884 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 116
resses particulares seriam sempre suficientemente fortes para mesmo assim provocar agrupamentos capazes de influenciar as deliberações.
Além disso, desde que a eleição do Chefe do Estado deixa de ser precedida de debate público no qual se pudessem manifestar as grandes correntes da opinião e os altos ideais colectivos - e esta é razão capital -, é preciso colocar o mesmo debate noutro campo, que só pode ser o da eleição da Assembleia Nacional. Assume, assim, esta Assembleia relevância indiscutível como representante dos interesses gerais da Nação e como expressão do sentimento político do agregado nacional na sucessão temporal, podendo considerar-se hoje fechada a controvérsia suscitada no plano da sua subsistência ou incompatibilidade com o sistema corporativo.
O que, porém, não tem justificação plausível é colocar o debate público, de natureza exclusivamente política, no seio das corporações, onde cabe apenas a discussão de interesses profissionais e culturais. E tanto mais que este debate tem de abarcar todo o território nacional, a fim de se desenvolver no contacto directo das pessoas físicas, a cujas inteligências será dirigido o apelo dos idealismos postos em confronto e submetidos à adesão dos eleitores. E é de considerar também que em regime corporativo não poderão ser eleitores os indivíduos que só são considerados através da sua estruturação no meio social. Por isso, só o chefe de família, representante deste pequeno mundo, que constitui o fundamento da ordem política e administrativa, pode satisfazer ao imperativo assinalado. Seriam, portanto, os Deputados eleitos pelo sufrágio directo dos chefes de família, ou seja dos homens que na sociedade assumiram encargos e responsabilidades, dos homens de que depende a conservação e fortalecimento da mesma sociedade e que nela têm interesses de ordem geral a realizar e defender, estranhos e diferentes dos interesses específicos das corporações.
Sr. Presidente: estruturados corporativamente os dois órgãos da soberania - Chefe do Estado e Assembleia Nacional -, impõe-se, por sua vez, definir e delimitar as respectivas funções, de forma a torná-las solidárias e úteis à realização dos fins do Estado e a evitar conflitos de competência que possam obstar a perigosos desvios do Poder.
A função executiva, personificada exclusivamente no Chefe do Estado, que a exerce por intermédio do Governo, de sua livre nomeação e só da sua confiança dependente, a nenhuma interferência ou conflito pode dar lugar.
Outro tanto não sucede, porém, relativamente à f unção legislativa, que, exceptuadas as matérias especificadas nas cinco alíneas do artigo 93.º da Constituição e a restrição estabelecida na parte final do artigo 97.º, pode ser exercida indistintamente pela Assembleia Nacional e pelo Governo, o que é susceptível de provocar acções e reacções de consequências políticas desastrosas, como já se tem verificado.
No projecto n.º 19 apresenta-se uma solução de partilha das matérias legislativas bastante aliciante, pelo que representa de possibilidades de conduzir a um equilíbrio funcional capaz de assegurar uma eficiente harmonia na acção destes dois poderes do Estado. Não quero, contudo, prestar-lhe desde já adesão total, que poderia ter de vir a corrigir em face de ponderosos argumentos provindos da discussão. Devo, no entanto, afirmar que reputo tão convincente a razão assente na tradição nacional, que a Câmara Corporativa tão proficientemente invocou, também, no parecer n.º 5/VII, de 6 de Dezembro de 1958, que não posso conceber facilmente que o meu pensamento venha a mudar, até porque a objecção de que ficaria o Governo à mercê da Assembleia, por esta lhe poder recusar, quando entendesse, os necessários meios de acção, se poderia já responder que a comprovada atitude colaborante desta e a história da nossa administração pública constituem demonstração cabal da sua falta de fundamento.
O Chefe do Estado, de resto, no exercício da sua função de árbitro supremo, disporia de autoridade e poderes suficientes para resolver, segundo o interesse nacional, qualquer litígio que surgisse, o que não seria despiciendo para a deliberação a tomar.
Sr. Presidente: outro ponto focam os projectos n.ºs 20 e 21 que se me afigura, igualmente, de excepcional importância para a manutenção de relações estáveis entre a Assembleia Nacional e o Governo: é o que diz respeito à apreciçação dos actos do Governo, que tanto a doutrina como a própria Constituição consideram função primacial da Assembleia Nacional.
É certo que, sendo o Governo da exclusiva confiança do Chefe do Estado, está posta de parte a votação pela Assembleia de qualquer moção de censura. Mas, não sendo o Governo obrigado a dar explicações dos seus actos ou dos actos da Administração, aquela função da Assembleia torna-se um mero platonismo, que só desprestigia a instituição e os interpelantes, por mais fundado que se apresente o objecto das interpelações.
Seria conveniente, pois, obviar também a este contra-senso, por forma a que o Governo não pudesse ser desviado dos seus cuidados muito frequentemente e que a Assembleia não se visse minimizada e caísse no desânimo e cansaço a que conduzem sempre situações desta natureza.
Vindo trazer à Câmara explicações dos actos de reconhecido interesse nacional a que tivessem sido feitos reparos, o Governo daria satisfação à Assembleia e, indirectamente, à Nação - que consideraria essa satisfação como sendo-lhe também dirigida por intermédio dos seus mais qualificados representantes - e afastaria boatos e suspeições, que tanto enfermam a vida política. E, por outro lado, esta actuação podia ser um poderoso elemento de paz e concórdia geral, na medida em que o Governo manifestava à comunidade nacional a consideração e respeito em que tinha os seus direitos de soberania e o seu interesse pela marcha das coisas públicas.
Devidamente condicionada, como noutros países se está a experimentar, a vinda a esta Assembleia, em dia fixado para as interpelações, de um ou mais Ministros em nada podia prejudicar o ritmo normal da governação, que tantas vezes se vê já interrompida para a celebração de conferências de imprensa e elaboração de notas oficiosas, que, assim, em parte, se tornariam dispensáveis.
Mas, Sr. Presidente, todas estas questões terão de ser objecto de mais oportuno e desenvolvido debate durante a discussão na especialiade. Quis apenas acentuar agora a sua oportunidade e a influência que, no meu modesto critério, elas podem vir a ter no bom funcionamento e harmonia dos poderes do Estado. E, por isso, termino, com a certeza de que o debate clarificará estes graves e actuais problemas de política nacional, por forma a permitir uma votação que satisfaça as aspirações gerais do País e que contribua para o progresso e perenidade das instituições corporativas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: o interesse provocado pela reforma constitucional em debate está bem patente nos projectos apresentados por vários e ilustres Deputados, que assim quiseram colaborar com