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1 DE FEVEREIRO DE 1956 397

(...). É de inteira e elementar justiça satisfazer tão legítimos anseios.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: é perfeitamente natural, e até conveniente, que cada um de nós trate de preferencia dos assuntos que mais se ligam à sua actuação profissional.
Assim, mais uma vez venho abordar temas da vida escolar, especialmente da vida escolar liceal.
Desejo hoje falar do traje escolar tradicional: a capa e batina.
Ninguém desconhece a origem eclesiástica deste traje, que foi marca inconfundível e típica das Universidades de Coimbra e de Évora. Hábito talar de inicio, foi-se secularizando na redução do comprimento da batina, mas mantendo esta a exacta forma eclesiástica da sotaina abotoada até ao pescoço, encimando a abotoadura o clássico colchete, que fechava a gola, baixa e hirta, outrora envolvente do pescocinho dos clérigos. Ainda usei a batina deste tipo, da qual emergia o colarinho branco com a gravata preta, que mais se adivinhava do que se via.
Aí por 1912 generalizou-se a batina tipo sobrecasaca, de vistosa gola dobrada em banda de cetim.
Assim se firmou uma tradição escolar, que emprestava carácter às gerações de académicos universitários e mais tarde aos estudantes da maioria dos liceus.
Como passou esse traje ao uso dos liceus?
Fundado o ensino liceal em 1836, por Decreto de 17 de Novembro de D. Maria II, sendo ministro Passos Manuel, que se baseia na reforma estudada e apresentada pelo vice-reitor da Universidade de Coimbra, Dr. José Alexandre de Campos, sucessivamente foram surgindo os vários liceus nas capitais de distrito.
Foi o Liceu de Évora um dos primeiros a abrir as suas aulas, depois de Lisboa, Porto e Coimbra, em 18 de Outubro de 1841.
Dezanove anos após -Setembro de 1860- teve Évora a honrosa e festiva visita oficial, de três dias, do tão popularmente amado monarca, o rei D. Pedro V.
As cerimónias tiveram um brilho e calor desusados. Dos vários sectores destacou-se, em entusiasmo e expansiva alegria, o punhado de académicos do Liceu, os quais não ultrapassavam a centena (96), mas centena de estudantes quase todos homens.
Quis D. Pedro V, em retribuição, conceder aos estudantes de Évora a mercê de usarem a capa e batina no estilo da Universidade de Coimbra e para isso, foi logo publicada em 27 de Outubro de 1860 a portaria que tal uso autorizava.
O reitor do Liceu, João Rafael de Lemos, em edital de 18 de Julho de 1861, deu conhecimento público da régia concessão e estabeleceu a obrigatoriedade do uso.
Em novo edital de 14 de Julho de 1862 renova as afirmações da obrigatoriedade em todos os actos escolares do traje talar, concedido por mercê régia especial, e avisa os possíveis contraventores escolares e não escolares das cominações que lhes seriam aplicadas. E desta forma se tornou obrigatório o uso do tradicional traje académico em todos os actos escolares.
Esta concessão por mercê especial gerou outras concessões a vários liceus.
Estava-se nesse regime de obrigatoriedade quando a seita jacobina da primeira República lançou a campanha contra a capa e batina, que, dizia-se nesse tempo, em sentido pejorativo, era de origem clerical, portanto abominável.
Esta facciosa campanha traduziu-se no decreto que tornou o traje facultativo. Era tal a força da tradição que em nada, de momento, se alteraram os costumes estudantis.
Com o rodar dos anos a falsa noção da liberdade individual levou muitos usufrutuários da capa e batina, porque era facultativo o uso, a decidirem-se a deturpar o conjunto, que era de uniforme, para um multiforme amálgama de peças fantasiosas, confundindo o facultativo do uso com o facultativo da deturpação e abastardamento de tão nobre e vincada tradição académica.
A epidemia de irreverência invadiu todos os centros escolares, de tal modo que a boina basca de várias cores, sapatos amarelos, camisas e gravatas de cores diversas, davam certo ar carnavalesco ao que tivera origens tão respeitáveis.
Por mim, sei que foi difícil fazer renascer a tradição séria e ortodoxa, quando comecei a dirigir o liceu, que me foi confiado em inícios de 1929.
Entretanto, com o substancial aumento da população escolar e sob a premência de dificuldades económicas de muitas famílias ou, no pólo oposto, pela preocupação do destaque pelo luxo de alunos e alunas provenientes de famílias abastadas, o uso do traje académico começou, de há anos, a ser muito limitado no giro corrente das aulas. Apenas na tradicionalíssima festa do 1.° de Dezembro, que foi sempre a festa máxima, por razões de ordem histórica local, conhecidas de toda a gente, os alunos e alunas primam por usar nesse festivo dia a capa e batina, que a maioria consegue por empréstimo de parentes ou amigos, antigos estudantes.
Com o aparecimento da Mocidade Portuguesa e com a expansão desta patriótica organização estabelceu-se certa confusão e equívoco por a Organização Nacional Mocidade Portuguesa ter adoptado o seu traje de tipo militar, que no Estatuto Liceal em vigor (artigo 433.°, n.° 1) se proclamou o traje oficial, esclarecendo-se, porém, no n.º 2 do mesmo artigo que a obrigatoriedade era em cerimónias em representação do liceu.
De facto, nem nas actividades específicas das quartas e sábados se tornou legalmente obrigatório o traje da Mocidade Portuguesa.
A capa e batina ficaram legalmente na mesma posição : traje não proibido e de uso facultativo como desde 1910.
Não obstante, formou-se o mito, na minha opinião erradíssimo, do que esse uso era um obstáculo à actuação do organismo da Mocidade Portuguesa. Dizia-se, e creio que continua a dizer-se, que o traje académico representa ideias e costumes contrários à doutrina da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Por ser de origem eclesiástica, certamente que não. Por relembrar estúrdias de estudantes e irreverências de atitudes pessoais e até políticas por vezes indesejáveis? Mas não é da sabedoria das nações que as gerações académicas, como os demais sectores sociais, são sempre um produto da época e, portanto, variáveis com o ambiente? Creio, e suponho não errar, que mesmo na rainha do Mondego a academia actual lê o In Mo Tempore como bela narrativa de tempos desaparecidos.

O Sr. Pereira da Conceição: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, dá-me licença?
Não me parece que o uso da capa e batina seja o mais recomendável em certas ocasiões e para certos fins, como seja, por exemplo, o campismo. Para estes é evidente que se impõe o uso do fardamento da Mocidade Portuguesa.
É claro que não está legislada a obrigatoriedade do uso deste ou daquele traje, mas, repito, em certos casos, e para uma organização pré-militar como esta, é de acon-(...)