DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 70 158
pesas rurais, o aumento de despesas militares, a elevação de vencimentos, etc.
Para lhes acudir precisa de meios tão seguros que os possa recolher pela certa.
Se ele quer a autorização do artigo 4.º é porque precisa dela para desenvolver a sua acção política e custeá-la correctamente.
A eliminação tem, além disso e em terceiro lugar, um significado desagradável.
Não é da minha lembrança a supressão de um artigo da proposta. Mesmo que seja possível, ato lá fora não se entra nesse caminho. Existe no artigo 97.º da Constituição um princípio travão à diminuição de receita. Este principio não se estende à autorização da Lei de Meios, mas as razões da hei, em todo o caso, podem preexistir na última hipótese. A Câmara pode lazer, mas não deve reproduzir uma atitude que noutra emergência, lhe é constitucionalmente vedada.
Passemos agora à análise da segunda corrente de opinião.
Esta é a de alguns Sr s. Deputados que entendiam: devemos votar pura e simplesmente o artigo 4.º
Examinemos as razões expostas na defesa desta tese.
Por convicção nacionalista, vontade de construir sem obstáculos, entusiasmo pela obra projectada de justiça e fomento, alguns colegas manifestaram-se no sentido de que se desse, através do artigo 4.º, uma prova de confiança.
Ela foi-nos pedida -diziam- pela inserção na proposta e é natural que se corresponda sem hesitação em assunto de tanta monta e projecção política como este. O artigo não é uma proposição técnica, um princípio de fiscalidade, é apenas um pedido de meios políticos dado ao mandatário sem quaisquer reservas do mandante.
Se a Câmara vem a ser, predominantemente, uma assembleia política, logo deve dar sem olhar para trás, sem discutir, o que lhe é requerido.
Condicionar meios, debater meios, não votar pura e simplesmente tal como está formulado o pedido, significa uma prova de menos confiança na gestão do mandatário.
A esta atitude se objectou o seguinte: depois de certos factos do conhecimento geral, depois das experiências das reformas de longa envergadura, requerendo fatalmente uni período de adaptação, depois de verificadas as posições reciprocas na ordem constitucional, depois das dúvidas levantadas pela primeira corrente já mencionadas, a autorização pura e simples suprimiria o exame de competência da própria Assembleia, levaria para um terreno delicado, em que alguns poderiam ver uma abdicação ou uma demonstração de formalismo quase automático.
A prova de confiança, constitucionalmente talando, dá-a a Assembleia pela realização de um debate à luz dos seus métodos dialécticos e por uma afirmação conclusiva em relação aos vários artigos, e não pela procuração em branco. Por superior que seja a boa vontade da Camará, ela não poderá reconhecer a totalidade de um poder governamental, sobretudo quando nos encontramos em pleno funcionamento e na utilização dos nossos poderes.
Em face disto, a Comissão de Finanças, assistida pela Comissão de Economia, pôs o seguinte problema:
Haveria um meio de afastar o carácter excessivo e a significação política de uma eliminação?
E por forma que não se tivesse de aderir à solução de singeleza da votação pura e simples de um artigo, o qual levantava dúvidas sobre a essência da missão constitucional da Assembleia?
Encontrou-se então uma solução de transacção - com todas as vantagens de um acordo genérico e todos os defeitos inerentes a um compromisso de opiniões.
E esta transacção consistia em aditar à autorização do artigo 4.º o princípio de que haverá uma suspensão em que o contribuinte, por si, pelos seus Deputados, associações e corporações, teria o prazo necessário de cento e trinta dias para usar do direito constitucional do artigo 8.º, n.º 18.º, da Constituição antes de o projecto ser finalmente convertido em lei e de harmonia com o princípio das leis fiscais da sua audiência antes do agravamento dos tributos.
Havia para este aditamento duas razões:
A primeira de principio, visto que a Assembleia Nacional, por uma tradição jurídica e política muito acentuada, representa o contribuinte perante os outros poderes e fala por ele, não podendo renunciar nem demitir-se dessa representação.
Como sujeito passivo da obrigação nacional que é o imposto, o contribuinte não deve estar isolado, nem esquecido, nem ser abandonado por nós.
Nisso consiste a garantia fundamental do artigo 8.º, n.º 16.º, da Constituição, que se ajusta ao processo de autorizar todos os anos as arrecadações e autorizar especialmente as cobranças de impostos sem prazo ou por mais de uma gerência.
Portanto, os interesses da Fazenda não são, nunca foram, princípio absoluto.
Não se contesta que a reorganização se possa fazer, tal como fez a França em 1948, por um decreto-lei, mas o processamento fiscal cai logo sob a alçada do artigo 70.º, § 2.º, da mesma Constituição.
Acrescentemos que os princípios dos tributos são, sobretudo, histórico-políticos, para serem depois técnico-jurídicos e respeitarem o consentimento nacional.
Repito: é, pois, uma regra política que o contribuinte não seja agravado ou colectado de novo sem a sua audiência.
O Governo precisa, ano a ano, de uma autorização genérica para arrecadar impostos, colocar empréstimos e fazer despesas.
Se os impostos são por tempo indeterminado, ou mais de um ano, a Assembleia deve pronunciar-se expressamente para se proceder à cobrança, portanto sem autorizações genéricas ou votações de renúncia.
Anualmente também, a Assembleia toma conta do emprego dado aos dinheiros públicos.
As leis fiscais permitem a suspensão do imposto por um ou mais anos; e as colectas, novas matrizes, novas avaliações, novas ordens de valores, são postas em reclamação para o contribuinte declarar se está conforme.
Trata-se de confirmar o principio geral de direito tributário contido nestas e noutras disposições fiscais.
Em face disto, quais eram as preocupações da Comissão?
Conhecia-se o relatório substancioso e profundo do Sr. Ministro das Finanças, o parecer impressionante da Câmara Corporativa.
Mas não se conheciam os trabalhos das Comissões em sete anos, as suas dúvidas, orientações e construções para além das tendências generalizadas cá fora.
A matéria é de rigor e as declarações e relatórios neste capítulo costumam ser expressivos.
Faltavam as estimativas e os cálculos; mesmo grosso modo, não sabíamos quanto o povo português ia pagar mais, quanto lhe era pedido em novos sacrifícios.
Ora, segundo aquelas regras, o contribuinte deve ser preparado para os novos sacrifícios. Não se deve ver de repente sob a espada de Damocles.
Se no Ministério das Finanças as Comissões do Estudo e Reforma aparecem dotadas de tal convicção e autoridade, não pode mendigar-se à Câmara e à sua Comissão de Finanças alguma autoridade também na matéria, que no ponto de vista político ó enorme.
Portanto, pareceu-nos que para ultrapassar os que repeliam o artigo 4.º e acompanhar os que o valorizavam excessivamente valia a pena adicionar-lhe o principio