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13 DE MARÇO DE 1957 333

Não se trata da visão romântica de um Alencar. Todos sabemos que os ideais - por definição - nunca são atingidos. Mas passar-se-ia, certamente, para um plano superior àquele em que a assistência hospitalar e a carreira médica se encontram hoje. E o nosso plano é tão inferior, apesar das aparências, que não seria difícil elevá-lo um pouco.
Se estes aspectos diversos, que constituem uma unidade, viessem a ser definidos e lhes fosse dada uma estrutura, surgiria a grande dificuldade da sua aplicação. Não se remodela a organização hospitalar de um país inteiro com a facilidade de quem baralha e dá cartas. Apesar de estar quase tudo por fazer, a força das circunstâncias, essa grande mola, criou uma organização heterogénea, graças à qual, na medida das suas possibilidades, com todos os seus defeitos e mercê de não poucos sacrifícios, é tratado o País. Mas essa organização desencontrada tem, todavia, muitos direitos adquiridos, que não podem ser menosprezados. Por isso, as leis resultantes dos aspectos focados há pouco conduziriam no seu conjunto a uma obra de fundo, que levaria muitos anos a ser aplicada na sua totalidade, possivelmente uns vinte a vinte e cinco anos. Mas essa aplicação, forçosamente progressiva, estaria constantemente submetida a uma visão de conjunto, previamente e claramente estabelecida sob os pontos de vista orgânico e funcional.
São estas as linhas gerais de um estudo que não cheguei a profundar.
Ora quando entrei nesta Casa em Novembro de 1953, encontrava-se o Hospital Escolar de Lisboa prestes a iniciar o seu funcionamento. Saltava à vista de quem entrasse em contacto, até mesmo superficial, com a nossa mais moderna instituição escolar e hospitalar que a orientação incipiente a que estava submetida era, pelo menos, desairosa: ausência de princípios estabelecidos, falta de ideia directriz, falta de coesão entre a construção, a sua finalidade e a sua quase inexistente organização.
Ministérios e comissões actuando separadamente e por vezes em sentidos opostos. Um espírito geral muito nítido de transposição de competências e uma tal hostilidade ao médico, desprezo pela sua pessoa e mais ainda pelas suas funções, que não é exagero dizer que, se isso fosse possível, a direcção de cada instituto, de cada serviço clínico e de cada serviço auxiliar seria confiada a doutores em Ciências Políticas e Económicas.
Resultava deste estado de coisas que as portas se encontravam largamente abertas ao arbítrio, que não deixou de pesar duramente sobre tudo.
Ora o Hospital-Faculdade representava uma enorme organização, que continha uma Facilidade inteira e um hospital para 1500 camas. Um verdadeiro mundo.
Foi perante esta organização nova, tão importante, já sem estrutura antes de nascer, que decidi iniciar a minha acção parlamentar, em vez de atacar os problemas de uma forma mais abstracta, pois que nesse pequeno mundo se encontravam muitos dos problemas de alcance geral de que falei há pouco.
Partir-se-ia, assim, de uma questão circunscrita, mas rica em aplicações de princípios, para abordar mais tarde as questões cujas fronteiras se sobrepõem às do próprio País. Além disso, evitar-se-ia o paradoxo de se estar criticando em escala nacional e abstractamente questões cuja aplicação prática pelo Governo estava tendo o seu curso, em contradição com a matéria tratada na Assembleia, estabelecendo perigosos precedentes, que não deixariam de influenciar a futura organização médica, ainda por realizar.
Alguns dos grandes princípios e várias directrizes gerais teriam de ser imediatamente postos à prova e o estudo crítico desta grande casa permitiria pôr imediatamente em evidência o espírito com que o Governo estava disposto a encarar os problemas de ensino da medicina e assistência hospitalar.
Daqui nasceu o aviso prévio sobre o Hospital-Faculdade de Lisboa, que foi efectivado em 29 de Janeiro de 1954.
Encontram-se neste aviso, mais ou menos desenvolvidas, as seguintes questões:
1) Reorganização do ensino da medicina;
2) Categorias, quadros, princípios de recrutamento e regulamentos do pessoal docente:
3)Categorias, quadros, princípios de recrutamento e regulamentos do pessoal hospitalar médico não docente;
4) Ensino, recrutamento, quadros, vencimentos e regulamentos do pessoal de enfermagem;
5) Ensino, recrutamento, quadros, vencimentos e regulamentos do pessoal técnico dos serviços auxiliares (laboratórios e raios X);
6) Concepção da investigação científica, e particularmente a investigação clínica;
7) Princípios de organização e construção hospitalar e escolar;
8) Orientação clínica e administrativa dos hospitais;
9) Inter-relações entre o Hospital Escolar, a Faculdade de Medicina e os Hospitais Civis de Lisboa;
10) Equilíbrio hierarquizado dos diversos sectores hospitalares;
11) Pontos de vista sobre a criação e abolição de serviços hospitalares;
12) O seguro de assistência;
13) O orçamento hospitalar;
14) Concentração de comando para a solução dos problemas numa só entidade autónoma.

Eis, nos seus aspectos fundamentais, o significado das críticas, das propostas e das questões, vastas ou de pormenor, contidas no aviso prévio.
Isto tudo colocou o Governo perante um grande problema de assistência pública e do ensino da medicina.
São estes aspectos que outorgaram ao aviso prévio um carácter nacional.
Efectivado o aviso prévio e após a sua discussão nesta Casa, encontrei-me, perante a necessidade de apresentar uma moção para ser votada pela Assembleia. Segundo a redacção que dei a essa moção, a Assembleia, reconhecendo a existência de grandes lacunas, de faltas susceptíveis de serem corrigidas e de uma dispersão de comandos na orientação dos problemas de toda a ordem relacionados com o Hospital-Faculdade, proporia ao Governo:

1) A consideração da matéria contida no aviso e na discussão;
2) A criação da entidade autónoma proposta no aviso;
3) A criação do Ministério da Saúde Pública, cabendo à comissão autónoma o estudo da articulação da Faculdade com o Hospital, no caso de este não ser integrado no Ministério da Educação Nacional.

Os termos desta moção foram longamente discutidos comigo por pessoas com qualidade para o fazer. Logo me disseram que a moção não teria probabilidade alguma de ser aprovada, o que obrigaria outros Deputados a apresentarem uma moção diferente, após a rejeição da minha pela Assembleia.