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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109 196

Desapareceu uma grande ligam nacional, uma figura destacante da sociedade portuguesa, desapareceu um alto valor da ciência e da nossa cultura. Um tal facto não pode ser assinalado apenas nas noticias dos jornais e nos elogios académicos. A meu ver, deve ter o devido oco nesta Assembleia, que representa a Nação, que é a voz da Pátria, duma pátria feita não só do labor e do mérito de muita gente anónima, humilde, ignorada, mas também da actividade de grandes figuras mentais, como Egas Moniz. Se devemos culto e reconhecimento aos primeiros, a essa gente anónima, devemo-los também aos que na ciência e na investigação dignificam o prestigiam este país. Devemo-los aos grandes homens de Portugal, e Egas Moniz foi, sem dúvida, perante o Pais e o Mundo, uma das mais gloriosas e brilhantes personalidades, portuguesas du nosso tempo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: permitam-me VV. Ex. ªs que por uma vez, eu não trate do assunto no qual me tenho fixado.
Como único professor aqui presente da Faculdade de Medicina de Lisboa, julguemos direito, e com o dever, de dizer duas palavras sobre o homem de ciência que acabamos de perder.
É evidente que Egas Moniz, como todo o homem muito inteligente de com um espírito aberto, distribuiu a sua actividade intelectual por vários sectores.
Sabemos todos que foi um homem de letras um e activo, além da sua vida du cientista, ver professor ilustre.
Mas para se julgar esses aspectos é necessário que a crítico trabalhe nos mesmos terrenos. Particularmente do campo da política é necessário ser-se um político - e aí de mim que não tenho essa honra, pois sou apenas um cirurgião.
Mas o que eu julgo essencial vida de Egas Moniz e torna o sou nome perene é a obra científica.
É curioso verificar como chegou a essa obra.
Começou a sua vida em Coimbra, como oftalmologista, e foi por mera casualidade que passou para Lisboa, piara a madeira de Neurologia.
Egas Moniz não era um neurologista, foi só a partir desse momento que ele se interessou por tal ciência.
Mas, apesar disso, foi neurologista que se tornou conhecido, tratando bem e ensinando bem. Não teria, todavia, passado daí se na segunda parte da sua vida. ele não enveredasse nesse caminho da investigação, com uma actividade extraordinária. Isso mostra que não há períodos electivos para a imaginação e que iodo o momento é de produção, e Egas Moniz é, talvez, um dos exemplos mais frisantes do que acabo de dizer.
De facto, os dois aspectos essenciais que vão fixar o nome de Egas Moniz entre os nossos homens de ciência foram aqueles- a que se dedicou no outono da sua vida ou sejam da angiografia e a leucotomia cerebral.
Não deixa, de ser interessante examinar em resumo a criação da angiografia cerebral.
O que determinou esse estudo foi o desejo de conseguir localizar os tumores do cérebro, o que até aí era muito difícil, pois todos os métodos que se tinham descoberto eram insuficientes.
A ideia de Egas Moniz foi a de tornar possível localizar esses tumores. Isso leve uma importância capital, pois conduziu à criação de um método novo, isto ó, à abertura de um novo sector na investigarão clínica do homem doente. Assim, foi depois de Egas Moniz ter visualizado os vasos do cérebro que meu pai, vendo
na opacificação dos vasos do cérebro as bases de um método de aplicação geral, se lançou no estudo do da arteriografia dos membros e criou a aortografia. Foi a partir desta ideia que Lopa de Carvalho criou angiopneumografia e que eu próprio, mais tarde, iniciei o estudo do sistema venoso. Foi a partir deste núcleo de investigações que depois outros autores estrangeiros conseguiram a visualização do coração e dos grandes vá sós e dos da circulação do sistema porta.
Foi por tudo isto que Portugal pôde ser colocado no primeiro plano dos trabalhos sobre este novo sector.
O método seguido por Egas Moniz para chegar à visualização dos vasos cerebrais no homem vivo foi modelar. Após o nascimento da ideia fundamental, estudou os aspectos radiográficos dos vasos cerebrais no cadáver; depois realizou os- primeiros ensaios no animal vivo, procurando corrigir os inconvenientes depois foi a angiografia ensaiada pela primeira voz no homem vivo em casos perdidos e, enfim, entrou na realização do método nos casos em que ele estava indicado.
Isso tudo nunca o teria conduzido, porém, ao Prémio Nobel.
Poucos sabem que o espírito do Prémio Nobel não se dirige a uma pessoa, a uma inteligência, a uma mentalidade. Dirige-se a uma ideia nova. Por isso nós conhecemos untos homens que exerceram extraordinária influência sobre a vida humana, pela forma como consideraram os problemas, pelo seu espírito filosófico, pela sua inteligência ou pelo seu exemplo, e não receberam qualquer Prémio Nobel. O Prémio Nobel da 'Medicina é concedido à ideia ou à descoberta que transforme um sector desta ciência, para bem da humanidade.
A obra de Egas Moniz que abriu um sector novo para bem da humanidade foi a leucotomia.
Com a leucotomia consegue-se modificar cirurgicamente a mentalidade do homem. A sua aplicação na doença abriu perspectivas inteiramente novas. A ideia é, na realidade, extraordinária e seria digna de um H. G. Wells, com a diferença de ([110 Wells apenas realizava as coisas no papel e no espaço, enquanto que Egas Moniz teve de realizar a ideia a valer, no próprio homem.
A leucotomia realiza assim a, condição-tipo para um Prémio Nobel. Ainda não sabemos hoje até que ponto essa ideia pode conduzir a cirurgia do cérebro. Mas, se a possibilidade de alterar a própria mentalidade de cada homem levanta, evidentemente, graves problemas de ordem moral, não se discute u importância do novo campo aberto no tratamento das doenças mentais.
Foram estas duas realizações que colocaram Egas Moniz no plano em que se encontram os grandes cientistas internacionais. É necessário que nos representemos bem o que isso significa mima época como a nossa, cm que os homens de valor e os medíocres são misturados á custa dos mesmos adjectivos. Egas Moniz foi um dos raros homens que ocupam um lugar de destaque dentre os poucos homens de ciência que preconizamos.
Foi o que se pode dizer, com toda a propriedade, um homem ilustro. Conseguiu mais do que isso - ganhou a vida.
A vida de um homem pública - seja qualquer for o sector em que ela se exerça - exige mais alguma coisa que o seu valor pessoal. É preciso que esse homem possa olhar para trás e reconhecer que da sua personalidade e da sua actividade resultou um bem para a colectividade. Só assim, se ganha a vida.
Podemos dizer que Egas Moniz foi um homem que, através dos seus inevitáveis defeitos, das suas fraque-