16 DE DEZEMBRO DE 1958 149
que, num esforço dramático e por vezes heróico, ainda persistem, obstinadamente, em fazer dela o ideal das suas aspirações ou mesmo o objecto dos seus sonhos. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: -Sr. Presidente: a posição que tomei nesta Câmara sobre os problemas da gente humilde faz com que continuem a chegar até mim as mais instantes solicitações para que, uma vez mais - e praza a Deus que nenhuma outra se torne necessária para este caso -, aqui denuncie os avantajados inconvenientes da actuação do organismo de coordenação económica conhecido por Comissão Reguladora das Moagens de Ramas, de cuja voracidade tributária e precaríssima posição já várias vezes me ocupei nesta Camará. E assim fiz, continuando as considerações de alguns ilustres Deputados que em anteriores legislaturas não puderam ficar indiferentes nem insensíveis perante o geral coro de lamentações da larga legião dos moleiros deste pais e dos pequenos moageiros, submetidos, de um momento para o outro e sem qualquer razão suficientemente justificativa, à torturante e despótica acção deste singular organismo, que, em aberrantes atitudes de singular parasitismo, vem iniludivelmente demonstrando desde o seu infausto nascimento estar a mais na orgânica de equilibrada justiça criada pela Revolução Nacional.
É que, efectivamente, perante a total invalidez ou muita debilidade das razões aduzidas para a sua criação no decreto de paternidade, só o seu funcionalismo lhe tem compreendido o alcance, que não os moleiros deste pais, directas vítimas do desvairamento tributário desta Comissão Reguladora, da qual e como síntese de actividade se pode afirmar com segurança que apenas vive para cobrar quotas e mais quotas, arrecadando-as para poder viver com verdadeiro desafogo.
A tal desígnio tem este organismo especial sacrificado sem dó nem piedade nem qualquer ordenamento de valor toda a sua esforçada actividade - e por tal fornia o tem feito que por alturas de Junho de 1950 lhe foi extremamente fácil conceder um financiamento de 6000 contos à Casa do Douro, ainda não reembolsado até há pouco, segundo ela mesmo faz constar de elementos oficiais que me forneceu.
Pela mesma razão, e para mais fácil colheita, não relutou em classificar como industriais os humildes moleiros das nossas ridentes aldeias, fazendo-os pagar, larga e reiteradamente, o elevado preço da «mercê», como se o tradicional burrico, tão cantado nas gratas expressões do nosso lirismo, ou a carroça gemebunda, transportes específicos das pequenas porções de grão que lhes cumpre farinar nas azenhas solitárias da beira das correntes e nos moinhos empoleirados nos cumes ventosos, para mantença dos pequenos casais rústicos, pudessem equivaler àquele mínimo de utensilagem que costuma definir razoavelmente uma instalação industrial...
Mas não terminou aqui esse furor receptivo. Distanciando ainda mais por ausência de equilibrada noção das conveniências esse seu principal critério, criou a Comissão encarada um nexo de arbitrária responsabilidade solidária e, com raciocínio semelhante ao do lobo da fábula que bebia a água do córrego em que, mais a jusante, se dessedentava também o pobre cordeiro, pretende que o pagamento das quotizações insolvidas pelos moleiros a quem foram lançadas seja feito pelos mal-aventurados donos das azenhas e moinhos, aos quais molesta a torto e a direito, sob a especiosa argumentação de não haverem titulado o direito de exploração pelos vínculos de uma escritura pública, nem legalmente exigida nem tradicionalmente empregada.
E não são poucas nem de somenos importância tais exigências, que não respeitam qualidades nem posições, uma vez que até a magistrados da mais alta hierarquia do Ministério Público tem sido indevidamente feitas, de nada tendo valido para desencorajar o enxovalho a expressa determinação proibitiva do exercício da indústria de «moleiraria» ou de qualquer outra a tão altos funcionários, contida nos comandos da lei...
Como os restantes, o caso demonstra claramente que perante o exagero das avenças fixadas todos ou quase todos os moleiros e pequenos moageiros, aqueles de tão fundas tradições na nossa vida rural, se têm sistematicamente recusado ao pagamento dessas desordenadas imposições do organismo que, nada lhes dando, nem nada de útil lhes conferindo, para eles só pode representar um tremendo pesadelo, pelo poder de colocá-los sub a pavorosa ameaça da execução coerciva nos tribunais de trabalho, cujo resultado prático é quase sempre a aniquilação dos já parcos patrimónios e de que tem usado largamente.
Sem embargo, é a todo o ponto condenável que esto organismo, que praticamente nunca exerceu qualquer decisiva influência no campo da coordenação económica e nunca foi necessário ou sequer útil, possa ter tão abundantemente usado de largo poder discricionário e criado uma estrutura de estadão dotada com avantajada máquina burocrática de muitas dezenas de funcionários, que repartidos por serviços e mais serviços, se aquartelam em imponente prédio da Avenida, cuja manutenção, evidentemente custosa, de todo contraria as determinações restritivas de gastos supérfluos da nossa Administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não se compreende, por isso, a sua sobrevivência quando a outros do mesmo teor, nados e criados nas névoas de uma conturbada época da nossa vida económica, provindas das incertezas do clima bélico do mundo, já há muito foram dadas por findas as suas funções e dissolvidos, sob o ajustado reconhecimento da sua inconveniente inutilidade.
Sendo assim, porque se teimará então em fechar os olhos à realidade, tão fortemente expressiva, da igual inutilidade social e desconveniência político-administrativa deste organismo pretensamente regulador, permitindo-lhe que, com seu forte poder de absorção, colha sem peias avultada parcela dos minguados recursos de tantos esforçados trabalhadores?
Sei que uma razão pode residir no pensamento de que o funcionalismo chamado a servir nesta Comissão Reguladora tem irrecusáveis direitos, e certamente para muitos ali se lhes terá ato estabilizado a vida. A extinção poderia então criar um certo número do problemas. Não serei eu quem negue que a situação de todos esses numerosos servidores merece o mais ponderado estudo, pois é necessário que não sejam sacrificadas mais vítimas ao despropósito dos critérios e ordens que tornaram possível a criação e o imoderado crescimento deste organismo.
Sem embargo, tudo se poderá conciliar, porque muitos são os recursos de que dispõe a organização corporativa e o próprio listado para editarem a melhor solução para este problema de consciência, que em nada ó dissemelhante daqueles que se verificaram com outros organismos já extintos.
O que não pode acoitar-se ó a continuação do sistema actual. Exigir à larga legião dos humildes e pobres moleiros dos nossos centros rurais e pequenos industriais moageiros as responsabilidades da manutenção deste organismo sem funções, sem utilidade nacional, e, portanto, inteiramente comprometedor da nossa justiça económica, à custa das minguadas forças das economias