DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104 94
A Dinamarca, apesar de pertencer ao grupo de países com baixa tuberculosidade, intensificou a luta antituberculosa em 1950-1952.
No radiorrastreio, base primordial da profilaxia da doença, adoptou-se o método das duas leituras.
Os rolos de películas eram lidos, em primeiro lugar, no serviço provincial; no serviço central era feita segunda leitura por outro radiologista.
Como entre nós, desde que a radiofotografia revelasse suspeitas de alterações procedia-se à telerradiografia usual do tórax.
Foram submetidas ao radiorrastreio para cima de 400 000 pessoas. Só numa terça parte dos casos houve coincidência das duas leituras das radiofotografias.
Nos serviços provinciais a leitura indicava 2,14 casos sãos para l caso confirmado; no serviço central havia 1,57 casos sãos para l confirmado. Em 10 002 radiofotografias com suspeitas de alterações só 3095 eram, de facto, positivas.
O trabalho de confirmação com telerradiografias do tórax é feito na Dinamarca pelos dispensários provinciais.
Os leitores do serviço central enviaram aos dispensários provinciais 20 por cento a mais dos casos com tuberculose pulmonar activa e, quanto a outras afecções não tuberculosas, o mesmo serviço enviou 45 por cento a mais dos casos remetidos pelos serviços provinciais.
Parece, portanto, que seria vantajoso e económico introduzir entre nós e método das duas leituras.
Outra vantagem tem a abreugrafia na descoberta de muitos casos de afecções cardiovasculares, de doenças pulmonares não tuberculosas e até de afecções ósseas.
Os doentes portadores de formas avançadas de tuberculose pulmonar exigem enorme sacrifício de manutenção, de resultado terapêutico precário ou nulo nas formas incuráveis.
A toada burocrática que consiste em afastar dos sanatórios e deles expulsar os incuráveis não se justifica num país que não tem instalações próprias para incuráveis, por uma questão de humanidade e porque estes doentes, em regra muito bacilíferos, contribuiriam para aumentar em maior ou menor escala, no geral, e sempre em maior escala que os curáveis, a morbilidade tuberculosa.
Graças à acção decidida e oportuna do actual Subsecretário da Assistência, procura-se hoje internar todos os doentes, curáveis, e incuráveis.
Que a abreugrafia tem valor profiláctico insuperável mostra-o o que sucedeu no Rio de Janeiro e em S. Paulo, onde a tuberculosidade é muito alta.
No Rio de Janeiro praticou-se a abreugrafia desde 1945 a 1950; neste período o número de óbitos pela tuberculose baixou de 342 por 100 000 para 200 por 100000; no mesmo período em S. Paulo o número de óbitos baixou de 145 para 105.
Estes dados foram-me pessoalmente fornecidos pelo Prof. Manuel de Abreu em Londres, no Congresso de 1950.
Iniciou-se, graças a despacho recente do Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional, a abreugrafia dos estudantes e professores das escolas de Coimbra e Porto, pois em Lisboa já se fazia desde 1947-1948, raças aos meritórios esforços do inspector de Saúde Escolar, Dr. Daniel Monteiro.
De 1948 a 1954 foram observadas 211 285 pessoas, compreendendo professores, alunos e empregados dos estabelecimentos de ensino de Lisboa. Dos 162 396 ra-diorrastreios efectuados desde 1951 a 1954 foram radiografadas 2151 pessoas, o que dá a percentagem de 1,3 por cento, muito inferior à usual de 2,3 por cento
que habitualmente se verifica no geral da população e mesmo na população escolar.
Em 1948 foram examinados na Turquia, pelo Instituto Radiológico de Istambul, os estudantes de 146 escolas, em número de 43 896; encontraram-se 67 casos de tuberculose evidente (0,15 por cento) e 1239 casos de tuberculose exigindo tratamento (2,8 por cento). Esta percentagem é que é bastante próxima da percentagem média de telerradiografias usuais do tórax que se costumam tirar em relação ao total dos examinados (2,3 por cento). E certo que a tuberculose evolutiva é rara nas escolas secundárias. Por outro lado, o contágio na escola pode fazer-se por três maneiras: pelo mestre tuberculoso, pelo aluno contagioso (tuberculose pulmonar aberta, adenopatias tuberculosas supuradas, fístulas ósseas, etc.) e por bacilos trazidos do exterior. Se a tuberculose é relativamente rara na escola, é precisamente porque, como já dizia Grancher, é nela que o aluno consegue muitas vezes escapar ao contágio familiar.
Além disso, a marcha da tuberculose e mais benigna na segunda infância, quando as crianças frequentam as escolas primárias, do que na primeira infância.
E se é certo que na puberdade, quando os alunos frequentam o liceu, esta relativa benignidade desaparece, a verdade é que se trata, por via de regra, de filhos de famílias mais abonadas, melhor alimentados e com melhor higiene de habitação.
Por tudo isto, só muito raramente tenho encontrado casos de tuberculose pulmonar acttiva no liceu onde sou médico
O contágio do exterior pode fazer-se pelo pessoal de serviço (contínuos, encarregados de limpeza) ou pelos vestuários dos alunos quando houver casos de tuberculose aberta na casa onde o aluno vive. Os próprios livros podem servir de veículo.
Nestas conjunturas o radiorrastreio deve prosseguir, desde os alunos até aos contínuos, pessoal de limpeza e professores. A mortalidade dos professores era causada, em primeiro lugar, pela tuberculose, seguindo-se-lhe as doenças do sistema nervoso e depois as afecções cardiovasculares. Com o combate à tuberculose e os meios curativos de que hoje dispomos, estes dados clássicos devem ser alterados.
A abreugrafia deve considerar-se um dos mais importantes capítulos da medicina social.
O seu valor aumenta nas regiões onde os operários são obrigados a trabalhar expostos às poeiras (mineiros) e aos que, por profissão, têm de manipular alimentos (padeiros, cozinheiros, carniceiros, etc.).
Na Argentina procede-se já há anos a abreugrafia de todos os recrutas. Que se intensifique a luta antituberculosa com a abreugrafia em escala nacional são os votos que formulo, de acordo com o propósito do Governo.
Também a abreugrafia nas áreas rurais tem valor educativo que não é para desprezar, não deixando, além disso, ali desenvolver-se a tuberculose em meios sanitariamente desprotegidos e educativamente inferiorizados.
Passo agora a analisar os factores individuais da clínica rural, tendo em vista médico e doente: situação económica da classe médica, situação económica dos doentes, falta de comando único, vencimentos e consultas, meios de medicar, etc., que sucessivamente irei tratando no decurso da minha exposição.
Antes de iniciar esta segunda parte das minhas considerações, desejo vincar que não me propus defender aqui os interesses pessoais de uma classe, mas sim comentar a Lei de Meios no âmbito em que ela pode vir a melhorar as condições da clínica rural.