14 DE MAIO DE 1959 743
nos! De resto, não foi o terramoto de 1755 que transformou e fixou até aos nossos dias uma fisionomia nova na cidade de Lisboa.
A Baixa pombalina, se representa uma concepção e um esquema novo no arranjo funcional de um bairro e cuja traça tem valor arquitectónico inestimável, não alterou, contudo, a sua função, que, quer analisada do ângulo geográfico, quer sociológico, é anterior a Pombal.
À visão de D. Manuel e dos seus conselheiros, às necessidades imperiais que tal impunham, se deve a grande transformação da cidade. Foi, de facto, na época manuelina que, compreendendo-se as complexidades de uma cidade que era cabeça e metrópole de vastos territórios e riquezas no Mundo, se deslocou o Paço Real tia Alcáçova, no Castelo de S. Jorge, para o Terreiro do Paço.
Ali, de facto, deveria estar o rei, rodeado dos conselheiros e funcionários, armazenarem-se as riquezas e deixar espraiar pelas ruas circunvizinhas os mercadores portugueses e estrangeiros - frente ao rio e ao mar do comércio e da aventura.
Assim se iniciou toda uma revolução urbana e se criaram condições de expansão que iam permitir à cidade e aos seus habitantes o amplo desempenho de novas, complexas e pesadas funções de uma cidade moderna.
A Administração, o comércio e a política abandonavam a cidade medieval e alcandorada e aproximavam-se da burguesia comercial que por essa época se estendia já pelas encostas, respeitando, contudo, os vales amplos que a rodeavam.
Nos vales praticavam-se culturas mimosas, de horta e pomar; mais longe, noutros vales e vertentes, os olivais, o pão e o vinho, que alimentavam a população a haver de «muitas e desvairadas gentes».
O campo e as hortas penetravam profundamente na cidade num jeito que perduraria pelos tempos e de que hoje é ainda fácil apercebemo-nos, não obstante o desenvolvimento do casario e de um estilo mecanizado de viver.
Nunca esta cidade de Lisboa viveu ausente dos seus campos, e posso até afirmar que ela nasceu cidade-jardim muito antes que os avós dos avós dos teóricos do urbanismo tal tivessem descoberto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A cidade e o campo próximo era uma dualidade inseparável, a tal ponto que não se podia pensar em Lisboa sem mencionar o seu termo. Palavra de amplo significado, pois enquadra a cidade num conjunto de factos de geografia humana, económicos e sociais que definem a região.
Fora de portas, mas dentro do termo ou zona de influência e dependência da cidade, vive, pelo menos desde a conquista da cidade, uma população de agricultores.
A esta população se dá o nome de «saloio», palavra que no árabe significa homem do campo, mas homem do campo por oposição ao da cidade, ou, esclarecendo melhor, homem do campo vivendo nas imediações das cidades. Facto este que, não sendo único para Lisboa, pois Santarém e algumas cidades do Sul da Espanha tiveram populações idênticas, a palavra «saloio» só aqui se manteve.
Isto faz realçar, uma vez mais a intimidade de relações entre Lisboa e a sua população citadina e o campo e a sua população saloia. Os limites regionais definiam-se assim até onde ia esta população, que vivia dependente da população da cidade. Onde fosse território de saloio podia dizer-se estar a região de Lisboa.
Claro está que com o desenvolvimento da cidade, com a expansão do seu casario, que, se em primeiro lugar procurou as colinas, logo tendeu a descer aos vales, os campos foram sendo subvertidos, ficando cada vez mais longe do centro nervoso citadino - a Baixa. Mas, por outro lado, a área do campo ou do termo teve de expandir-se como realidade viva que havia de fazer face ao desenvolvimento da cidade de Lisboa.
A região torna-se enorme, engloba uma série de concelhos e freguesias a morte, e a pouco e pouco, e apesar das dificuldades de comunicações, ganha terreno para além do Tejo.
Os ecos retardados, pela carência do País em carvão, da revolução industrial levam a pouco e pouco à concentração, na cidade ou em locais não afastados, de um conjunto fabril que à escala nacional é dos mais importantes. Novos campos que se subvertem, novas possibilidades para os seus habitantes e expansão da área regional de Lisboa.
Com base neste esquema evolutivo, que deliberadamente quis fosse elementar, mas claro, e à luz de considerações já expostas, medite-se agora acerca dos aspectos, em meu entender fundamentais, respeitantes ao plano de arranjo e desenvolvimento da região de Lisboa, a saber: o problema dos limites, a subversão dos campos agrícolas, a localização das indústrias e o descongestionamento de uma cidade com tendências «milionárias».
A proposta do Governo e o parecer da Câmara Corporativa não estão conformes quanto aos limites da área a organizar. No primeiro caso a área é consideràvelmente mais extensa do que no segundo.
elo conhecimento que possuo dos arredores de Lisboa em estudos e andanças de mais de dez anos, parece-me que o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa está dentro da razão ao apontar como áreas naturais, para norte do Tejo, em relação de íntima dependência com a cidade, as dos concelhos de Cascais, Loures, Oeiras, Sintra, além dos de Lisboa e parte do de Vila Franca de Xira.
Repare-se que, sem dúvida, são os campos dos quatro primeiros concelhos, por os mais próximos, aqueles que desde sempre exerceram a função abastecedora da cidade. Dos vales de Loures e Cheleiros, dos campos de Colares, das terras pretas do basalto e das terras brancas dos calcários que a rodeiam vêm diariamente os produtos frescos de origem vegetal e animal que a alimentam.
Os casais e as quintas, unidades agrárias características da paisagem da terra de saloios, funcionaram, dentro de um estilo de rotina, como autênticas fabriquetas daqueles produtos. Pode afirmar-se que, não só nestes concelhos, mas também em outros mais para norte, como os de Mafra, Torres, Arruda, etc., ainda habitam saloios, e, sendo assim, esta extensa área deveria, considerar-se incluída na região de Lisboa.
Isto estaria certo se na análise apertada dos factos não se chegasse àquela mesma conclusão que, já vai para muito tempo, o sábio José Leite de Vasconcelos assinalou: na expansão para norte o que vingou foi a alcunha - «saloio» -, e não propriamente um estilo de vida campestre dependente de Lisboa.
Na região de Torres o estilo de ocupação da terra é outro, sendo o camponês, dedicado à exploração da vinha, menos dependente da cidade.
Compreende-se também a inclusão de Vila Franca de Xira, que uma linha férrea aproximou da cidade e que está no enfiamento do rosário de estabelecimentos fabris que se escalonam para norte ao longo do Tejo e a partir de Sacavém.
Se bem que em muitos traços da paisagem predominem elementos (pie a incluem no estilo de vida ri-