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14 DE MAIO DE 1969 745

dificuldades em que se debatem. Mas não só o horticultor: o saloio do casal, dedicado a uma economia minúscula, polimorfa, caseira, que lhe exige esforços tremendos o lucros pouco compensadores; é o retalhamento dos pequenos campos de pão e pascigo das poucas ovelhas nos restolhos e no mato escasso; é a junta e as duas ou três vacas que lhe dão leite, queijo, manteiga, carne, estrume e, sobretudo, trabalho; são as noites perdidas no carrego da carroça com hortaliças para a praça; são as galinhas, os patos, os perus e o coleccionar dos ovos; são ainda as mulheres que continuam, apesar do progresso técnico que invadiu a cidade, a lavar a roupa do Alfacinha.
Uma existência dura, aparentemente absurda, mas que mostra a capacidade de trabalho e maestria desta gente. Os técnicos delineadores do plano deverão ter um consideração estas populações e o seu modo de viver e estudar os métodos assistenciais a levar-lhes no sentido de lhes melhorar o nível de vida. São populações numerosas, nos concelhos de Loures e Sintra e algumas ainda em Oeiras e poucas em Cascais.
A cidade viveu sempre em solidariedade com o campo, e, assim, quer por tradição, quer porque se me não afigura qualquer vantagem na conspurcação desordenada dos campos, importa ter este aspecto em consideração: O saloio deve merecer do Lisboeta este esforço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando se diz ordenar, quer-se disser planear com justiça. E é assim que o problema dos campos tem de ser estudado em relação com a localização das indústrias. Embora estilos de vida que se opõem - o rural e u industrial-, o facto é que na área deverá procurar-se que sejam complementares.
A indústria é independente do solo (não me refiro à indústria extractiva ),mas é dependente do local: isto é, para qualquer indústria há um local próprio, que ou advém de abundância de mão-de-obra, de facilidades de escoamento de produtos a preço conveniente, de existência próxima de matérias-primas, do preço a que lhe chega a fonte de energia, da especialização tradicional de uma mão-de-obra difícil de recrutar hoje noutros pontos do País, etc. Sendo assim, a localização exige estudos complexos de economia e a sua articulação com o todo da área.
E, muitas vezes, de recomendar uma razoável distribuição de. indústrias pela área, e particularmente em regiões de forte densidade populacional. Muitos a quem o campo não pode oferecer mais possibilidades encontram ali ocupação certa. Talvez que o melhor exemplo que no território português me tenha sido dado observar seja o do Baixo Minho, onde se encontram muitas pequenas indústrias dispersas e onde verifiquei, quantas vezes, o operário continuar a ser um camponês, se bem que nas horas vagas. Simbiose curiosa, que torna os homens felizes e afasta a ideia de que entre o campo e a indústria exista um abismo de incompatibilidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E relativamente fácil preservar ou de marcar áreas para a agricultura, mas é muito complexo o problema da transferência e localização de indústrias. No caso presente, tratando-se de uma das mais fortes concentrações industriais do País, o problema não pode ser estudado só à escala da região de Lisboa. Exige visão mais larga, que inclua o estudo das possibilidades económicas e sociais não só de regiões vizinhas mesmo do conjunto das regiões do País.
Quer isto dizer que o estudo regional tem de ser visto à escala nacional. Ë ainda cómodo, embora delicado, planear para uma área ou região subdesenvolvida que careça, por exemplo, de desenvolvimento fabril; é, porém, muito complexo planear no sentido de se encontrar uma harmonia social e económica para regiões velhas, de desenvolvimento tradicional mesmo que atrabiliário, onde a principal finalidade é descongestionar indústrias que estão a mais e se torna necessário transferir, alívio de pressão demográfica, racionalização de modos de vida, etc.
O planeamento da região de Lisboa faz-se agora por imperativos angustiantes; desta forma, ainda sem termos a experiência de planos a este nível, somos atirados pela pressão Assa circunstâncias, como diz o povo, para a cabeça do touro», quando em meu entender teria sido preferível «rabejar», em iniciativa mais modesta ...
Riso».
Relacionando com a indústria, temos o problema dos bairros operários, que mereceu já do nosso colega Dr. Dias Rosas anotação justa e pertinente.
Sem dúvida que não há qualquer espécie de vantagem em fazer do bairro operário um aquartelamento ou mesmo uma sanzala, como também não é conveniente o seu afastamento de outros núcleos de convívio. Se julgamos que damos ao operário o sossego de espírito oferecendo-lhe um dormitório limpo, mas que lhe não oferece nada mais que isso, estamos enganados.
Acredito que pela pressão crescente da população de Lisboa houvesse o momento em que a solução aquartelada tenha sido a mais oportuna; mas é altura de se reverem os programas de construção e dotá-la com bairros de vida própria, que estimulem ao convívio, que ofereçam distracções que não sejam só a taberna, as americanos dos jogos do azar, as máquinas de caçar dinheiro e o futebol ao domingo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Problemas idênticos se levantam para os núcleos satélites a edificar ou a disciplinar entre os existentes nos arredores de Lisboa.
E que dizer de Lisboa, do burgo por excelência, que um poeta já denominou de cidade triste e alegre? Que dizer senão que a temos visto crescer a ritmo desusado, ampliando-se quantas vezes também através, de soluções que nem se enquadram com a maneira cie ser do citadino, nem com o seu estilo tradicional.
Quem nos visita fica deslumbrado com o notável esforço de expansão da cidade, com o encanto quente dos seus bairros antigos e com o ar limpo dos locais mais modernos, e encanto que vive do dualismo entre o antigo e o moderno e de a cidade continuai a ser penetrada pelos campos circunvizinhos.
Neste aspecto Lisboa tende a conservar uma fisionomia natural, que nas grandes cidades da Europa desapareceu já ou, quando muito, se recriou á força.
Encanto que provinha dos largos ensombrados, quantas vezes por oliveiras, velhas parreiras trepando pelos umbrais, varandas floridas, onde o amor no campo levava as ervas de cheiro e a nespereira; muitos jardins pelos bairros e ruas francamente revestidas de árvores, etc. Se nunca abundaram os grandes parques, nem por isso a cidade deixava de aparentar um ar risonho.
Por isso não é sem perplexidade e apreensão que, quando no estrangeiro tanto se luta pela manutenção da tonalidade verde na paisagem citadina, se vêem em Lisboa jardina em que árvores são substituídas por simples arbustos decorativos, mas sem sombra; ruas despidos de árvores; construções donde o quintal amorávelmente a trabalhando nas horas vagas desapareceu.