7 DE MAIO DE 1959 681
Quer dizer: estamos, por um lado, a obrigar os proprietários urbanos a introduzir nos seus imóveis, quer novos, quer antigos, o que se reputa imprescindível e está-se, por outro, a permitir a preparação de futuros e semelhantes problemas, sempre de morosa e implicativa solução. E o que se passa na estrada nacional acontece nas municipais, como, por exemplo, no pitoresco caminho que liga Palmeia a Vila Fresca de Azeitão, e que não é já hoje possível cruzar sem o permanente espectro de um atropelamento grave.
Parece, pois, que entre as medidas provisórias a tomar imediatamente até à aprovação do plano deverá figurar a de se proibir a construção de prédios dentro de uma faixa de segurança da estrada mais funda do que a actual e que não considere os muros dos quintais e ainda a de não ser permitida a construção isolada ou em fila, antes a limitando a zonas previamente escolhidas e às quais seja possível levar ou prometer a curto prazo as condições- de vida que se têm hoje por essenciais.
O estabelecimento dessas zonas vai ao encontro de um outro problema que desejo aqui pôr: no relatório que antecede as bases da proposta de lei em discussão escreveu o Sr. Ministro das Obras Públicas, a propósito do crescimento desordenado das povoações suburbanas e da criação de novos núcleos populacionais ao sabor das iniciativas particulares, que estos iniciativas «... são movidas, na maioria dos casos, por simples propósitos de especulação- de terrenos ou com o intuito de se evadirem da disciplina dos planos de urbanização a que estilo sujeitos os centros populacionais mais importantes, incluindo a capital, reduzindo assim gravemente a eficiência desses planos e comprometendo até em muitos aspectos a sua utilidade».
Quer dizer: enquanto por um lado se procura melhorar as condições de habitabilidade dos centros populacionais há muito existentes - lembro que na cidade de Setúbal só agora se está a assentar a rede de saneamento, constituindo para as câmaras municipais pesado encargo a conservação das próprias ruas, com centenas de nos de calçada, permite-se que, ao sabor das iniciativas particulares, se criem novos núcleos populacionais, fugidos à disciplina dos planos de urbanização, e que, no dizer da proposta governamental, destroem a expressão tradicional e a beleza peculiar das povoações arrabaldinas, rodeando a cidade por uma cintura asfixiante de e meros amontoados de construções inestéticas, desprovidas de personalidade e de vida própria, verdadeiros- dormitórios de massas populacionais ...».
E as câmaras municipais, sempre apertadas pelas reclamações dos munícipes de ao pé da porta, porque uma rua tem buracos, porque um passeio é de areia, porque a iluminação pública é deficiente, vêem-se e desejam-se, depois de consentidos os novos núcleos, para dar satisfação aos problemas que lhes surgem.
A proposta de lei corrobora este ponto de vista nestas claras e insuspeitas palavras:
Assim (criados os novos núcleos populacionais), as autarquias locais vêem-se a braços com a constituição e o funcionamento de serviços urbanos muito dispersos, para cujo custeio não podem contar com a contrapartida de um acréscimo de receitas, que lhes é recusado pela natureza sui generis das novas áreas populacionais. Depara-se, por outro lado, a necessidade de fazer face a exigências crescentes de meios de comunicação e de transporte, num esforço exaustivo para reduzir os inconvenientes de uma estrutura regional defeituosa, o qual não tem a recompensá-lo qualquer vantagem para a economia da Nação.
Estou-me a lembrar de um caso particular de Estremoz - falo dele como paradigma e porque o conheço melhor: vendidos há anos ao desbarato, a particulares, sem qualquer garantia de construção para breve, terrenos municipais no centro da cidade, a sua urbanização tem depauperado o fraco cofre do município e hoje, quase ultimada, não deixa de ser traçado de ruas alcatroadas a servir uma maioria de muros, por feliz tradição caiados.
E enquanto os subúrbios se estendem, com todas as preocupações referidas, os povoações quase nada melhoram no seu aspecto pobre de construções antigas.
Não é, decerto, o caso de Lisboa, onde o «bota-abaixo» tem sido realmente para baixo, a pontos de a muitos parecer já exagerado. Mas é o caso da velha Almada ou da cidade de Setúbal, que, apesar de certa euforia construtiva por que está a atravessar, se inferioriza apresentando nas suas quatro avenidas - de Luísa Todi, 22 de Dezembro, 5 de Outubro e Portela - e no parque do Bonfim verdadeiros abortos de construção e casinhas de bonecas, onde se vive apenas porque nalgum lado se tem de morar.
Eis porque me parece que deverá o futuro plano urbanístico da região de Lisboa - ou quaisquer outros futuros planos - incluir a indicação das zonas' velhas de construção que devam ser substituídas, só se permitindo o alargamento da área desta quando todas essas zonas estiverem devidamente remoçadas. Se assim se fizer, com método e sem transigências, serão reduzidos os problemas de urbanização das câmaras municipais, que assim poderão proceder à valorização do centro urbano, sem, como hoje por vezes acontece, sacrificarem a maioria a uma- minoria privilegiada.
E procedendo-se assim tocar-se-á num outro dos problemas, também da minha preocupação: quando vejo serem sacrificados à onda ininterrupta de construções velhos campos de terrenos fertilíssimos, onde as hortas e os pomares floresceram, não posso deixar de perguntar onde irá a população a abastecer-se quando ao redor não existir mais do que casas. Quando de madrugada Se cruzam as estradas que levam a Lisboa, mesmo internacionais, como a de Cacilhas-Setúbal, pode ver-se o cortejo de carroças, pachorrentamente puxadas por cavalos sonolentos, trazendo em cocuruto, de longínquas paragens, toda a espécie de produtos hortícolas a que o instinto artístico da nossa gente dá caprichoso arranjo.
Não há perigo de a cidade ficar sem mantimentos, poderão dizer-me, mus qualquer mediano economista dirá que, se se juntar ao preço dos produtos postos nó mercado o valor do prejuízo causado ao trânsito pela caravana de carroças e o valor das horas-trabalho que se perdem pelo caminho longo, uma simples couve chega à nossa mesa quase manjar de príncipe.
Nestas coisas pouco se pensa, porque não são traduzíveis em moeda sonante, porque não nos custa dinheiro saído directamente do nosso bolso, mas não deixam de constituir pesado prejuízo para a Nação.
Ao indicar o que se entende pelas linhas gerais do desenvolvimento da região abrangida pelo plano, a proposta governamental diz na alínea c) da base n que se procederá há definição das zonas a afectar a tipos especiais de utilização, tendo em vista, designadamente, a preservação de áreas adequadas à exploração agrícola e ao povoamento florestal ...».
O parecer da Câmara Corporativa., ao analisar o conteúdo dessa alínea, acrescenta, como seu comentário:
... interessa observar que, numa região cujo principal centro urbano s uma cidade tão populosa como Lisboa, e, portanto, grande merendo de consumo, assumem altíssima importância os pró(...)