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26 DE FEVEREIRO DE 1959 237

E neste pressuposto que formularei as seguintes observações à proposta, já agora na generalidade, quer, depois, na especialidade.
Primeira: a da localização da lei reguladora da nacionalidade, e esta formulada à margem da proposta e não quanto ao seu texto, pois concerne ao relatório.
Neste se pretende justificar a necessidade de se destacar do Código Civil a matéria a aprovar. Quanto à posição actual da nossa legislação civilista acho aceitável fazer-se a propósito, provisoriamente, um. diploma autónomo.
Já, outrossim, me não convencem os argumentos expendidos para que se consagre afinal como definitiva a autonomia de tal instituto com diploma próprio, tal como no referido relatório se patrocina; orientação esta que ali se defende por razões, sobretudo, de predomínio os vínculos do direito público que hierarquicamente devem manter-se sobre as do foro privado em matéria de nacionalidade. A Câmara Corporativa, no seu contemporizador parecer, conclui por conformar-se com tal directiva, recordando que essa foi a orientação adoptada em França com a recente publicação do Code de la Nationalité Française. Transparece, no entanto, tê-lo feito sem radicada convicção jurídica - com mais convicção formularam os Sr s. Deputados Araújo e Barata. Seja como for, perdoe-se-nos divergir desta maneira de ver um problema, aliás com possível projecção no futuro quando vier a publicar-se novo Código Civil, pois actualmente concordo, como atrás disse, com a conversão em lei autónoma da proposta em discussão.
Acompanhando opiniões tão sábias como as dos saudosos mestres José Tavares, no vol. n dos seus Princípios Fundamentais, s Guilherme Moreira, no vol. I das suas Instituições, entendemos que a matéria, embora de natureza mista de direito público e civil, ó decerto no comércio da vida real de interesse prático e de frequência quotidiana predominantemente privatística. A nacionalidade constitui um dos elementos da personalidade e estado das pessoas, do sujeito natural, primitivo e ainda principal das relações jurídicas, pois à sua imagem é que se foram abstractamente construindo os outros sujeitos de direito, de natureza pública ou privada, mesmo quando destacados no mais alto vértice político, como o Estado.
Do homem ser pensante, da sua unidade de consciência, deduziu o próprio homem, cartesianamente, o conceito de existência - a sua e a do mundo contrastante e circum-jacente. Até deste confronto do eu pensante com o universo que o limita se consolidou na pequenez do- espírito humano a revelação da ideia de Deus. Aqui são bem de recordar os platonizantes versos camonianos referidos à alma:

Que voa da própria casa
É sobe à pátria divina

Aliás, essa ideia de Deus se nos revela e representa como simples expoente infinito das fundamentais potências anímicas da nossa personalidade: a razão, a vontade, o amor, em suporte insecável de unidade.
A personalidade jurídica - Estado, inclusive - é apenas o transporte para o campo do direito destes postulados filosóficos essenciais. E isto deve estar sempre presente na lembrança do legislador.
A pessoa humana, como sujeito da relação jurídica, tem de ser sempre, directa ou indirectamente, o ponto de partida e de chegada de todas as relações e vínculos de direito. Emanação da personalidade natural, sem quebra das facetas quê possa revestir na complexidade das situações concretas, terá a essa personalidade no campo jurídico de atribuir-se sempre, qualquer que seja a modalidade por que se encare, um suporte fundamental de unidade. Dentro desta unidade integram-se, como elementos e aspectos diversos ou correlativos da personalidade e estado definidos nos artigos 1.º e 6.º do Código Civil, inicialmente o fenómeno fisiológico do nascimento referido no artigo 110.º, pelo qual se fixa o sexo e a idade, e depois a nacionalidade, o domicílio, a capacidade ou incapacidade, o estado familiar de solteiro, casado, viúvo ou divorciado ...
E serão as razões de ordem técnica e prática aduzidas no relatório da proposta suficientemente fortes para quebrar o princípio desta unidade real e integrante e se relegar para diploma à parte o reger-se isoladamente um apenas dos elementos constitutivos da personalidade jurídica do homem?
Sr. presidente, Srs. Deputados: em nome dos princípios que acabamos de deduzir, creio bem que não! Se no campo largo do direito civil haja algo atinente à personalidade de se reger por instituto jurídico autónomo, então que este abranja tudo o que essencialmente respeita à personalidade.
Mas quando se chega a este ponto não ocorre a solução de no futuro Código Civil vir a constituir matéria de um livro preliminar introdutório quanto tenha por propósito a disciplina jurídica da personalidade natural, ou física?
Sugestões que ficam esboçadas. De resto, não deixa de comportar perigosas consequências a legislação parcelar e avulsa de tudo quanto respeite, com a matéria que lhe ande ligada, à personalidade e estado.
Em primeiro lugar, fazê-lo em nome dos vínculos de ordem e interesse público - ou seja sobretudo do do Estado - inclina perigosamente logo a uma concepção antes colectivista do que personalista do direito.
Em segundo lugar, os funcionários ou juízes que especialmente hajam de intervir em matéria destacada da lei geral inclinarão naturalmente a resolver os casos segundo o diploma que tiverem normalmente defronte, sem o relacionarem com a devida frequência e prontidão com a restante legislação sistematizada que com tal diploma especializado tem por força de relacionar-se.
E, no presente caso, não é de excluir a ideia de que, se não foi determinante da útil iniciativa da proposta, não deixaria de ser dela coadjuvante a criação do previsto registo central e do contencioso da nacionalidade.
Como sempre em casos destes, cumpre evitar o perigo de o acidente se sobrepor e comandar a essência.
Seria ainda uma vez a bíblica troca da primogenitura por um prato de lentilhas.
É certo que neste sentido se poderão invocar precedentes: os dos códigos do notariado e registo» civil e predial.
Embora menos grave a autonomia do direito regulado nas correspondentes matérias do que na da nacionalidade, os diplomas referidos mão deixam de comportar inconvenientes, pela facilidade com que neles se introduz matéria fundamental de direito privado, que deveria ter o seu lugar próprio na respectiva codificação geral; isto embora essa matéria fosse regulamentada, além de transcrita, em diplomas subordinados, que nada impede chamar-se-lhes também códigos - e porque não? Tutti marchesi!
Outro perigo existe na exterpolação dos preceitos de direito substantivo para essa legislação parcelar: o da facilidade com que os mesmos preceitos se alteram em. sucessivas reformas, o que não sucederia tanto se integrados no respeito de um majestoso monumento jurídico como sempre é um código civil.
Sobre este ponto julgo ter dito o bastante para justificar a minha conclusão teórica no sentido de não aceitar como definitiva a deslocação deste capítulo de direito para diploma autónomo. Como disse, isto não