º 11, de 31 de Dezembro de
1941. publicou-se:
Os militares reformados, quer ausentes com licença no estrangeiro ou no ultramar português, quer residam no continente, são obrigados a ter sempre ao corrente do seu domicílio a autoridade militar de que dependem ou a correspondente autoridade militar consular, às quais comunicarão todas as mudanças de residência, mesmo que se encontrem em trânsito.
Os Decretos-Leis n." 32 329, de 19 de Outubro de
1942 e 32 655, de 5 de Fevereiro de 1943, aquele para o Exército e este para a Armada, determinaram que:
Nos termos da alínea d) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 30 250, de 30 de Dezembro de 1939, os Ministros respectivos podem, mediante processo disciplinar, impor a separação do serviço ou a demissão aos militares que, independentemente da sua situação na efectividade do serviço, na reserva ou na reforma., estejam sob a alçada do Regulamento de Disciplina Militar.
A função do foro privativo na corporação militar
29. Lançando agora um olhar sobre o conspecto das vicissitudes históricas da jurisdição militar e as oscilações