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15 DE DEZEMBRO DE 1955 195

cheio de interesse sobre a Neurologia na Guerra, e do estudo dos espantosos traumatismos, sobretudo cerebrais e de várias ordens, recebidos por vitimas dessa grande conflagração militar, Egaz Moniz passou à aplicação de processos novos em diagnóstico e no tratamento das doenças nervosas e mentais. Há um encadeamento lógico entre a Neurologia na Guerra e a sua descoberta, de inegável merecimento, que foi a angiografia cerebral, como existe também um mesmo encadeamento com os seus trabalhos anteriores de leucotomia frontal.
Eu fui, meus senhores, aqui o confesso, uma voz algo discordante em plena Academia das Ciências, na presença de Egas Moniz, quando ele apresentou pela primeira vez o seu método da leucotomia. Eu tinha a sensação de que se cortava um pouco ao acaso e não me agradava uma neurocirurgia fundada em cortes feitos de tal modo. Mas a verdade é que alguns resultados da aplicação da leucotomia eram francamente satisfatórios; traziam consigo algumas modificações mal esclarecidas da personalidade, mas traziam inegáveis, maravilhosos, benefícios no combate aos sofrimentos de muitos doentes. Quem, como eu próprio, tem estado em contacto com a tortura, com a dor imensa de alguns doentes mentais, não pôde deixar do considerar benvindo um processo técnico que aliviava mal tão impressionante.
Muitos destes doentes consideram uma verdadeira bênção caída do Céu tudo que possa servir de bálsamo para dor tão alanceante, tão profunda, mais até que as mais violentas e lancinantes dores físicas.
Comecei, entretanto, a ter noticia de alguns dos seus êxitos clínicos. Porém, numa viagem a Londres, procurando curiosamente - com a curiosidade de quem estuda - nas prateleiras da Imprensa Nacional britânica, com as maiores facilidades de acção da parte da respectiva direcção, para ver quais as publicações oficiais ali existentes mais directamente ligadas a assuntos que me interessavam, encontrei e adquiri o relatório oficial inglês sobre o método de Egas Moniz. Esse relatório, baseado em centenas de casos, concluía pela apologia aberta desse método.
Não creio na deformação do espirito de justiça, do espirito critico e do espirito científico dos médicos ingleses, que calmamente fundaram em numerosa série de observações o estudo do valor do método Egas Moniz. Mas este continuou suscitando algumas discussões, o que não impediu que, ampliado ou substituído, porventura, por outros métodos, viesse a fornecer material, precisamente, de observação, de análise, de um dos problemas mais inquietantes, perturbantes, do espirito humano : o mecanismo do pensamento, a psicofisiologia.
A verdade é que, graças a um tal processo experimental, foi possível dar alguns passos em frente na matéria importantíssima do esclarecimento da fisiologia cerebral e da psicofisiologia, mas não estou falando como médico, nem, como disse, com o propósito de fazer um elogio académico. Estou apenas a procurar mostrar como, a pouco e pouco, no meu espirito, que a princípio recebeu este novo trabalho com dúvidas, se fez uma evolução, se fez justiça ao esforço e labor cientifico de Egas Moniz.
E não quero também deixar em silêncio, deixar de falar na brilhante falange dos colaboradores do Mestre. Não quero deixar de assinalar que contribuíram valiosamente para o êxito das suas investigações trabalhadores dos mais distintos deste pais no terreno da medicina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se confinou Egas Moniz à medicina e ao estudo da fisiologia do sistema nervoso central. Somos-lhe devedores de monografias que o seu talento como homem de gosto, como homem de cultura, nos deixou sobre alguns ternas literários e de outra natureza. Citarei apenas os seus estudos sobre Júlio Dinis, aliás médico também e romancista, sobre o abade de Faria e o hipnotismo, sobre p papa João XXI, sobre a necrofilia de Camilo, sobre Oscar Wilde, etc.
Egas Moniz, na sua carreira científica, começara por publicar um livro que não é seguramente a sua melhor obra e que suscitou no entanto uma curiosidade, a meu ver, mórbida. Esse livro foi A Fida Sexual. Não era seguramente uma prova brilhante da originalidade e mérito do investigador que viria a ser, o qual viria a compensar, largamente, como vimos, a banalidade algo escandalosa desse primeiro trabalho.
A política atraia-o. Foi Deputado, um dos mais buliçosos na velha Câmara monárquica, na antiga dissidência progressista, na qual acompanhou José de Alpoim. Chegou a ser revolucionário militante, chegou a conhecer a prisão, tendo-se voltado depois, felizmente, pelo desfavor (para ele e para os seus trabalhos providencial) do ambiente político, para os assuntos de neurologia e da ciência. Teve um largo interregno na sua actividade cientifica, para depois, com o advento de Sidónio Pais (ainda há pouco aqui recordado com a mais devida das homenagens), surgir no plano político para uma transformação política do País.
Foi parlamentar, leader da antiga Câmara dos Deputados, Ministro dos Estrangeiros, presidente da delegação portuguesa à Conferência da Paz depois da guerra de 1914-1918. Mas uma nova situação sucedia à situação malograda de Sidónio Pais, e Egas Moniz recolheu de novo à penumbra activa da sua actividade cientifica, certamente muito mais meritória e fecunda.
Estou convencido de que, se as circunstâncias dessa época tivessem sido diferentes, Egas Moniz teria sido um político brilhante, graças às suas qualidades de fluência o de vivacidade, mas não teria tido o Prémio Nobel.
No meu convívio com Egas Moniz senti sempre o seu charme, o encanto da sua actuação.
Tendo parecido a muitos um epicurista, uma pessoa que procurava gozar calma, tranquila, e agradavelmente a sua existência, foi, porém, como muitos saltem, o homem que passou dores alanceantes, por virtude de uma doença que durante anos o não abandonou, e foi vitima, como alienista, de um atentado de um doente mental, no próprio consultório, atontado esse que lhe deixou cicatrizes indeléveis.
A par da elegância, da distinção, da intensidade de vida social que havia em Egas Moniz, ele possuía, algumas das grandes qualidades que caracterizam o génio.
Não seriam, por vezes, a erudição e os estudos mais profundos que o conduzir iam aos seus resultados, mas sim a iniciativa, a vivacidade de imaginação, o próprio ardor da sua coragem intelectual.
Outros recuariam em actuar como ele, por virtude da timidez, do respeito quase religioso que merece a integridade do nobilíssimo órgão que ó o cérebro humano, tanto como o devido à vida quer física quer psíquica. Mas Egas Moniz teve o denodo necessário e coube-lhe a felicidade de triunfar de escolhos que a sua iniciativa e a sua coragem lhe podiam ter proporcionado.
Prestou Egas Moniz inegáveis serviços a um sector médico-cirúrgico da maior importância, actualidade e transcendência. É espantoso o que no campo da neurologia e da psiquiatria se tem avançado nos últimos decénios. Tem-se progredido muito na terapêutica neuro-psiquiátrica, que ainda conheci reduzida a processos e medicamentos que se podiam contar pêlos dedos da mão. Progrediu-se simultaneamente no conhecimento dos mecanismos fisiopsíquicos, conhecimento a que Egas Moniz deu valiosíssima contribuição.