610 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 99
recusada a ratificação. O que parecia lógico era a ratificação com emendas.
Eu, porém, não estou longe de o acompanhar quando a solução da disposição ou disposições que são criticadas é contrária ao que pode representar o interesse nacional.
Então, compreendo que se vá para a solução radical de afastar o decreto, apesar de isso parecer ilógico, não pelas outras soluções que ele preconiza, mas sim por essa solução apenas.
Aceito que seja assim. Quando se possa afirmar que a solução a que se é conduzido por essa disposição é contrária ao interesse nacional, aceito que assim seja. Mas creio que não pode afirmar-se que seja contrária ao interesse nacional na solução igual àquela que se pode atingir do mesmo modo sem aquela disposição. Podia, na verdade, até por via administrativa, atingir-se a mesma solução, e, sendo assim, como é que pode afirmar-se que a solução ó contrária ao interesse nacional?
Nestas condições, parece-me inaceitável recusar o bloco das disposições do decreto só pelo facto de haver uma disposição com a qual não se concorde, disposição que não conduz a uma solução contraria ao interesse nacional, visto que tal solução pode ser sempre atingida, independentemente de o decreto ser ratificado ou não, mas o que me parece, pedindo desculpa da interrupção.
O Orador:- Não tem V. Exa. que pedir desculpa, porque é sempre agradabilíssimo ouvir V. Exa., e até proveitoso quando nos obriga a apurar o entendimento para responder a V. Exa.
Para mim, que nada conheço de direito público nem privado, o problema põe-se nestes termos: diz V. Exa. que o Governo tem nas suas mãos essa possibilidade, mas a diferença é esta: é que o Governo torna automática uma medida que era facultativa e deve ser ponderada, deve ser aplicada, vaso por caso; substitui a consideração do mérito individual pela simples e indiscriminada consideração de posição geral.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso não impede que, com ratificarão ou sem ratificação, seja possível atingir precisamente a mesma solução. Donde tenho de concluir que u disposição não é contrária ao interesse nacional; donde tenho de concluir que não é razoável que se inutilize completamente um conjunto de disposições, ou porque há uma que consagra uma solução - admitamos inaceitável - , mas uma solução que não contraria o interesse nacional e não o contraria porque sempre e independentemente da ratificarão pode ser atingida.
O Orador:- Permaneço na minha posição. A Constituição não nos dá outra alternativa, uma vez que há uma medida de que discordamos e que de outro modo continuará a vigorar. Não há outra solução senão a de rejeitar aquilo de que discordemos e entendamos não dever continuar a praticar-se.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso seria acabar com a ratificação com emendas consagrada na Constituição.
O Orador: - Não, Sr. Deputado, quando as emendas sejam de molde a poderem esperar. Neste momento, não temos outra solução, se não quisermos que o preceito opere mais.
V. Exa. poderá recordar as minhas palavras e verá que não tomo aqui uma posição sobre o decreto, mas pareceu-me, depois de ouvir alguns oradores, que não se falou em termos de deixar bem claro, no espírito das pessoas menos informadas da situação, quais eram certos pontos de vista, e era bom pôr a questão nos termos
em que venho aqui pô-la. A isso limito a minha intervenção.
Há oradores que se têm pronunciado contra o decreto-lei e dizem-nos expressamente em quê, mas outros deixaram a noção de que os aflige no decreto-lei esta disposição a que venho de referir-me, sem esclarecerem: talvez bastante qual o único modo prático de evitar a continuação do mal que nela vêem.
Foi unicamente com esse intuito que, depois de me parecer que conhecia alguns dos modos de ver não esclarecidos de certos oradores, ou que soube o clima sentimental e intelectual era que tinham formado a sua posição e me convenci de que as suas razões não eram todas apresentadas de acordo com o que nós sentimos, vim. fazer este apontamento - e mais não vim aqui fazer. Àqueles dos Srs. Deputados que se manifestaram discordantes de determinada disposição do decreto, atentem no seguinte: se ela é má, não sou eu que lhes digo pensem desta ou daquela forma.
Se me perguntarem uma opinião, dir-lhes-ei que o meu parecer será em tal sentido; mas lembro que coerentemente só lhes cabe obviarem efectivamente ao defeito que os impressiona, e o modo efectivo de procederem, nas circunstâncias em que se nos põe a questão, é o que me ocorreu vir apontar-lhes.
O Sr. Santos da Cunha: - V. Exa. dá-me Licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Santos da Cunha: - Pedi para interromper V. Exa. com o propósito de acrescentar uma palavra de concordância com orientação de V. Exa. e para dizer que, sem embargo do muito respeito e consideração que a todos os títulos me merece a opinião expendida pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo, não me parece que devamos ser tão exigentes no uso dos poderes que a Constituição nos dá no tocante à ratificação dos decretos-leis.
Limitar esses poderes aos casos em que está em jogo o interesse nacional seria, de certo modo, forçar a Assembleia a reconhecer que o Governo não era fiel intérprete e bom zelador do interesse nacional.
Mas não é disso que se trata. As três alternativas que se nos põem - ratificação, ratificação com emendas e não ratificação - podem e devem ser exercidas em casos em que o interesse nacional, superiormente entendido, não esteja em causa, mas antes e apenas meras rabões de conveniência política, já que nesse plano se situa, predominantemente, o poder de censura que à Assembleia Nacional pertence.
Assim, não me parece legítimo que queiramos situar tão alto o problema em discussão, para, de alguma maneira, influenciar ou limitar a deliberação que a Assembleia seja chamada a tomar. O problema é mais simples.
São inconvenientes politicamente algumas disposições do decreto-lei? Pois bem. Sem quebra do respeito e consideração que o Governo nos merece, reconhecemos que essas medidas não podem manter-se e continuar a produzir os seus malefícios, pelo que, e consequentemente, não concedemos a ratificação ao decreto. É um acto normal que a Constituição prevê e que, por isso, não pode representar qualquer apuro para o Governo. O mal está em, mais uma vez, querer colocar a questão noutro terreno.
Quanto a mim, penso que devemos ver o problema num plano menos transcendente, por forma a podermos exercitar mais livre e serenamente o nosso legítimo poder de censura política.
Pelo que se refere ao argumento de por via administrativa se poder atingir o mesmo objectivo do decreto-lei em discussão, anotarei que V. Ex.ª já respondeu, e