O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

606 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 99

É o presidente da câmara que realiza a função de ligar a administração autárquica a administração central. Por um lado, preside a administração municipal, e nessa medida é órgão do concelho; por outro, representa, o Governo, e nesse sentido é magistrado administrativo.
Ora a experiência tem-se encarregado de demonstrar que o decurso do tempo não actua da mesma forma sobre estes dois aspectos da função. A medida que os anos vão passando, a inserção ao plano da autarquia vai sendo minada; abranda o dinamismo, crescem os descontentes, diminui-se a capacidade pela acção política, a actividade tende a confinar-se aos aspectos burocráticos da administração ou até simplesmente a rotina. Suportam-se mal as críticas, desconfia-se de toda a ideia inovadora, e pouco a pouco cai-se naquele estado de espírito, de que todos conheceremos alguns exemplos e que consiste em supor que a função do presidente da Câmara não é a de suscitar e resolver problemas, mas tão-sòmente a de os evitar.

O Sr. Amaral Neto: - Essa crítica V. Exa. está a pô-la exclusivamente no plano da vida municipal? E necessário saber se alguns conceitos são generalizáveis ou não, no espírito de V. Exa., a outros domínios da vida pública ou se suo simplesmente aplicados aos da administração municipal.

O Orador: - A pergunta de V. Exa. é eminentemente pertinente e se, ao responder a V. Exa., tenho de aditar à resposta propriamente dita um comentário mais. Quando digo aqui do desgaste sobre os homens não quero dizer que não haja honrosíssimas excepções. E, ao responder a V. Exa., o valor das excepções impõe-se por tal forma ao meu espírito que não posso deixar de as lembrar. O segundo ponto é o de que efectivamente estou confinado à matéria da ordem do dia, o que não quer dizer que muitas das considerações que se fazem a um departamento fechado, que é o que está sob exame, não sejam susceptíveis de interpretação extensiva a campos paralelos ou limítrofes a muitos outros aspectos da vida portuguesa.

O Sr. Amaral Neto: - Quem me conheça pode talvez ser levado a supor que não foi precisamente o aspecto que V. Exa. amavelmente me endereçou aquele que motivou o meu aparte.

O Orador: - E quem me conheça a mim sabe que, estando aquele desabafo em minha consciência, eu não tinha o direito de o calar.
Tinha eu dito que o desgaste do órgão do concelho e o do magistrado administrativo não se verificam sincrònicamente. E que, ao mesmo ritmo em que a posição do órgão do concelho vai apodrecendo, o do magistrado administrativo vai-se solidificando. O contacto frequente com o governo civil ou com o Terreiro do Paço vai transformando o simples conhecido dos primeiros anos no amigo, cujos méritos se descobrem e se apreciam e sem o qual, a certa altura, já se não admite se possa passar.

O Sr. Pinho Brandão: - Os Ministros vão mudando e os governadores civis também. Portanto ...

O Orador: - É verdade que vão mudando. Todas as coisas mudam, e parece, que até o aspecto da superfície da Terra. Mas mudam, às vezes, ao fim de muito tempo.

O Sr. Muñoz de Oliveira: - Então talvez o defeito não seja de baixo, mas de cima.

O Orador: - Se V. Exa. quiser ter a bondade do me ouvir até final ficará completamente esclarecido.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exa., pelo reverso da medalha, está a atacar o problema que pelo outro lado eu pus.

O Orador:- Sinto-me feliz de estar na companhia espiritual de V. Exa.

O Sr. Pinho Brandão: - Se o Ministro está verdadeiramente no sen lugar e o governador não está, o Ministro, para evitar ...

O Orador: - ... suponho que o desenvolvimento das considerações que estou a produzir esclarecerão mais completamente V. Exa. sobre o que penso a tal respeito.
Ao fim de algum tempo já milita em favor do cada vez mais gasto presidente da câmara o reconhecimento por serviços pretéritos, e a questão de uma renovação começa a complicar-se com o problema do destino a dar a quem, desde há tanto tempo, não faz outra coisa que presidir à câmara. E a todas essas forças soma-se ainda a da inércia, que leva a considerar preferível o homem já completamente privado da possibilidades de acção, mas, apesar de tudo, já familiar, ao desconhecido vindo de fora, com problemas e ambições que dantes não perturbavam a paz dos gabinetes de quem tem tanto que fazer.
Os dois processos, o da desintegração da utilidade como órgão do conselho, o da consolidação da posição como representante do Governo, no momento em que às críticas e ao descontentamento gerais se responde pela forma que também, já é lugar-comum: falem à vontade, que eu, lá em cima, estou de pedra e cal.

O Sr. Pinho Brandão: - No caso que V. Exa. está a considerar, o presidente deve ser substituído. Mas nos casos em que a sua acção é conforme as exigências do interesse concelhio deve o presidente manter-se.

O Orador: - Não há dúvida de que as nossas trajectórias espirituais são coincidentes: V. Exa. vai ter já, se quiser ouvir, a confirmação de que estamos de acordo.
A frequência com que situações destas se verificam radica em mim a convicção da necessidade da medida promulgada. É claro que quem governa tinha poder bastante para as evitar. Mas a lição da experiência era a de que o poder não bastava: era necessário o dever. A medida em discussão contém precisamente o preceito que impede o Governo de optar, indefinidamente, pelo caminho mais fácil da recondução e do adiamento da solução.

O Sr. Pinho Brandão: - Se o Ministro estiver à altura da função que desempenha, isto é, verdadeiramente no seu lugar, basta, sem dúvida, que a lei confira o poder de substituição.

O Orador: - V. Exa. entende que os homens sejam tão perfeitos que não possamos admitir a hipótese de algumas vezes os Ministros não estarem no sen lugar? É que pode suceder que aconteça ao Ministro o mesmo que ao presidente da câmara: o adiamento das substituições pode dar-se a vários níveis.

O Sr. Pinho Brandão: - E, todavia, não há para o Ministro ou para o governador civil preceito que lhes limite a duração do mandato.
De qualquer modo, as leis têm de prevenir toda a possibilidade de erro.