DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 84 658
de violação das leis sobre caça e pesca, matas nacionais e viação pública, bem como os delitos comuns praticados pelos desertores durante a deserção.
Os tribunais militares, em cuja composição entrava sempre um juiz saldo do quadro da magistratura judicial, exerciam jurisdição sobre todos os indivíduos por qualquer modo inscritos nos serviços militares, sem exceptuar os guardas municipais e os empregados civis do Exército com graduação militar, ainda que estivessem em hospitais, em prisões ou no asilo de Rima, ou fossem prisioneiros de guerra ou emigrados políticos, militares, civis e internados em depósitos sujeitos ao regime militar.
Não conheciam de todos os crimes, mas sim apenas dos constantes do código, quando se tratasse de militares fora da efectividade do serviço, a receberem soldo, ou à disposição do Ministério da Guerra, ou na inactividade temporária sem vencimento, a seu pedido, ou de licenciados, ou de empregados em comissões não dependentes ,do Ministério da Guerra, ou ainda de quaisquer militares licenciados na reserva, quando não estivessem em serviço ou nas revistas ou na instrução.
A comissão parlamentar, que sobre ele deu curto parecer, disse a respeito da competência: «É este um dos assuntos mais importantes de toda a jurisprudência excepcional, porque quanto melhor fixar a esfera dos tribunais de privilégio, tanto menos motivos haverá para conflitos e tanto menos dificuldades para que se realize livre e francamente a acção da justiça contra os indiciados por delitos de excepção».
E foi tudo; vê-se que havia a obsessão dos inúmeros empecilhos que a chicana usava levantar a pretexto dos velhos privilégios.
A oposição não tomou parte no debate parlamentar. Este limitou-se a um torneio oratório sobre a pena de morte, em que tomaram parte Júlio de Vilhena, Barros e Cunha e Fontes Pereira de Melo.
18. Depois da reforma penal de 1884 sentiu-se a necessidade de lhe adaptar a justiça militar. Em 1886 foi nomeada uma comissão, composta de oficiais e magistrados, que em Dezembro de 1889 apresentou um projecto, acompanhado do relatório.
Só, porém, em 1895 o Ministro da Guerra Pimentel Pinto, em Governo presidido por Hintze Ribeiro, fez decretar novo Código de Justiça Militar, precedido de extenso e cuidado relatório justificativo, em que se diz que aço Governo não pode encarecer o trabalho da comissão de 1889, por estar assinado por um dos seus membros».
Nesse relatório, em matéria de competência, procura-se justificar a extensão da jurisdição militar a indivíduos civis, invocando-se os precedentes da Lei de 25 de Agosto de 1840, dos Decretos de 17 de Abril de 1844 o 2 de Fevereiro de 1891 e dos títulos III o IV do livro III do código de 1875 e disposições das leis suíça, italiana, belga e francesa, e acrescenta-se: e A verdade é que o acto de sujeitar ao foro militar indivíduos da classe civil, em tempos normais e por crimes atentatórios da disciplina militar e da ordem pública, é necessário e portanto legítimo, e é em razão disso mesmo que em Portugal, como em toda a Europa, constitui por assim dizer direito comum».
Não é o velho princípio de que a necessidade não tem lei, mas a afirmação explícita de que é a necessidade que faz estas leis. E de competência nada mais diz que valha nota, porque este novo código reproduz o estabelecido pelo de 1875, apenas com o acrescentamento dos trabalhadores empregados nas fábricas, arsenais, depósitos e secretarias militares, quando cometam crimes previstos no mesmo código.
No caso de acumulação de crimes civis e militares também reproduz - artigo 295." - a doutrina do artigo 201.º do código de 1875, que prescrevia:
Quando algum indivíduo sujeito à jurisdição dos tribunais militares for acusado ao mesmo tempo por outro crime da competência dos tribunais ordinários, será por ambos os crimes julgado pela justiça militar.
Esta doutrina é a do artigo 367.º do actual código.
O código de 1895 foi em 1896 sancionado pelo Parlamento, sem alteração nem discussão que aconselhe referência acerca do assunto & apreciar, e publicado com a Lei de 13 de Maio de 1896.
O foro militar no regime republicano
19. Com a proclamação da República, o Governo Provisório, da presidência de Teófilo Braga, sendo Ministro da Guerra o general Correia Barreto, apressou-se a decretar, logo em 11 de Março de 1911, um Código de Processo Criminal Militar, em cujo relatório preliminar se diz que ao Governo teve a orientá-lo critério seguro, o qual é o espirito novo que procura estabelecer as bases e as linhas da evolução de um exército diferenciado para o regime da nação armada», o que o «conduziu a acabar com a barreira funesta da separação das competências e distinção de foros».
Puro jogo de palavras, que não correspondia à realidade e era contraditado por outras passagens do mesmo relatório: «Se é verdade que à justiça parcelar sucedeu a justiça comum, que absorveu as jurisdições múltiplas, sujeitando todos ao mesmo direito, é certo também que em nossos dias se manifesta corrente favorável à criação de tribunais especiais para o julgamento das questões suscitadas dentro do exercício de cada uma das várias e complexas funções do Estado. E, se a competência universal pode ser defendida pelas razões superiores de direito e de justiça, a jurisdição particularizada é preconizada como defesa dos corpos e institutos a que esta jurisdição se aplica», e assim o Governo «relegou para os tribunais comuns o julgamento de todos os crimes que não tenham carácter milhar..., deixando para os tribunais militares os crimes previstos nos códigos militares».
A teoria das competências especializadas não parece exposta com perfeição, mas foi traduzida nos artigos 123.º e 124.º deste Código de Processo Criminal Militar, que mandavam submeter ao tribunal militar os militares, fosse qual fosse a sua situação, somente pelos crimes que cometerem contra o disposto no Código de Justiça Militar, devendo, no caso de cúmulo de crimes militares e comuns, aquele tribunal esperar pelo julgamento do tribunal civil para depois, em face da sentença proferida, aplicar a pena de harmonia com a lei para o caso de acumulação de crimes.
Esta solução anquilosara os conselhos de guerra, que, em face da psicologia militar, se têm necessidade de julgar com acerto, não a têm menos de absolver ou condenar com brevidade.
As Leis de 6 e 8 de Maio de 1913 restabeleceram a competência dos tribunais militares para o julgamento dos crimes comuns praticados por militares, do activo ou da reserva, na efectividade do serviço ou em cumprimento de deveres militares, e por prisioneiros e emigrados subordinados à autoridade militar.
Não se fez referência aos reformados.
20. Já então estava em vigor a primeira Constituição Política da República, votada pela Camará Constituinte em 1911. Diploma excessivamente conciso, revelando a dificuldade de encontrar pontos de vista harmónicos, dentro de uma assembleia já dividida por divergentes