310 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o fomento piscícola nas águas interiores do País.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lacerda.
O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: o problema da pesca nas águas interiores é sem dúvida de grande alcance, dizem-no não só as afirmações dos nacionais, mas também aquilo que se conhece e que se passa noutros países, nomeadamente em Espanha, França, Estados Unidos, etc., que no assunto ligam a maior importância.
Tratá-lo aqui na sua vastidão e incidências, tanto no que se refere à pesca profissional como desportiva, ao turismo, etc., seria da minha parte estultícia, pois faltam-me conhecimentos próprios de assuntos piscícolas e de pesca e não poderia fazer mais do que repetir ideias e argumentos que até nesta Casa já foram apresentados.
Mas então para que intervir neste debate?
Para fazer dois ou três reparos que a leitura da proposta de lei me suscitou em relação a alguns pontos que me parece não estão perfeitamente de acordo com aquilo que, em meu entender, a lei deve conter e sancionar.
O primeiro refere-se à eficiência da fiscalização a instalar pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ligada a uma palavra que a base IX insere:
A fim de ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da fiscalização da pesca, poderá o Secretário de Estado da Agricultura, com acordo do Ministro das Finanças, autorizar a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a contratar guardas florestais e outro pessoal e, bem assim, destacar pessoal dos quadros, etc...
Este «poderá o Secretário de Estado da Agricultura autorizar», confesso que me faz espécie. Se se diz «poderá autorizar», parece-me que se pode admitir também que não autorizará, tanto mais que implica esse contrato haver um acordo do Ministro das Finanças.
Fazer uma fiscalização intensa dos rios do País acarreta certamente um aumento considerável de trabalho para que ela seja eficiente. E isto é o que fundamentalmente interessa.
Ora não nos consta que os funcionários dos serviços florestais andem de braços cruzados, e até já têm bastantes obrigações, segundo se vê pelo intenso labor despendido.
Haverá, portanto, necessàriamente carência de pessoal e de pessoal bem industriado, e assim esse «poderá» leva-me a pensar que com essa fiscalização da pesca nas águas interiores se vá passar um pouco o mesmo que com outras fiscalizações: estão instaladas na lei, mas na prática pouco valor possuem.
Bem sabemos que a forma como até agora as coisas estavam organizadas, com o fomento piscícola num serviço e a fiscalização noutros, não dava resultado, pois a estes faltava-lhes o interesse por uma obra que não era sua, que verdadeiramente não sentiam, na hipótese de lhe concederem a projecção que poderá ter.
Mas o facto é que fundamentalmente a fiscalização não actuava quanto às espécies piscícolas por falta de espírito e por falta de agentes fiscalizadores. E os serviços hidráulicos têm ao seu serviço cerca de seiscentos cantoneiros fluviais, corpo de fiscalização com muitas obrigações, é certo, mas também inegàvelmente grande, pelo menos em valor absoluto.
Agora poderá actuar se o Sr. Secretário de Estado da Agricultura ficar autorizado a poder contratar pessoal. Esperemos que sim, mas achamos muito preferível retirar esse duvidoso «poderá», que na base IX ficaria para mais uma vez deixar assunto de tal importância numa nebulosa pouco benéfica.
Estou a tratar da fiscalização, reportando-me sòmente àquilo que a proposta de lei insere. Mas vendo o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de decreto-lei n.º 527, que lhe foi submetido, vê-se que há um grande número de entidades que, na hipótese de esse parecer ser levado em consideração quando for feita a regulamentação da lei, o que é de presumir, deverão ter também acção fiscalizadora, como sejam os guarda-rios da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, as autoridades administrativas e policiais, os membros das comissões regionais de pesca e os funcionários ou agentes das Direcções-Gerais dos Serviços Florestais e Aquícolas, dos Serviços Hidráulicos e de Minas e Serviços Geológicos, do Secretariado Nacional da Informação, das comissões venatórias, da Guarda Nacional Republicana, da Guarda Fiscal e das Polícias de Segurança Pública e de Viação e Trânsito e ainda determinados pescadores desportivos idóneos designados em certas condições.
Ora aqui parece-me que o que abunda é nocivo, se mais não for, para os pobres dos proprietários ou arrendatários dos prédios que marginam os cursos de água e que poderão ver as suas terras passeadas, calcadas e devassadas por uma legião de agentes fiscalizadores de pescadores de facto.
Esta abundância de agentes fiscalizadores - no meu íntimo estou convencido que poucos deles o virão a ser realmente - não terá o inconveniente de fazer com que não seja criado efectivamente um autêntico corpo de fiscalização da pesca pelo serviço a quem ela deverá verdadeiramente competir, e que é a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, encarregada do fomento piscícola nos nossos rios e águas interiores?
Além disso, diluir por tantas entidades diferentes a fiscalização não irá torná-la um tanto irresponsável na sua execução? Receio bem que sim, e daí eu pôr esta reparo, que muitos exemplos poderiam ilustrar.
Na elaboração desta proposta de lei, em que há, e muito bem, um firme propósito de proteger a pesca e de dar direitos àqueles que a praticam por profissão ou por distracção, aliás muito justa e louvável e até salutarmente benéfica, não se nota, porém, a mais pequena preocupação de atender aos direitos daqueles que são donos e cultivam directamente ou usufruem por contrato de arrendamento os terrenos que marginam os cursos de água.
Não é que eles sejam negados - longe disso, pois outra coisa não poderia sequer pensar-se; mas em trinta e duas bases, que darão origem certamente a um bem elaborado articulado, há sòmente meia dúzia de palavras que aos pescadores, a todos os pescadores, desportivos ou profissionais, lembram que, se as águas são públicas, os terras por onde eles passam são, na maior parte; particulares.
E isto tem, em meu entender, grandes inconvenientes.
Todos aqueles agentes fiscalizadores que atrás referi são com certeza pessoas idóneas, por si ou pela sujeição às normas disciplinares que lhes competem pela própria missão em que são investidos; mas, se se admite a sua necessidade, e em tão dispersa abundância, é também porque se admite daqueles que podem exercer a pesca ou da outros possibilidade de faltas em relação à lei. E mais: em relação a uma lei que estabelece