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602 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 99

vexes, dificuldades graves quanto ao preenchimento idóneo dos respectivos cargos.
Revelam-se tais inconvenientes sobremaneira sob dois aspectos: primeiro, o de se afastar de um cargo quem nele vinha prestando, a contento geral, destacada obra administrativa, cuja proveitosa continuidade assim pode ver-se comprometida; segundo, o das dificuldades crescentes em encontrar, hoje, cidadãos competentes para o desempenho das respectivas funções, ou que estejam nu disposição de prestá-las.
Para melhor compreensão deste problema, historiamos um pouco.
Largos trabalhos de investigação, realizados nas últimas décadas, na esteira dos Herculanos e Gamas Barros, pelos Profs. Paulo Mereia, Torquato Soares, Marcelo Caetano, Drs. Franz Laughans, Virgínia Rau, José Saraiva, nosso ilustre colega, e outros, habilitam-nos a encarar por prisma mais realista a vida administrativa local e regional nos longos séculos da monarquia tradicional.
Não mais são possíveis românticas ilusões que sobre essa administração, e marcadamente a municipal, forjaram Garrett e, com ele, os setembristas; mais tarde, nas pegadas destes, alguns intelectuais republicanos - Oliveira Marreca, Jacinto Nunes, os da, «Portugália» ... - até nós, neomonárquicos integralistas.
É ente um processo que tem de rever-se em beneficio da verdade histórica, a qual, aliás, não compromete, fundado no passado, embora de forma nem sempre coincidente com a que lhe era atribuída, o estimulo para política de tendência mais acentuadamente descentralizadora do que aquela que informa o vigente legislação, que se reclama orientada nesse sentido.
Revela-nos essa revisão histórica, contràriamente a ideias feitas, que desde os primórdios mesmo da monarquia medieval a presença vigilante do Poder Central se exercia junto dos concelhos, através dos alcaides, delegados do rei. Mais tarde esse intervencionismo foi-se alargando, limitando àquelas autarquias funções legisfazantes e jurisdicionais, já intempestivas.
Juízes de fora e corregedores começaram a acompanhar a vida municipal como espécie de fiscalização e tutela. Para chegarmos ao fim - que durante três séculos tal regime se estabilizou praticamente -, aquando da revolução de 1820 e subsequente constituição de 22, nos concelhos eram os juizes do fora quem normalmente presidia às vereações eleitas, e só na sua falta tal cargo era desempenhado pelos juizes ordinários, magistratura electiva esta, como sabido é. Os juizes de fora de poucos em poucos anos eram deslocados de terra, pelo que a presidência da administração municipal se via assim automaticamente renovada.
Não nos surpreenda esta forma de intervencionismo de magistrados marcadamente judiciais era funções nitidamente administrativas, se recordarmos passar-se isso quando ainda não havia sido proclamado, o dogma laico da separação rígida dos poderes.
Em subordinação a esse dogma se promulgou já a legislação reformista de Mouzinho da Silveira.
Para a matéria que nos interessa tem lugar primordial o famoso decreto de 16 de Maio de 1832, publicado, na Terceira. De acordo com o dito princípio da separação dos poderes, instituiu esse diploma a orgânica administrativa da Nação, dividida hierarquicamente em províncias, comarcas e municípios, tendo todas estas fracções administrativas à sua frente um magistrado do Governo. Em relação aos municípios, esse delegado designava-se provedor e presidia a um conselho electivo de assaz reduzidas atribuições.
Reagindo contra tão absorvente centralização, só explicável, porventura, em correspondência com a guerra civil que se abria - centralização que a Lei de 25 de Abril de 1835 pouco corrigira -, logo a revolução de Setembro de 1836, com o consequente Código Administrativo, veio marcar sentido largamente descentralizador, segundo o critério do tempo; assim se tornaram electivas as vereações e os seus respectivos presidentes.
A lei cabralista de 1840 veio instaurar o princípio dualista dos administradores do concelho, magistrados de nomeação e confiança governativa, tendo como uma das suas mais importantes atribuições a de assistirem a vida das administrações municipais eleitas.
A vida administrativa dos concelhos, partilhada entre estas duas entidades - uma electiva e outra delegada do Poder Central - com poderes discriminados nos respectivos diplomas, subsistiu - com mais ou menos tutela durante o constitucionalismo monárquico e com o recurso ao referendo no regime republicano - em todos os códigos administrativos, inclusive o de 1913. Em regime eleitoral, com os respectivos partidos políticos, não podia o Governo prescindir, para evitar eleições anárquicos, de delegados seus nos respectivos concelhos.
Esta situação veio a ser modificada pelo Código Administrativo da presente situação política, promulgado em 1936, o qual ainda transigiu com a subsistência destes magistrados administrativos em relação às capitais dos distritos.
O vigente Código de 1940 foi mais radical e acabou com todas as sobrevivências dos administradores de concelho, embora mantivesse as atribuições principais dessa magistratura, integradas nas dos presidentes das camarás, agora nomeados pelo Governo.
Já em 1946, nesta Assembleia, o saudoso Deputado Dr. Mário de Aguiar propôs e fundamentou um projecto de lei no sentido do restabelecimento daquelas autoridades.
Como as suas razoes se nos antolham hoje clarividentes, à luz de circunstâncias recentes de agitação política a propósito de eleições! Como as contra-razões que lhe opôs a Câmara Corporativa se nos afiguram hoje abstractas, dialécticas, irreais e fracas em face das realidades políticas que vivemos!
Não posso deixar de chamar a atenção desta Casa para o respectivo parecer dessa Câmara, de 11 de Dezembro de 194G, inserto no suplemento ao n.º 63 do correspondente Diário dou Sessões.
Hoje aqui só quero, sem delongas, marcar a este propósito o meu modo de ver.
Se continuarmos a ter de manter o actual sistema híbrido, com sufrágio universal pelo menos para d Assembleia Nacional - e só razões máximas das conveniências da política nacional, interna, externa e ultramarina, devem ditar a última palavra -, se continuarmos, repito, a ter de admitir eleições tais, torna-se indispensável o restabelecimento desses delegados locais da administração central para o exercício de funções que os presidentes das câmaras não estão aptos a desempenhar convenientemente, por dificuldades intrínsecas do cargo.
Neste pressuposto eleitoral, entendo que o problema, depois da experiência por mais de vinte anos do actual regime administrativo, merece ser revisto no sentido do regresso ao dualismo que acabo de preconizar: a par do administrador do concelho, delegado do Poder Central, uma câmara inteiramente eleita, com presidente porventura designado pelo respectivo conselho municipal, o que mais se harmonizaria com a orientação da proposta de lei sobre a Mesa desta Assembleia quanto à eleição do Chefe do Estado.
Também suponho que com estas sugestões não estou ofendendo qualquer dogma do vigente Estado Novo.
Sr. Presidente: façamos agora referência a outro aspecto aflorado pelo ilustre Deputado Sr. Homem Fer-