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6 DE JUNHO DE 1959 883

considerarmos que o indivíduo fora da família e da corporação é excepção que não conta na vida social, atendendo a que toda a sua actividade é influenciada pelos elementos familiar, profissional e cultural e pelos mesmos elementos determinada a sua conduta, mesmo a política. Como escreveu Manoïlesco, o indivíduo só nos aparece integrado na grande esfera do Estado (expressão da comunidade nacional) na esfera menor da sua corporação e no microcosmos da família. Estes são, pois, na realidade, os elementos estruturais da Nação, os elementos a que o artigo 5.º da Constituição vigente atribui interferência na vida administrativa e na feitura das leis.
O cidadão - palavra que devia ser eliminada da terminologia corporativa, pela sua origem e sabor racionalista - só é considerado na definição do Estado português para o efeito de se assegurar a sua igualdade perante a lei e de o chamar ao gozo dos direitos, liberdades e garantias individuais. E, apesar disso, nos termos do artigo 72.º do estatuto constitucional, o Chefe do Estado era eleito por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, anomalia que agora se pretende remediar; mas pelo mesmo sufrágio directo dos cidadãos continuarão a ser eleitos os membros da Assembleia Nacional, se não merecer aprovação desta Assembleia o projecto n.º 26, da autoria do Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes, como a não mereceu já da Câmara Corporativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: coordenando a proposta do Governo com alguns dos projectos apresentados, através de substituições, emendas e aditamentos, ainda poderíamos suprir as deficiências que obstam a que possa ser levada a efeito uma alteração constitucional de profundidade adequada à institucionalização definitiva do regime corporativo. E nesta conformidade vou apresentar um ligeiro apontamento sobre estas matérias, produto dalgum estudo e cuidadosa reflexão, pois que de forma alguma me quereria aventurar na esfera de inovações que pudessem atingir a essência do sistema ou diminuir a eficiência e estabilidade das instituições.
Para justificação da intervenção na eleição do Chefe do Estado - ao lado dos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa - de representantes municipais invocam-se razões de autoridade e de independência.
Argumenta-se, em primeiro lugar, que a autoridade do Chefe do Estado sairia reforçada da eleição com o voto dos representantes municipais, porque ao sufrágio universal, expresso indirectamente através dos membros da Assembleia Nacional, se adicionaria, assim, o sufrágio social, que nos municípios tem expressão corporativa. A verdade, porém, é que este sufrágio acha-se já traduzido no voto dos Procuradores à Câmara Corporativa, não representando o adicionamento proposto mais do que uma duplicação, sem qualquer interesse, até porque, pretendendo-se também aproximar a origem do poder do Chefe do Estado da instituição-base da soberania nacional, que é a família, esta representação ficaria demasiadamente afastada da fonte para ter foros de autêntica genuinidade.
Quanto ao problema da independência perante as câmaras que o elegessem temos de considerar que ele não se apresenta da mesma forma no regime corporativo do que se apresentaria num regime parlamentar liberal. Na verdade, no regime corporativo os partidos políticos, que eram quem podia estabelecer certa subordinação de facto, não existem, por não terem função a realizar e serem, portanto, elementos de perturbação e luta permanentes. Além disso, nos países de regime parlamentar as duas câmaras, quando por duas é exercida a função legislativa, são de origem essencialmente política, o que não sucede no nosso sistema, que, ao lado de uma câmara política, representativa dos interesses gerais da Nação, tem a Câmara Corporativa, onde se agrupam e têm expressão todos os interesses sociais de ordem administrativa, moral, cultural e económica. E acresce ainda que esta Câmara dispõe apenas de voto consultivo na feitura das leis, o que exclui a possibilidade de surgir qualquer conflito de natureza política entre ela e o Governo.

eremos, portanto, de concluir que o Chefe do Estado eleito, embora, sómente pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa seria sempre o representante e árbitro supremo de todos os interesses da Nação - dos interesses gerais e dos interesses sociais ou específicos - e estaria sempre colocado numa posição superior relativamente a cada uma das Câmaras que o elegessem, visto que cada uma delas, separadamente, representaria apenas um dos grupos de interesses referidos.
Não se descortina, consequentemente, motivo bastante para complicar o processo de eleição do Chefe do Estado com um alargamento do colégio eleitoral, desprovido de significado e de resultados práticos discutíveis. O que seria indispensável - isso sim - era que a constituição da Câmara Corporativa, relegada para a lei ordinária, obedecesse a um critério de autêntica representação de todos os interesses específicos da Nação, de forma que nela tivessem expressão verdadeira e autónoma, sem outras subordinações que não fossem a do bem comum.
Mas se, para fugir a qualquer símile de sistema parlamentar, se insistisse em juntar aos membros das duas Câmaras representantes corporativos, então teríamos de associar à eleição os representantes de todas as corporações administrativas autárquicas, pois que todas elas são fontes de soberania, a começar nas juntas de freguesia, emanação directa da instituição familiar.
Era a lógica do sufrágio orgânico que assim o imporia, e não a imitação do processo adoptado pela V República Francesa, a qual à nossa doutrina veio procurar a inspiração do regime estabelecido num período de dificuldades em tudo semelhantes às que entre nós provocaram a Revolução de 28 de Maio.
Sr. Presidente: a modificação do sistema de eleição do Chefe do Estado implica, por simples imposição lógica, que a eleição dos Deputados se faça por sufrágio orgânico, como a doutrina, aliás, reclama e o consenso geral desde há muito tempo exige.
O projecto n.º 26 já citado, embora integrado na essência dos princípios do corporativismo, não satisfaz, porém, no aspecto técnico, parece-me, a esta exigência. Com efeito, já na douta lição de Salazar aludida no parecer da Câmara Corporativa se aprende que, calem dos diversos interesses materiais ou morais, existe um interesse político geral relativo à Nação, como ser e unidade moral».
E, por sua vez, o Dr. Pires Cardoso, seguindo o pensamento do Mestre, ensina que «nem todos os interesses ou aspirações da consciência social podem ser integrados na corporação, pertencendo a este sector os ideais colectivos que influem na mentalidade de uma época, os conceitos fundamentais do homem e da sociedade, as correntes de opinião que se desenvolvem no agregado social».
Fica, portanto, fora do âmbito corporativo um conjunto de interesses - que já apontámos sob a designação de interesses gerais da Nação - carecidos de uma expressão política que a Câmara Corporativa lhes não pode dar. Ainda se opinou que fosse confiada esta representação aos mandatários dos interesses específicos, deliberando naquela Câmara em sessão plenária. Mas não pode deixar de se reconhecer que as afinidades dos inte-