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334 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 186

Como não me fossem apresentadas razões suficientes, para modificar a minha moção mantive-me na mesma atitude e nesse espírito entrei nesta sala no dia em que a Assembleia se teria de pronunciar. Fui então a bordado no meu lugar por dois parlamentares, que em menos de dez minutos me levaram a mudar de opinião. Decidi então não apresentar moção alguma e subscrever a moção que seria apresentada por um grupo de Deputados. Essa moção foi aprovada pela Assembleia. As razões que me levaram a esta reviravolta in extremis foram as seguintes:
Caso a minha moção fosse rejeitada, sendo a seguir aprovada outra moção diferente, nada da matéria contida na minha moção rejeitada poderia ser considerado pelo Governo, uma vez que a Assembleia, a tinha considerado inaceitável. Desta forma, a questão passaria de qualquer modo para as mãos do Governo, apenas com a diferença de que estaria amputada de aspectos fundamentais contidos na minha moção rejeitada. Ora uma das minhas finalidades era evidentemente que a quentão passa-se intacta para quem tinha poderes para lhe dar execução. E, assim, aceitei subscrever uma moção bastante incaracterística. mas que tinha a indiscutível qualidade de passar o problema inteiro para as mãos do Governo. Desta forma evitei que o aviso morresse logo à nascença, sem dar tempo a que ele fosse digerido e que sobre ele passasse o tempo suficiente para a reflexão se desenvolver. Em boa verdade, se eu persisti-se em apresentar a minha moção nas condições expostas, teria cometido,sem o desejar, um acto político.
Depois de a matéria do aviso ter mudado de mão, o Governo não deu sinais de se estar ocupando dela. Perante a urgência da situação, intervim por duas vezes nesta sala, em 6 de Fevereiro e 11 de Março de 1954, para chamar a atenção do Governo sobre a necessidade de se atender quanto antes ao que fora exposto no aviso.
Enfim, depois de uma fase a que chamei biministerial, que se iniciou em Janeiro de 1955 e durante a qual se sucederam longas entrevistas com os Ministros do Interior e da Educação Nacional, fui levado, em 29 de Março do mesmo ano, a mais uma intervenção sobre o aviso, intervenção a que chamei optimista, pois que a criação de várias entidades novas permitia supor, embora com reservas, que finalmente a questão ia entrar num raminho mais aberto.
Com efeito, pude anunciar nesta data:
1) A criação de um conselho técnico com autoridade para propor o que entendesse no terreno da sua competência;
2) A criação da Direcção Clínica do Hospital-Faculdade, com a missão de coordenar os serviços clínicos;
3) A criação de uma comissão especial destinada a estudar e propor os planos relativos a constituição dos quadros, categorias, acesso e preparação técnica, direitos e obrigações do pessoal clínico e de enfermagem dos hospitais centrais.
Também pude apresentar nessa intervenção vários princípios gerais, sobre os quais havia probabilidades de se obter o acordo do Governo.
A questão ficou por aqui. Nunca mais falei nesta Assembleia até hoje.
Entramos na última parte desta exposição, em que desejo rever perante V. Ex.ª os princípios que orientaram e orientam as minhas atitudes e decisões.
Encontro-me nesta Assembleia como um cientista português que nunca se aproximou da política. Entendi ser um dever não me recusar a tratar de um problema
não político da minha competência, com carácter nacional, a que pessoalmente sempre considerei encontrar-se por resolver, uma vez que tive a honra de para isso ser solicitado. Sendo-me garantida toda a liberdade, não quis poder ser mais tarde acusado de exercer a critica na minha limitada esfera de acção, mas de mo eximir a fazê-lo com mais responsabilidade perante o Governo e o País.
Só depois do meu discurso no Liceu Camões, durante a Campanha eleitoral de 1953, e, ainda mais, depois da minha eleição, compreendi a atitude daqueles que me consideraram um homem perdido. Quer através de palavras amigáveis, quer utilizando termos violentos, quer insinuando com frases sibilinas, todos me disseram que a minha entrada para a política activa era facto consumado e que rapidamente me encontraria fixado pela meada dos compromissos, dos precedentes, das tolerâncias e das seduções da política. Efectivamente, encontrei-me logo perante o efeito das minhas palavras, que me deu a impressão de eu me ter tornado numa espécie de celebridade nacional. A tentação é grande. O caminho parece fácil. É como se as portas se abrissem de si mesmas, deixando ver brilhar ao longe os altos cargos do Estado. E para quem está habituado a obter pequenos êxitos com um trabalho longo e penoso, esta descoberta fácil de um paraíso de amor próprio pode constituir um perigo, sobretudo quando a pessoa se deixa iludir pela sensação de popularidade, sempre efémera e traiçoeira.
Não se contam já os exemplos de homens que foram arrebatados pela tentação da política quando exerciam utilmente a sua profissão e assim se quebraram para sempre. A política activa é uma profissão, a mais nobre de todas quando exercida com seriedade e humanidade, mas é tão absorvente como a mais absorvente das ocupações e não permite acumulações sem cair logo no amadorismo ou na superficialidade recoberta por uma máscara de erudição, que constitui uma verdadeira burla para com um país.
Por isso, e porque felizmente me disse logo a mim próprio o que agora declaro a V. Ex.ª decidi evitar, tanto quanto possível, toda ou qualquer atitude, gesto ou palavra que pudessem estar sujeitos a uma interpretação equívoca ou que pudessem constituir um precedente que me conduzisse para a teia donde sei bem que nunca mais sairia. Por isso me defendi claramente de tratar nesta Assembleia qualquer outro assunto fora daquele que aqui me trouxe. E não aceitei qualquer derivação que me faria desviar da linha inflexível que me tracei duramente para salvaguardar a minha independência de espírito.
Na vida normal, a verdadeira independência deve ser coisa desconhecida da maioria dos homens. Chegados a uma certa altura da vida, as nossas quilhas estão recobertas por uma grossa camada de conchas e limos, que nos paralisa parcialmente a marcha. O meu passado está semeado de erros, tolerâncias, faltas, precedentes e compromissos que enfraquecem e diminuem a minha liberdade de acção. Creio que isso acontece um pouco a toda a gente. Mas nesta Casa e no terreno da minha acção parlamentar encontro-me livre. Entrei para aqui livre e sinto hoje o meu espírito ainda mais livre, porque mais consciente, após as provas por que passei.
Poderei portanto orientar o final da minha acção parlamentar com a mesma liberdade com que a iniciei.
Se um dos princípios que me impus foi o de não me desviar das questões por mim levantadas, outro foi o de que levaria as questões até ao fim e outra ainda o de que nada me deteria no exercício da crítica. É para os cumprir que me é indispensável a total liberdade de espírito. E o que me leva a cumprir com rigor as minhas promessas é o facto de eu não ser político. Um verdadeiro político, aquele que dedicou a sua vida