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24 DE MARÇO DE 1955 657

E também já tínhamos feito a Revolução de 1820 quando Garrett, com ardor juvenil, dizia que «na nossa legislação avultava mais o número das excepções que o das regras gerais; os privilégios eram infinitos, as isenções multiplicadas e, em consequência, não havia direito».
E acrescentava:

A execução da justiça torna-se arbitrária, as opiniões dos chamados doutores são preferidas às leis expressas, as romanas às pátrias, a chicana e a intriga à razão e ao senso comum.

E já tínhamos adoptado a Carta Constitucional de 1826, e ainda em 1835 um Deputado dizia na sua Gamara, com candente mas ponderada energia, que «o juiz ordinário é um julgador de direito que não sabe direito, uma contradição pura»; e em outro passo: «ainda não temos um código. A codificação é ainda a filipina, há leis extravagantes e leis subsidiárias, isto é, uma jurisprudência só acessível aos esforços da erudição».
Eis o que explica a criação já no reinado de D. Afonso IV doa juizes de fora, letrados e estranhos à área da sua jurisdição, os quais foram aumentando no decorrer do século XVIII e nos reinados de D. Maria I e de D. João VI se estenderam à maior parte das comarcas da metrópole e do Brasil e mesmo de Angola, embora com defeituosa divisão territorial.
E explica também, não só o foro militar, mas a existência de uma multiplicidade de juizes especiais, que seria incrível se não fosse fácil verificar as jurisdições variadas e especializadas que ainda hoje existem.
Houve-os de toda a feição, feitos pelo rei ou pelos donatários das terras ou eleitos. O dos «pecados públicos», por exemplo, só foi extinto por alvará de 2 de Junho de 1725, que passou as suas atribuições para os juizes do crime dos bairros de Lisboa, criados em 1608, vindo estes, no entanto, por alvará de 26 de Julho de 1769, a ser proibidos de «tirar devassa dos concubinatos».
O foro militar foi, porém, desde o começo dos mais felizes: os seus tribunais eram constituídos por oficiais de patente não inferior a capitão, conhecedores da vida das casernas e dos acampamentos e da psicologia da tropa e das populações e portanto especialmente aptos para julgarem as questões de facto e pesarem suas agravantes e atenuantes; e obrigatoriamente também por um juiz letrado, o qual intervinha nos julgamentos, não só para aconselhar sobre a interpretação e aplicação das íeis e redigir a sentença, mas também para votar em primeiro lugar, para o que se sentava à esquerda do capitão mais moderno3.
Tratava-se, pois, de um tribunal que oferecia garantias de seriedade e acerto, quer se tratasse de tropas de linha, quer de milicianos, pois a forma era a mesma.
Tribunal de tal modo acreditado que já em 1812 a sua jurisdição foi mandada aplicar às novas Ordenanças; e nos conselhos de guerra do exército britânico aqui destacado foram mandadas adoptar as «mesmas políticas e civilidades que nos nacionais».
Idêntica organização e tramites se observavam nos conselhos de guerra da Marinha.

16. Não havia então instituto equiparável ao das reformas actuais. Não se pensava em limites de idade, nem na Caixa de Aposentações.
Os oficiais que se inutilizavam para o serviço recebiam as tendas, que lhes eram dadas, quando não eram distinguidos com prebendas, segundo o espírito de justiça, do clemência ou de favor do rei e seus ministros, e conservavam até à morte as honras e privilégios das suas patentes.
Encontram-se muitos diplomas em que são mesmo concedidas tenças o benesses às viúvas e filhos de oficiais militares, cujo número, é claro, era incomparavelmente menor que o de hoje.
O que se tira do acervo de leis, decretos, alvarás, portarias, ordens e resoluções desde 1640 aplicados ao foro militar é que o âmbito da sua competência, tanto quanto às pessoas como às infracções, não variou substancialmente, apenas se alargando, quanto àquelas, de harmonia com a evolução das forças armadas, mas pragmaticamente, atendendo às circunstâncias da sua estrutura e funções, sem os pruridos ideológicos que haviam de dominar no século XIX.
Para se evitarem abusos e intromissões renovava-se o preceito de que os militares não podiam ser julgados pelos civis pelos crimes que cometessem, do mesmo passo que se reafirmava que eles não têm privilégio nas causas eiveis *, como já o não tinham nas questões com a Fazenda, quer nos casos de resistência aos cobradores, quer nos de furto e descaminho em detrimento da mesma Fazenda, cuja competência era dos «juizes fiscais ou de comissão».
E, tal como antes se fizera para as Ordenanças, definiu-se em 1808 a situação forense das milícias, estabelecendo-se que os oficiais gozam das mesmas isenções e honras que competem aos de linha, pelo que gozam do foro militar para todos os delitos, nas graduações superiores a cabo-de-esquadra, e desta para baixo neto gozam do foro militar nos crimes comuns senão estando reunidos e em efectivo serviço militar.
Era, portanto, este o regime de privilégio do foro, que foi mantido e mandado - observar pelo Regulamento para a Organização do Exército, de 21 de Fevereiro do 1816, e vigorou ainda por largo tempo, praticamente até à publicação do nosso primeiro Código de Justiça Militar, apesar da coexistência de certo estado de espirito, de formação jacobina, que ainda em 1835 proclamava «parecer mais sensato que os povos escolham os seus juizes, que ninguém lhos imponha, perpétuos ou temporários», embora logo aconselhando «não escolham os leigos, escolham os sábios e letrados» 4, o que não obstou a que os chamados «juizes eleitos» fossem abolidos em 1840 sob a acusação de que se inclinavam para seus amigos e eleitores.

17. O brilhante período de reforma e codificação das leis - anunciado pelos notáveis trabalhos de Melo Freire e de Ferreira Borges e cujas primeiras grandes manifestações foram o Código Comercial de 1833, a Novíssima Reforma Judiciária de 1841 e o Código Administrativo de 1842, para refulgir com o Código Penal de 1852, o Código Civil de 1867, o Código de Processo Civil de 1876 e o Código Comercial de 1888- foi secundado pela publicação do Código de Justiça Militar, de 9 de Abril de 1875.
Neste diploma se fixou ao foro militar competência para conhecer dos crimes ou delitos de toda a natureza perpetrados por militares ou outras pessoas pertencentes ao Exército, salvo os de contrabando ou descaminho,