244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
Por outro lado, o fenómeno tributário em geral não aparece como situação de irremediável permanência, no sentido de que não possa fazer-se cessar por acto de vontade do seu sujeito passivo; ao contrário, porque há muito se baniu a servidão da gleba, o contribuinte pode demitir-se dessa qualidade sempre que lhe faça cessar os pressupostos.
Ora, os inválidos não gozam - sem embargo de tanto o desejarem- desse tão natural privilégio.
Submetidos à tortura das deformidades, aleijões ou doenças inibitórias da prestação pessoal de serviço militar, a essa tortura ficam normal e irremediavelmente amarrados, as mais das vezes penando e sofrendo durante toda uma vida.
Como poderiam então fazer cessar o facto tributário que se lhes chumbou à existência?
A brutalidade da resposta, da única resposta possível, faz perpassar sobre as nossas consciências de cristãos um frémito de justificado horror....
É que o direito à vida tem tanto de absoluto e é tão forte que muito poucas leis o contestam, e mesmo essas, quando o fazem, é ainda para garantirem a sobrevivência de outras vidas, que a vida do réprobo ameaçava ou mesmo roubou.
Desconsidero, é claro, tudo quanto na teoria moderna cerca e domina a situação dos chamados a criminosos de guerra»...
Não é portanto duvidoso que nenhuma justificação moral, social ou política se encontra para o lançamento e cobrança da taxa militar aos inválidos, qualquer- que seja, acentue-se, a sua situação económico-financeira.
Mas, embora sem qualquer justificação, será mesmo assim tão necessária tal imposição às finanças do Estado, e por tal forma que sem o seu produto ficariam em perigoso estado de carência os cofres do Tesouro?
Por outras palavras: terão de reduzir-se os meios da defesa nacional, de suprimir-se os compromissos internacionais, de cercear-se melhoramentos públicos, de comprimir-se fortemente as avultadas despesas gerais da Administração se o Estado não for buscar à cegueira, à insanidade mental, à surdez, à mudez, à lepra e ao restante trágico cortejo de doenças e males inibitórios da prestação- do serviço militar a mão-cheia de contos de réis que eles lhe podem render por arbitrária tributação?
A ninguém oferece dúvidas a resposta da absoluta prescindibilidade dos réditos de tal proveniência para que se mantenham no mesmo elevado nível a que chegaram a conveniente gestão e fomento da coisa pública.
A demonstrá-lo com fulminante evidência está o facto de em dois anos de suspensão da cobrança da taxa militar as contas públicas a tais anos referentes haverem apresentado avultados saldos positivos de muitos milhares de contos, que não provieram nem do abrandamento do ritmo das realizações nacionais, nem de quaisquer recursos extraordinários.
Factos de tão valioso significado evidenciam a inteira irrelevância fiscal da taxa militar, eliminando inexoravelmente qualquer débil argumento com que sob o ponto de vista tributário - que é, evidentemente, o mais feroz... - se pretenda defender a sua continuidade, mesmo contra o longo cortejo de situações chocantes que lhe engrinaldam a existência.
Não me parece necessário, Sr. Presidente, continuar o meu libelo contra tão desumano tributo.
Sou apenas um obscuro intérprete dos que, cheios de dores e de angústias, de inibições e de provações, fazem desfilar perante a consciência nacional esse seu mundo penumbroso e, de dedo estendido, nos apontam as chagas do seu calvário.
Não carecem, como se viu, as forças de realização de que o Estado dispõe de qualquer suplemento tributário, que a sua exploração em taxa militar possa produzir para os lançamentos da ingente obra do nosso engrandecimento, em que tantos batalhas já ganhou.
Assim o entende a consciência nacional, como abundantemente o tem demonstrado pelas várias maneiras por que costuma revelar-se e afirmar-se, especialmente pela imprensa, e seja-me licito citar, por ela, o magnifico editorial do jornal Ô Século há dias publicado, que se apresenta como um ponderado depoimento de inegável valor, de uma já notável série de notáveis depoimentos sobre temas aliciantes da vida portuguesa.
Assim também o há-de entender o Sr. Presidente do Conselho, em cujo coração magnânimo se entronizou toda a grandeza da Pátria, servida com total doação de si próprio, e que, por isso mesmo, não pode sofrer a ofensa da mesquinhez de um tributo desumano e cruel, que, na sua essência sem fundamentos, nega a própria essência da vida.
Por tudo isto, Sr. Presidente, e pelo muito mais que se não contém nas minhas pobres palavras, fundadamente se pede e espera, em nome da dignidade nacional, a abolição pura e simples da taxa militar com que se flagelam os inválidos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: desejava chamar a atenção desta Assembleia, e portanto da Nação, para um problema que a primeira vista poderá parecer regional, mas que, na sua essência, é puramente de interesse nacional. Refiro-me, Sr. Presidente, ao problema do vinho do Porto, que, apesar da sua diminuta exportação, ainda pesa substancialmente na nossa balança comercial, visto no ano findo o sen valor ter atingido a elevada cifra de 321 692 contos.
Há anos para cá, desde que aqui tenho assento, muitas vezes chamei a atenção do Governo para este candente problema. Justas aspirações foram aqui apontadas, que, infelizmente, não foram atendidas e que tanto iriam fortalecer a economia deste sector e concorrer para o seu bem-estar político e social. A elas me não referirei novamente, pois não quero afastar-me dos assuntos quue me propus hoje tratar
Começarei por fazer referência ao declínio da exportação do vinho do Porto.
Para se ajuizar da evolução das exportações depois da última guerra, aponto os seguintes números:
Milhões do litros
1939 ...................................... 40 906
1945 ...................................... 9 060
1946 ...................................... 27 127
1947 ...................................... 22 094
1948 ...................................... 17 864
1949 ...................................... 24 925
1950 ...................................... 22 913
1951 ...................................... 26 776
1952 ...................................... 20 756
1953 ...................................... 21 379
1954 ...................................... 22 547
1955 ...................................... 22 744
1956 ...................................... 24 438
1957 ...................................... 23 536
1958 ...................................... 21 185
Por eles se vê que, tomando para base o ano de 1939, no qual a exportação do vinho do Porto se aproximou dos 41 milhões de litros, a actual exportação encontra-se reduzida a cerca de metade do que era. Os números