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97 7 DE DEZEMBRO DE 1950

A pequena espinha irritativa de carácter orgânico que por vezes se encontra no subsolo é coisa fie pouca monta em relação às intensas e por vezes dramáticas repercussões psíquicas que ocasiona em terreno neurótico.
Penso que alguns sucessos que contei no activo da minha vida de médico de aldeia se devem mais à acção psíquica, a uma palavra suavizadora e calmante, do que à minha competência em diagnosticar e tratar pelos modernos processo de então, competência a meu ver bastante limitada, pois não tinha feito o estágio hospitalar que hoje com toda a razão é exigido aos médicos depois de concluído o seu curso.
Gostei muito dessa vida de clínico rural, bem remuneradora e muito calma, exigindo, é certo, grande resistência física (eu tinha-a).
A impressão que me ficou desse tempo em relação ao de hoje é que deixei um oásis de tranquilidade para me meter em turbilhão infernal, onde nunca faço o que quero e só o que as obrigações me exigem. Lá deixei e de lá trouxe grandes saudades.
Mas, se eu pertencia, àquela plêiade de médicos rurais cientificamente apagados, a verdade é que muitas vezes na medicina rural salta a faísca e o rasgo de talento, iluminando o desejo e a fé de servir uma grande causa.
Bastará citar as palavras do grande médico e escritor Ricardo Jorge ao lembrar esses médicos superiormente dotados: «nem rasgos de sagacidade faltam no desvendar do diagnóstico, em que, não raro, tropeçam os que se julgam maiores». E o médico de Ribadouro a anunciar a meningite cerebrospinal, é o jovem médico serrano que vê desabrolhar a peste, em que não acreditam, e que tem de seguir até ao Porto, açodado, para então ali se organizar a caravana de socorro, e não faltam exemplos de devoção, como estoutro, citado pelo mesmo professor: «Estava prostrado no leito de agonia o médico municipal de Manteigas e logo outro do concelho vizinho, num impulso cavalheiresco, se oferece para tratá-lo e substituí-lo no posto de combate».
Os próprios enfermeiros irmanam com os médicos na devoção profissional: «No hospital de isolamento de Vila do Conde, finado o enfermeiro, é a própria mulher que não abandona a enfermagem - causa fatal da sua viuvez».
Tive de sair da aldeia onde fiz clínica principalmente por causa do problema da habitação.
Vivia em casa que me tinha sido emprestada por um bom homem daqueles sítios, que me cedeu a casa nova para continuar a viver na velha.
Nunca quis receber uni centavo de renda; a sua generosidade foi tão inesperada como cativante.
Nunca se quis conformar com os pedidos que lhe fiz de legalizar a minha presença e de minha família naquela risonha vivenda. Outra casa não existia na localidade onde me pudesse alojar condignamente com a família.
Enquanto solteiro, vivia nos modestos quartítos da casa de uma velhota, e tinha de dormir num quarto interior sem janela ...
O meu caso para que o problema da habitação do médico rural é por vezes o seu principal, se não único, problema em certas localidades.
Hoje em dia deve custar menos a viver na aldeia que no meu tempo.
Com as boas estrados que possuímos, com luz eléctrica, com a telefonia, pode viver-se em contacto com o progresso, pode saber-se o que vai pelo mundo.
Com a próxima televisão poderão apreciar-se o teatro, o cinema e as próprias pugnas desportivas, sem sair da casa de aldeia.
Desde que as condições sanitárias da localidade o permitam, desde que se ocupe uma habitação em regulares condições de higiene e conforto, não há razões poderosas que levem o médico rural a procurar outro destino.
De resto, o problema da habitação do médico rural reveste hoje uma acuidade que não existia em tempos antigos.
Antes da publicação e entrada em vigor do actual Código Administrativo os médicos municipais eram nomeados pelas câmaras municipais, que tinham larga margem para o seu recrutamento. Aqueles eram, em regra, pessoas da região, com casa de família na localidade.
A escolha do médico recai agora no que apresente melhor prova documental. Com a pletora, muitos vêm de longe, e a primeira dificuldade que lhes surge é a que diz respeito à habitação.
Nas circunstâncias apontadas devia seguir-se o critério adoptado para os magistrados.
Fazem-se Casas do Povo, que por vezes são construções importantes, de cantaria; bem poderiam ter anexa a habitação do médico, sem grande dispêndio complementar.
Isto poderia não se adoptar em princípio, mas de acordo com as exigências próprias e particulares de cada caso.
Em Espanha enveredou-se decididamente pelo caminho das realizações e já há centenas de habitações para médicos rurais na nossa vizinha.
Só na província de Soria, em 1954, informa o Prof. Palanca que foram inauguradas setenta vivendas para médicos rurais.
Depois da habitação, vou referir-me aos vencimentos e honorários, em breve apontamento.
Os vencimentos dos médicos rurais estão estabelecidos de harmonia com as distâncias às sedes dos concelhos.
Este critério prova que houve necessidade de compensar os médicos com sedes de partido muito distantes das sedes dos concelhos, isto é mais isolados.
Assim os médicos em partido com centro na sede do concelho ou que desta distam menos de 15 km têm o vencimento de 1.200$ mensais, enquanto é de 1.500$ o vencimento dos médicos em partido com centro distante mais de 15 km da sede do concelho.
Ora as condições que merecem maior compensação consistem na área do partido, na sua orografia e nas suas comunicações.
As queixas mais agudas que tenho ouvido partem de médicos em partidos de vastas áreas muito acidentadas e de precárias vias de comunicação, tanto mais que, em regra, estas condições coincidem com a pobreza, a incultura e a falta de educação do meio.
Também por ali não há enfermeiros, e ali temos também a impossibilidade de o médico encontrar pessoa apta para o ajudar em pequenos actos de enfermagem .
Isto torna os médicos também enfermeiros, e enfermeiros até ao mais pequeno pormenor.
Quanto às consultas e visitas, podemos dizer que a actualização das mesmas é mais aparente que real.
Servir-me-ei do exemplo do concelho de Penela.
Em 1912 o custo de uma consulta era de 200 réis, o da visita 300 réis e o do alqueire de milho de 400 a 500 réis.
Em 1955 o custo de uma consulta é de 10$, o da visita 20$ e o do alqueire de milho de 19$ a 20$.
O custo da consulta e o do milho subiram cinquenta vezes, mas parece-me que o custo de vida subiu cerca de cem vezes em relação a 1912.
De resto, este aspecto depende em grande parte de os médicos de cada concelho terem unidade de vistas e espírito de solidariedade, isto é, uma psicologia própria