660 DIÁRIO DAS SESSÕESS 84
crimes, salvo tratando-se de crimes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado.
E o professor da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Carlos Moreira, em idênticas circunstâncias,
Segundo os termos do artigo 117.º não é permitida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para o julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes. Não pode, por isso, criar-se um tribunal especial para julgar homicídios. Podem, porém, segundo os termos do mesmo artigo, criar-se tribunais especiais para os crimes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado. Criar tribunais para outros fins que não sejam os do artigo 137.º é inconstitucional.
Na prática, como na doutrina, continua, pois, a não se discutir a legalidade constitucional dos tribunais militares, apesar de a Constituição não lhes fazer expressa referência. Devem ser considerados como uma instituição militar tradicional, de entre as exigidas pelas supremas necessidades de defesa da integridade da Pátria e da manutenção da ordem e da paz pública, às quais o Estado assegura a existência e o prestigio, nos termos do artigo 53.º da mesma Constituição.
Na verdade, eles têm sobrevivido desde há séculos, através das revoluções e das mudanças de regime, intactos nas suas estrutura e função fundamentais. E tanto em Portugal como nos outros países.
O que tem variado é a área da sua competência ou da sua jurisdição, no tocante quer às pessoas, quer às infracções.
Porque se tratava de crimes contra a ordem social e a segurança jurídica, é que o Governo, pouco depois da promulgação da Constituição, se julgou autorizado a entregar a um tribunal militar especial, com sede em Lisboa, os actos de rebelião e os atentados contra as comunicações e as instalações destinadas ao abastecimento ou à satisfação de necessidades gerais e impreteriveis, bem como a importação, fabrico, guarda, transporte e uso de armas proibidas e de substancias explosivas. Nesta medida cabiam civis e militares; mas os tribunais militares comuns ou territoriais continuaram a funcionar, segundo as leis em vigor, para a generalidade dos crimes praticados por militares ou equiparados.
Na determinação da qualidade das pessoas com direito ou sujeição a este foro é que poderiam dar-se variações.
24. Assim foi que a disposição do Decreto n.º 14419 veio a ser revogada por outra disposição inserta na lei dos serviços do recrutamento militar, não obstante o Decreto n.º 15 080 ter autorizado a nomeação de oficiais da reserva e reformados para a composição dos conselhos de guerra especiais para julgamento do crime de rebelião, determinados pelo Decreto n.º 13 392 5.
Aquela lei dispõe no artigo 41.º:
Os militares licenciados e territoriais, salvo quando em efectivo serviço, não estão sujeitos, seja qual for o crime ou delito cometido, ao foro militar. O mesmo preceito é aplicável aos oficiais separados do serviço e, a não se tratar de crimes essencialmente militares, também aos oficiais e praças reformados.
Note-se, no entanto, que não se trata de acto de roera responsabilidade governativa, mas sim de lei que passou
Lições de Direito Constitucional, p. 105, § 74º Decreto-Lei nº 23203, de 6 d.; Novembro de 153. Lei n. 1061, de l de Setembro de 1937. Decreto n." 15080, de 24 de Fevereiro de 1928. Decreto n.º 13392, de 11 de Março de 1927, artigo 4.º
pela fieira parlamentar e foi votada pela Assembleia Nacional. Quais os fundamentos dessa disposição?
O relatório, aliás desenvolvido e notavelmente sistematizado, que informa :i apresentação pelo Governo às Camarás da proposta de lei n.º 1(52, na legislatura de 1937, é inteiramente omisso acerca de tal matéria.
A Câmara Corporativa elaborou o seu parecer, de que foi relator o Digno Procurador José Filipe de Barros Rodrigues, agora ilustre chefe do Estado-Maior do Exército. Subscreveram-no os Dignos Procuradores generais Eduardo Marques, Daniel de Sousa e João de Almeida Arez, tenente-coronel Velhinho Correia e doutores Fezas Vital, Abel de Andrade e José Gabriel Pinto Coelho.
De notável e admirável foi esse trabalho qualificado na Assembleia Nacional; e, com efeito, nele se fez a história sumária das instituições militares em Portugal e se versaram com elevação importantes e delicados aspectos da defesa nacional, relacionados com os problemas do recrutamento e serviço militar. Nenhuma referencia se fez, porém, ao foro militar; e ao tratar na especialidade dos artigos 39.º o 41.º diz tão- somente isto: «devem sor eliminados, visto tratarem de matéria estranha ao objecto das leis de recrutamento militar».
Na outra Camará intervieram na discussão os Srs. Deputados Schiappa de Azevedo, Abílio de Passos e Sousa, Fernando Borges, Lobo da Costa, Costa Lobo, Linhares de Lima e Álvaro Morna, do Exército e da Armada, e ainda os Drs. Vasco Borges, Pinheiro Torres e Correia Pinto.
Na discussão sobre a generalidade o assunto não foi sequer aflorado; na especialidade, sem prévias justificações, os Srs. Deputados Schiappa de Azevedo, Passos e Sousa, Álvaro Morna, Alberto Cruz o Pinheiro Torres propuseram que o artigo 41.º ficasse assim redigido:
Os militares licenciados e territoriais, salvo quando em efectivo serviço, apenas estão sujeitos ao foro militar a respeito de crimes essencialmente militares.
For esta forma se eliminava a referência aos reformados. Porém, os Srs. Deputados Albino dos Reis, Lopes da Fonseca, João Neves e Rodrigues de Almeida propuseram que o último período da proposta de lei fosse substituído por:
O mesmo preceito ó aplicável aos oficiais separados do serviço e, a não se tratar de crimes essencialmente militares, aos oficiais e praças reformados.
A primeira proposta foi rejeitada, a segunda aprovada; e assim, no mesmo sentido da proposta governamental, ficaram de novo os oficiais reformados excluídos do foro militar quanto aos crimes comuns.
25. Não se nos afigura que esta exclusão fosse movida pelo intuito de aliviar os tribunais militares do excesso de trabalho produzido pelo afluxo de reformados.
O peso do trabalho de um tribunal militar territorial é inferior ao de qualquer juízo criminal de uma comarca de 1.º classe. É-o em regra, porque há circunstâncias excepcionais quo por vezes exigem dos tribunais militares grande e expedita actividade.
Pois, não obstante alguns oficiais reformados se acharem envolvidos em conjuras ou em actos de rebelião - o que, aliás, colocaria qualquer pessoa, segundo o Decreto-Lei n.º 23 203, de 6 de Novembro de 1933, sob a alçada de um tribunal militar especial, com recurso para o Supremo Tribunal de Justiça Militar-, poucos foram os processos instaurados contra reformados durante os dez anos em que o foro militar lhes foi atribuído.