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24 de Março de 1955 653

PARECER N.º 16/VI

Projecto de lei n.º 12

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos cio artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto do lei n.º 12, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Defesa nacional e de Justiça), à qual foi agregado o Digno Procurador Afonso de Melo Pinto Veloso, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. O projecto de lei n.º 12, agora submetido à apreciação da Câmara Corporativa, dispõe que os oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em quaisquer situações - de actividade, reserva e reforma - prescritas nos respectivos estatutos que os regem, ficam sujeitos à jurisdição dos tribunais militares, sendo revogada a disposição final do artigo 41.º da Lei do Recrutamento e Serviço Militar, de 1 de Setembro de 1937, no que se refere ao foro militar para oficiais e praças reformados.
Este projecto, de forma tão concisa e de aparência tão simples, tem no entanto um alcance que transcende os limites restritos da sua incidência preceituai.
Torna por isso necessária uma referência, embora sucinta, aos factores de ordem política e social que têm condicionado a evolução daquele foro, paralelamente u difusão de correntes doutrinárias, que ainda hoje suscitam problemas de controversas soluções práticas.

2. A diversidade das circunstâncias, a sucessão das épocas, as influências de natureza doutrinária de origem ou feição política ou filosófica, quando não meros mitos ideológicos ou necessidades ocasionais da política interna, têm induzido a alterações dos sistemas judiciários que nem sempre a posterior experiência mostra terem sido necessárias ou até convenientes.
A jurisdição militar não fogo a esta observação. E, no entanto, se há justiça que se deva manter quanto possível em moldes tradicionais, já bem conhecidos e aceites, acessíveis a todas as mentalidades e adaptáveis a todas as vicissitudes do meio em que ela actua, essa é a justiça militar.
É preciso, por isso, proceder com cautela e não ter pressa em introduzir modificações ou inovações que possam brigar, ou mesmo destoar, com o plano e disposições do Código de Justiça Militar, já sancionados por longa prática sem atritos.
Mas não há dúvida de que, não obstante, chega um momento em que os próprios códigos carecem de revisão.
É o que acontece presentemente com o nosso Código de Justiça Militar, que não só está desactualizado em relação a penas e sistema prisional, que têm de jogar com as sensíveis alterações em tal matéria introduzidas na legislação comum, mas também há-de acompanhar, na medida aplicável, os aperfeiçoamentos conseguidos pelo Código de Processo Penal e legislação complementar para os instrumentos de investigação criminal e trâmites da organização processual até final julgamento.
Ora, temos conhecimento de que foi preparado o considerável trabalho da revisão daquele código, havendo um projecto completo, elaborado por distinto auditor militar, em estudo no Ministério do Exército.
Nestas condições, a Câmara Corporativa não pode deixar de dizer que só lhe não afigura oportuno tomar decisão antecipada sobre um assunto desta natureza, que pode estar em contradição com o plano adoptado pelo Governo para o novo código, a menos que a Assembleia Nacional entenda dever estabelecer previamente doutrina que imponha desde já soluções a adoptar.
Feita esta necessária reserva, a atenção que nos merecem os Sr s. Deputados proponentes e o dever constitucional de esclarecer as questões sujeitas a debate parlamentar levam-nos a desenrolar, até onde nos for possível, o fio de um assunto que nos parece enriçado por sérias dificuldades.

A Justiça Militar

3. O foro militar tem antiquíssima tradição. Pode dizer-se que é coetâneo do primeiro exército organizado, pois não pode haver organização sem disciplina, disciplina sem autoridade, autoridade sem regra, regra sem um órgão que a interprete e faça observar.
Esse exército - qualquer que fosso a modalidade assumida através dos tempos: voluntário ou coagido, mercenário ou patriota, partidário ou nacional, recrutado na tribo, na casta, no feudo, na classe ou na nação - representou sempre uma força, mais ou menos ordenada e armada, capaz de se impor em combate e, como tal, dotada de privilégios dentro dos povos a que assistia ou em que agia.
Eram esses privilégios constituídos tanto por especiais direitos como por especiais deveres, primeiramente estabelecidos pelos rudimentares pactos firmados entre os chefes e seus homens de armas e depois estratificados em preceitos consuetudinários. cuja veemente força de aplicação se transmitiu de época em época, ato que foram reduzidos u normas escritas, lentamente modificadas, ao passo que se iam subindo os degraus da civilização.
Esta é a noção que se pode colher quando se lêem as descrições dos viajantes e etnólogos sobre a vida dos povos primitivos, ou se estudam os clássicos gregos e latinos, ou percorrem os textos da legislação bárbara e das crónicas medievais - e é de assinalar a convenção firmada entre D. Afonso Henriques e os cruzados que o ajudaram na conquista do Lisboa-, pois que, em todos os tempos, o chefe teve necessidade de distribuir aos componentes das suas tropas uma justiça enérgica e expedita, que mantivesse a ordem nas relações deles entre si e também com as populações em que viviam ou mesmo contra as quais actuavam; mas, simultaneamente, tinham de adequar tanto as normas como as sanções à mentalidade do homem de guerra, de modo u conciliar a rigorosa repressão dos desmandos com a suprema necessidade de manter a coesão da força armada e não quebrantar e antes estimular o espírito guerreiro,