688 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104
As cidades têm uma alma. Essa alma- só se revela depois de uma íntima convivência.
Gomo poderá um técnico de Lisboa, no intervalo de dois comboios, aperceber-se do que li á de próprio, secular e profundo numa cidade, por exemplo, como Coimbra?
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Falei noutra oportunidade de certa urbanização de caliça com que dotaram a capital do Mondego, de arranjos que adulteraram uma das regiões mais formosas de Portugal. Poderia hoje referir casos mais recentes, descrever soluções pouco apreciadas que procuram reparar erros incompreensíveis.
Acontece, por outro lado, que alguns planos elaborados para vidas modestas se tornam dificilmente exequíveis pela oposição entre as possibilidades do respectivo meio pobre e a largueza com que o urbanista antevê o respectivo futuro.
A tentação do centralismo, várias vezes criticada nesta Assembleia, encontrou no processo dos planos de urbanização um exemplo flagrante. Desde a escolha de quem os elabora até à sua aprovação definitiva, quase tudo se passa, na prática, à margem da vida local.
Nos termos do n.º 10.º do artigo 27.º do Código Administrativo, era da competência Ao conselho municipal discutir e votar o plano de urbanização e expansão (também o n.º 15.º do artigo 51.º, quanto à câmara).
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 33 921, de 5 de Setembro de 1944, ficou estabelecido que, elaborado um plano de urbanização, a câmara municipal apenas dá sobre ele a sua informação, colhe a da comissão municipal de Higiene e, se o Governo assim o entender, juntará o resultado do inquérito público a que se proceda (§ 2.º do artigo 10.º).
Limitando-se hoje a câmara municipal a informar sobre o plano de urbanização, a votação do conselho municipal recai apenas sobre esta informação, constituindo, deste modo, simples acto preparatório da resolução definitiva que ao Governo compete tomar (cf. Anuário da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, ano 39.º, p. 520).
Sem minimizar a importância que deverá ter uma decisão desta natureza ou até as possíveis relações entre vários planos, o que pergunto, Sr. Presidente, é se não seria conveniente um maior equilíbrio de intervenções, de molde a proporcionar-se aos municípios uma actuação mais- eficaz em matéria que tão particularmente lhes respeita.
E que dizer de uma discussão pública sobre as orientações urbanísticas a tomar?
Embora a lei a considere, nos termos referidos, creio que nem sempre se tem esgotado este expediente.
A discussão pública, em meu entender, reveste-se de particular interesse para as grandes cidades e mesmo relativamente aos planos parcelares de urbanização.
O debate que se venha a estabelecer sobre as soluções urbanísticas tem. não só as vantagens que decorrem de qualquer discussão generalizada entre especialistas, mas, sobretudo, facilita o melhor acesso ao conhecimento de directivas que habitualmente vivem no segredo das respectivas repartições. Ora, isto é tanto mais importante quanto acontece ser prejudicial aos interesses e comodidade do público e até ao bom nome dos técnicos municipais, que. apenas meia dúzia de e iluminados» saiba o que se pensa sobre a expansão da cidade, a abertura de certas ruas ou quais as cérceas correspondentes a determinada zona.
Permita-se-me salientar o interesse que haveria em levar a discussão dos planos ao seio dos organismos representativos dos correspondentes interesses profissionais.
Verifica-se, por vezes, aqui uma omissão que é vulgar noutros sectores da vida nacional. Nós erguemos um estado corporativo e, diariamente, proclamamos as excelências da Nação corporativamente organizada. No entanto, menos vezes de que seria desejável, recorremos aos organismos corporativos como ambiente apropriado para a discussão de assuntos que especificadamente possam interessar a determinado sector profissional.
Talvez não seja difícil encontrar aqui mais um argumento que sirva o processo acusatório das tendências excessivamente centralizadoras de alguns sectores da Administração.
Mas o mais grave, em meu entender, quanto à região de Lisboa, tem sido a ausência de planos directores e parcelares da urbanização.
A razão essencial desta gravidade reside no mérito da existência de planos convenientes. O viver quotidiano revela, contudo, como tal ausência se pode projector numa incompreensível disparidade de critérios na apreciação das pretensões concretas ou numa deplorável morosidade na aprovação dos respectivos projectos.
Numa hora em que o Governo está louvavelmente empenhado em simplificar os serviços, de molde a proporcionar comodidade aos particulares, convém não esquecer que o sector das obras urbanas tem constituído fonte inesgotável de atritos, motivo de fundadas reclamações.
De facto, a disparidade de critérios na apreciação dos projectos contraria não só critérios de justiça como expõe os servidores públicos a críticas, em que a sua honestidade sai abalada. Nós não podemos, de resto, deixar a solução de problemas de tamanha importância ao critério de um ou outro funcionário, por mais honesto e responsável que pareça.
Impõem-se soluções de conjunto, tempestivamente elaboradas e sempre tornadas públicas.
E que dizer da morosidade na apreciação de projectos?
Agravar o problema da habitação, até porque conduz à imobilização de milhares de contos investidos nos respectivos lotes. Quando, volvidos dois ou três anos, o proprietário do prédio vier a arrendá-lo, procurará, através de uma renda mais (elevada, ressarcir-se dos encargos resultantes da demorada imobilização inicial.
Por outro lado, força os técnicos particulares a uma constante e por vezes vexatória peregrinação pelas repartições, indagando do destino do processo ou mendigando uma rápida apreciação. Isto mesmo, para não falar de certas suposições equívocas que o público em seus rumores pode acalentar, suposições nem sempre lisonjeiras para os servidores públicos. Quem estiver atento à jurisprudência, do Supremo Tribunal Administrativo podei verificar como a ausência de planos conduz a outra prática da Administração
igualmente censurável o indeferimento por ser simples
das pretensões baseado na inexistência de plano de urbanização (cf.. acórdãos publicados n.º 2ª série do Diário do Governo de 18 de Abril ida. -1955 n.º -10 de Outubro de 1955 e l de Março de 1958).Da conjugação do.: artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 33.921, de 5 de Setembro de 1944, com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (artigo 3.º) resulta que as construções nas áreas urbanizadas ou urbanizáveis estão subordinadas aos respectivos planos de urbanização devidamente aprovados.
O indeferimento justifica-se, nestes casos, desde que ris respectivos projectos colidam com OS princípios dos planos.