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662 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84

dos preceitos constitucionais ou a ambiguidade de alguns destes acerca da natureza e competência dos tribunais de justiça, em confronto com a permanente realidade da existência daquele foro privativo, temos do tirar a conclusão de que estamos em frente de uma instituição de estrutura quase imutável, que se pode dizer intrinsecamente unida à orgânica militar.
Tanto ou mais que os tribunais das espécies administrativa e fiscal na organização civil, o foro milhar é parte integrante do complexo de órgãos que asseguram a feição moral e a consequente disciplina das forças armadas - as quais, por seu turno, se mostram inseparáveis da existência do Estado, seja qual for o seu regime.
O cunho moral, o espirito animador das forças de terra, mar e ar, se tem por base todas as virtudes que exornam um cidadão de bom comportamento, é completado pelos atributos de energia física e de resignação voluntária, de decisão pronta e do obediência passiva, de valentia e de prudência, de desejo de destaque pessoal e de sentimento de solidariedade colectiva, de valor da vida e de desprezo da morte, que, embora vindos em potência do berço familiar, só pela hierarquia dos meios de instrução e dos comandos podem ser despojados do seu aparente antagonismo e conciliados, afinados e graduados para as várias circunstâncias da vida militar.
Afigura-se-nos que também não podemos por de parte o conceito fundamental da hierarquia na solução do problema da atribuição do furo militar aos oficiais reformados.

30. É o foro militar um privilégio da classe ou uma garantia da eficiência profissional?
Parece-nos que não podemos rigorosamente classificá-lo de privilégio. Esta designação ter-lhe-ia sido algumas vezes aplicada mais por sugestão dos privilégios de que gozaram os nobres, os eclesiásticos e até certos mercadores, do que pela verdadeira função dos tribunais militares.
Com efeito, eles desde o princípio julgaram nobres e plebeus, oficiais, sargentos e soldados. Modificava-se a constituição do j Ari, tal como hoje ainda se faz, conforme a graduação do réu, mas a forma de processo era essencialmente a mesma e o mesmo o juiz togado. Havia, e há, o respeito pela hierarquia, mas dentro da organização havia um como que fermento de unidade igualitária que foi esbatendo a diferenciação das penas em relação à qualidade das pessoas e ao modo de as cumprir, estabelecida nas próprias Ordenações do Reino, para só atendei* a escala hierárquica dos postos militares.
Deixou de haver favor à casta, para haver somente respeito à função, enquanto u gravidade do crime não conduzia à degradação ou à expulsão do acusado. Por isso o sistema do foro militar se não apresenta como privilégio, segundo os usos esbatidos do passado. É privilégio tão- somente no sentido de sancionar a situação dos militares como pertencentes a uma classe diferenciada do comum dos cidadãos e que só pode ser julgada pelos seus pares em tribunais privativos, com preceitos e formulários próprios.
Mas isto não é mais que o aspecto superficial, externo, da jurisdição militar, quando a projectamos sobre a planta da organização forense da Nação, pois que, em rigor, só em sentido lato se pode dizer que o militar é julgado pelos seus pares. De facto, ele é julgado sempre por seus superiores, visto que só oficiais podem fazer parte dos conselhos de guerra e hão-de ser sempre de graduação ou antiguidade acima da do réu.

31. No fundo - e já que ele abrangeu indistintamente todos os militares, desde o recruta ao general - este foro privativo tem institucionalmente uma função de garantia indispensável à manutenção do espirito de disciplina, com o reconhecimento, que é fundamental, de uma hierarquia inviolável e a segurança da existência constante, pronta, firme e uniforme de acção educativa, correctiva e repressiva, adequada ao meio em que se exerce.
Logo de inicio, garantia para todos os membros do Exército de justiça mais rápida, mais igual, mais adaptada, em melhores condições de apreciar, pelo directo conhecimento do meio, a responsabilidade do acusado em relação à gravidade da infracção.
Logo depois, a garantia da distinção entre o âmbito da acção disciplinar e o da acção forense, permitindo àquela imediata repressão das infracções de menor gravidade, que, pela natureza e pelo número, poderiam perturbar gravemente o serviço se não fora a intervenção- dos comandos, poupando os infractores às delongas e vexames dos julgamentos públicos.
Por fim, aquela outra garantia expressa nos artigos 0.º, § 1.º, e 427.º a 430.º do Código de Justiça Militar, não idêntica, mas análoga à que actualmente desfrutam as autoridades administrativas.
É de notar que esta garantia, nos termos do artigo 282.º do Código Administrativo, se estende até aos regedores, cabos de ordens e cabos de polícia, ao passo- que os membros da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública estão integrados na justiça militar. Segundo aqueles artigos - excepto nos casos de violação das leis repressivas do descaminho e contrabando e das reguladoras da liberdade de imprensa -, o general comandante da região ou governo militar têm poderes para, terminado o corpo de delito, apreciar os indícios de culpabilidade e, segundo o juízo formado, mandar que o processo seja enviado ao foro militar ou siga a via disciplinar.
Se o arguido for oficial general, esta competência, passa para o Ministro respectivo. Assim se procura evitar que qualquer militar seja retirado da sua função, ou ferido no seu prestígio, por denúncias ou queixas infundadas, ardilosas ou inoportunas.

32. Resta saber se no enquadramento que temos vindo desenhando cabem os militares, ou pelo menos os oficiais, que, por incapacidade fisiológica, por limite de idade ou por disposição legal, passam à situação de reforma.
Nos tribunais militares os oficiais que têm o poder ou atribuição de julgar são os que cá fora teriam o direito ou o dever de, por facto menos graves, aplicar ou promover a aplicação de penas disciplinares, de harmonia com os respectivos regulamentos.
E esses tribunais, apesar da intervenção obrigatória dos auditores, pertencentes ao quadro da magistratura judicial, assumem também poderes disciplinares tão latos como os do Ministro quando, nos termos do artigo 521.º do Código de Justiça Militar, julgarem que o réu é unicamente responsável por factos a que cabe, em vez de pena, mera punição disciplinar - maleabilidade que, se permite graduar as sanções em maior escala, afirma a permanente preocupação de manter a ordem e a disciplina através da hierarquia.
Em verdade, o tribunal privativo - especialmente no tocante aos crimes previstos no Código de Justiça Militar- o prolongamento solene da acção disciplinar em grau mais elevado.
Assim, por exemplo, os furtos ou os abusos de confiança são punidos disciplinarmente quando o valor não exceda 100-5 (artigo 230.º do Código de Justiça Militar), e o militar que desertar é sujeito a graves penas, ainda mais graves em tempo de guerra, no que frisantemente contrasta com o funcionário civil, passível somente de demissão por abandono do lugar.
Há, pois, em todas as manifestações da organização e funcionamento das forças armadas uma consciência