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20 DE ABRIL DE 1955 827

Diga-se, porém, em abono da verdade, que esta errada informação do Secretariado Nacional da Informação não causou dano apreciável aos peixes porque, pelo menos no rio Ramalhoso a jusante da confluência do rio Gaiva, não existe uma única truta. Não existe uma única truta nem qualquer outro ser vivo, pois que foram todos metodicamente, exterminados pelo sulfato ferroso de umas minas que existem no Marão. Daqui a momentos contarei como isso fui.

Por agora continuemos.

O n.º 3.° -do artigo 32.º do Regulamento de 1893 torna obrigatória a construção de escadas ou planos destinados à subida dos peixes em todos os ajudes de represas estabelecidas nos leitos de águas públicas.

Este preceito legal tem sido praticamente letra morta.

Têm-se feito muitas represas de águas por esses rios fora e, segundo informações que me foram prestadas, só existe uma em que se construíram escadas para a subida de peixes. Foi na barragem de Belver, no Tejo. Mas para que tudo esteja torto neste desgraçado assunto, essas escadas são inteiramente inúteis, pois foram construídas para a subida de salmonídeos e não existem no Tejo estas espécies piscícolas.

O que era necessário era construir nesta barragem uma vala para a subida de sáveis e lampreias, pois que. se isto não for feito, será faial o completo desaparecimento destas espécies do rio Tejo.

O Sr. Rui Andrade: - O sável está a desaparecer no Tejo.

O Orador: - E está exactamente, porque não se construiu essa vala.

A construção de uma barragem no Cávado, aliás para uma empresa fabril, sem que nela fossem feitas escadas para a subida, de peixes constituiu a principal causa de os salmões, que neste rio existiam antigamente, dele lia verem desertado por modo completo e definitivo.

No Lima aconteceu a mesma coisa.

O que fez com que este curso de água, antigamente frequentado por salmões, esteja - completamente deserto desta espécie foi a construção da barragem do Lindoso, sem que nela tenham sido abertas as necessárias escadas pura a subida de peixes.

Mas há pior ainda!

O artigo 38.º do velho regulamento preceitua ser expressamente proibido o lançamento nos leitos de águas públicas de substâncias nocivas à vida dos -peixes (esgotos de casas, povoações, fábricas e minas. etc.).

Este comando legal também tem sido letra morta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na poluição das águas pêlos detrito? e resíduos das fábricas e minas e pelo emprego de substâncias venenosas nu pesca criminosa é que reside a parte mais trágica da questão.

Há grandes troços de rios, outrora povoadíssimos de peixes, que estão completamente esterilizados pelas substâncias nocivas que neles lançam fábricas e minas.

Há cursos de águas, outrora límpidos e com grande abundância de espécies ictiológicas, que -certas fábricas transformaram em monstruosos fossos de toda a espécie de dejectos, onde nem os cristãos se podem banhar nem o gado pode beber.

E ninguém olha para esta calamidade.

Ainda há pouco tempo as trutas que se encontravam nos esplêndidos viveiros do Marão, construídos pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e

que custaram o melhor de 400 contos, morreram todas de um dia para o outro.

Fizeram-se todas as análises possíveis às águas do rio Ramalhoso, que abastece os viveiros, e não se encontraram substâncias tóxicas que explicassem a morte dos peixes.

Repovoaram-se novamente os viveiros e outra vez se verificou a morte da totalidade das trutas que lá se encontravam.

Feito um estudo, esgotante do caso pelo eminente professor Laroze, da Universidade do Porto, e em que chegou a participar o Dr. Maurice Vouga, conselheiro técnico e inspector-geral da pesca e da caca da Suíça, chegou-se à conclusão de que era o ferro arrastado por um veio de água que havia sido cortado pela lavra de umas minas existentes na serra que impregnando as guelras das trutas, as matava -por asfixia.

O problema dos viveiros resolveu-se pela captação de água no Ramalhoso em lugar superior ao da confluência do veio que trazia o ferro. Mas o rio no seu curso natural, ficou completamente esterilizado e sem vestígios de vida animal.

A pesca criminosa com explosivos e substâncias venenosas faz o resto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Principalmente durante o Verão pode dizer-se que são raros os dias em que o" jornais se na o fazem eco de notícias alarmantes sobre mortandades maciças de peixes provocadas pela poluição das águas com substâncias nocivas.

A magnífica revista Diana tem feito uma ardorosa e meritória campanha contra a, poluição dos rios de Portugal e contra a escandalosa impunidade do que gozam os seus autores. As suas palavras têm sido lançadas ao vento.

Ninguém procura entravar a acção vandálica dos envenenadores dos nossos cursos de água.

Lady 0'Malley que há poucos anos foi embaixatriz da Inglaterra em Lisboa e que na sua adolescência já tinha vivido no nosso país. escreveu, sob o pseudónimo de Ann Bridge, este livro que se intitula The Selective Traveller in Portugal. A p. 159 lê-se o seguinte, que me permito traduzir:

A pesca da truta no Norte de Portugal, magnífica há cerca de cinquenta anos. é hoje praticamente inexistente, porque os engenhosos camponeses descobriram que o sulfato de cobre, com que tratam os vinhedos, deitado aos rios, mata os peixes, que, segundo eles dizem, com manhosa satisfação, são muito bons para comer, visto que não ficam venenosos, desde que se lhes tire a pele!

A parte a equitação, as touradas e principalmente o futebol, os Portugueses não gostam de praticar o desporto; por isso, a destruição das trutas nos seus cursos de água não provoca nem particular num público sentimento de desgosto ou indignação.

Estas palavras singelas de Lady 0'Malley acerca da pesca da truta em Portugal retratam bem, embora por forma muito eufemistica, como convinha a uma sincera amiga do nosso país. o que, neste capítulo, se pode justiceiramente chamar a selvajaria nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Lei n.º 1083, de 8 de Dezembro de 1920 pune estes crimes de envenamento dos rios com o mínimo de três meses de prisão correccional.

A verdade, porém, é que os criminosos só rarissimamente são apanhados e punidos. Porquê?