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20 DE ABRIL DE 1955 825

Tem a palavra o Sr. Deputado Cerveira Pinto.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: como no período legislativo que está decorrerá esta a primeira vez que subo à tribuna, quero cumprir o dever gratíssimo de novamente expressar a V. Ex. os sentimentos da minha constante o sempre viva admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: quem há trinta ou quarenta anos já tinha atingido idade do uso da razão deve estar lembrado de que os rios de Portugal se encontravam tão pletóricos de peixes que se era naturalmente levado Q acreditar ser inesgotável aquela riqueza, que, sem nenhum esforço das suas criaturas, o bom Deus ali colocara para abastança e regalo dos homens.
As condições excepcionalmente favoráveis que à vida animal ofereciam as águas interiores do País; a sua pureza ainda não corrompida pêlos dejectos das actividades mineiras e industriais, então muito reduzidas, e talvez os antigos privilégios de pesca existentes em alguns lugares e que automaticamente arvoraram os respectivos senhores em guardas de rios e ribeiras, privilégios que, após a sua extinção legal, se foram mantendo, durante largo tempo, na tradição e no respeito populares, poder fio explicar a abundância de peixe que, há escassas dezenas de anos, ainda se verificava nas correntes de água de Portugal.
E para essa abundância também contribuiu com certeza a noção viva que tinham as populações de constituir crime grave o lançamento às águas de substâncias venenosas para matar peixe, noção que adviria - quem sabe?!- da lembrança, transmitida de pais a filhos, das severas penalidades com que, mim passado ainda não muito distante, se puniam os delitos desta natureza.
Lá diziam as velhas Ordenações (livro v, título LXXXVIII,7) que ... pessoa alguma não lance nos Rios e lagoas, em qualquer tempo do ano (posto que seja fora dos ditos três meses da criação), trovisco, barbasco, cocca, cal, nem outro algum material, com que se o peixe mata. E quem o fizer, sendo Fidalgo, ou Sendeiro, ou dali para cima, pela primeira vez seja degradado hum ano para África, e pague três mil réis. E pela segunda haja a dita pena do dinheiro e degredo em dobro: E assim por todas as vezes que for compreendido, ou lhe for provado. E sendo de menor qualidade seja publicamente açoutado com baraço e pregão, e por qualquer outra que nisso for compreendido, ou se lhe provar, haverá as mesmas penas, e será degradado do lugar, onde for morador, e dez legoas ao redor, per tempo de hum ano. O que assim havemos por bem, para que se não mate a criação do peixe, nem se corrompam as aguas dos Rios e lagoas, em que o gado bebe».
Com leis assim era naturalíssimo que houvesse respeito pêlos seus mandamentos.
Por este ou por aquele motivo ou por todos juntos, ou por outros que não conheço e não vale a pena averiguar, era coisa admirável de ver a intensíssima vida ictiológica que existia no nosso país.
Nessa altura não havia, nem era necessário que houvesse, repovoamento piscícola.
Os peixes cresciam e prodigiosamente se multiplicavam apenas- scy.ujn.lo a 'boa lei da natureza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Volvidos, porém, trinta mi quarenta anos, o aspecto que oferecem as alguns interiores do País é simplesmente desolador.
A fauna piscícola em muitos rios ou nalguns troços deles, e precisamente os melhores, está praticamente extinta e noutros está muito próxima da extinção.
A que é devido este autêntico desastre nacional?
As causas são várias, anãs ao fim e ao cabo quase se podem reduzir todas a unia só, como mais adiante mostrarei.
Existe legislação vária sobre a pesca fluvial e protecção das espécies piscícolas, e quem tiver de a ler e estudar não tem outro remédio senão o de percorrei-os vários números do Diário da Governo por onde ela se encontra empalhada, pois não se consegue encontrar à venda, em parte nenhuma, uma colectânea com um simples folheto que facilite a consulta das leis e regulamentos que contemplam esta matéria. Afinal de edições, oficiais ou particulares, da legislação sobre esto assunto já institui, a meu ver, um índice bastante significativo do medíocre interesse com quo se tem olhado para o problema da pesca fluvial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De entre a vária- legislação continua a ser diploma fundamental o velho Regulamento Geral dos Serviço Agrícolas, de 30 de Abril de 1S93.
Este regulamento, aliás muito bem escrito, como o era toda a legislação daquele tempo, satisfez as necessidades da época com que foi publicado o. representou até, nessa altura, um certo avanço sobre a legislação de outros países.
Com algumas, poucas mas importantes, alterações, ainda agora seria um regulamento perfeito.
Tal como se encontro emitem algumas imperfeições, que não vou expor em pormenor para não tornar muito fastidioso o meu discurso. Limitar-me-ei a apontar n mais grave de todas, e que consiste em permitir a pesca à rode nos rios e lagoas habitados por salmoníacos, prática que há muito se encontra banida da legislação em todos os países que têm olhado a sério para a conservação da sua riqueza piscícola.
E já agora também não deixarei de referir que o velho regulamento também permite, por exemplo, que na lagoa Comprida, da serra da Estrela, estejam armadas, de dia e de noite, dezenas e até centenas de canas para a pesca da truta.
Vias eu e tem-nas visto toda a gente que lá leni ido. Ë este um barbarismo que em nenhum país civilizado se admite.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Pode objectar-se que a este mal da pesou à rode de certo modo se obviou com a publicação do Decreto n.° 17 900, de 27 de Janeiro de 19-30, da autoria do nosso ilustre e saudasíssimo colega Dr. Antunes Guimarães, quando Ministro do Comércio c Comunicações, pois aí se previu a proibição temporária da pesca por todos os processos, exceptuando, quando assim só entender, a da linha de mão flutuante, m» primeiro troço de quaisquer correntes de uso público, até ao máximo de 30 km, a contar da respectiva origem. E poderá dizer-se que principalmente nos últimos tempos, se tem usado com certa largueza desta medida. E verdade; mas também é certo que estas proibições têm sido tomadas, de um modo geral, tardiamente e quando o empobrecimento dos rios atingiu já um limite muito avançado.
Tem-se tentado remediar, tarde, e por forma aliás muitíssimo defeituosa, o que poderia ter sido prevenido a tempo.

Vozes: - Muito bem!