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1142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

Foco este aspecto apenas porque do que no parecer se diz sobre o projecto do Sr. Dr. Afonso Pinto se podem extrair curiosos argumentos em abono do meu ponto de vista.
Não vou, no entanto, fazer agora uma análise pormenorizada do que no parecer se diz sobre este ponto.
Observarei apenas:

1.º Que a fl. 713 do parecer se admite como solução que nesta matéria se poderia compreender a de existir um tribunal de garantias constitucionais ou a de atribuir a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis a uma alta instância judiciária e que a fls. 724 e 725 se defende o principio de manter dispersa essa competência por todos os tribunais;
2.º Que a fl. 713 se considera inadmissível - é a expressão usada - que todos os tribunais de todas as instâncias e de qualquer natureza tenham competência para conhecer da inconstitucionalidade das lei e a fl. 725 afirma-se ser inconveniente a solução de admitir que seja praticamente uma única instancia a decidir da aplicação ou não aplicação de determinada norma arguida de inconstitucional;
3.º Que a fl. 713 se argumenta contra a minha proposta com a incerteza e insegurança jurídica que resultariam de facto de serem todos os tribunais a conhecer da constitucionalidade das leis e a fl. 725 afirma-se que não parece ser necessário assegurar na matéria da inconstitucionalidade um grau de uniformidade jurisprudêncial que transcenda o que se julga suficiente quanto à generalidade dos pontos de direito controvertidos nos tribunais e que não é de deplorar que a uniformidade possível de julgados só venha a conseguir-se pela via dos recursos e, de qualquer modo, também pela lógica formação de correntes jurisprudênciais.

Entre estas divergentes afirmações do parecer interpõem-se apenas cerca de doze páginas.
Queiram VV. Exas. fazer o favor de procurar entender «isto».
Pela minha parte, prefiro não tentar ensaiar hipóteses explicativas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como a Assembleia não é constituída só por juristas, talvez valha a pena pôr com nitidez a questão que se debate.
Segundo o nosso sistema constitucional, os tribunais, quaisquer tribunais, podem conhecer, como está consagrado, do que se chama inconstitucionalidade material ou de fundo.
Para dar uma ideia, a todos acessível, do que isto quer significar direi: quando se trate de uma disposição ou de um conjunto de disposições que ofendem um preceito constitucional, quer tais disposições estejam contidas num decreto-lei, quer numa lei, trata-se de inconstitucionalidade de fundo ou material. Assim, buscando um exemplo ao acaso, segundo o texto constitucional, não é permitido o confisco de bens. Se numa lei ou num decreto-lei se estabelecer que em certa hipótese é permitido o confisco, esta lei ou decreto-lei é inconstitucional, porque estabelece um princípio contrário a outro que está contido na Constituição e que respeita ao regime jurídico de fundo de uma relação jurídica.
Portanto, uma tal disposição, ou esteja contida num decreto-lei, ou esteja contida numa lei, é inconstitucional. Ou esteja contida num diploma emanado da Assembleia ou esteja contida num diploma emanado do Governo, é inconstitucional, e os tribunais, quaisquer tribunais, podem conhecer, e devem conhecer, desta inconstitucionalidade. Só desta inconstitucionalidade, nos termos da disposição vigente, os tribunais podem conhecer. Não podem conhecer da inconstitucional formal ou orgânica. Isto é, não podem conhecer da inconstitucionalidade que resulta de se não ter seguido na emanação da lei o processo constitucional que deveria seguir-se, ou de a lei que, por hipótese, só podia ser expedida por um órgão constitucional ter sido expedida por outro órgão constitucional.
Não se trata, portanto, de disposição ou de um conjunto de disposições cuja aplicação conduza a uma solução contrária à admitida na Constituição, a uma solução contrária aos princípios nesta estabelecidos.
Trata-se de uma disposição ou de um conjunto de disposições que - por hipótese e para não complicar - tem a sua fonte num órgão que constitucionalmente não era competente para a emanar ou expedir. A solução estabelecida - suponhamos que o diploma é do Governo - se estivesse contida numa lei formal ou fosse expedida pela Assembleia era constitucionalmente correcta. A solução, portanto, se se admitir a possibilidade da arguição da inconstitucionalidade formal, só não é aceitável porque em vez de provir do órgão. A proveio do órgão B. Pelo nosso sistema constitucional vigente a possibilidade de conhecer da inconstitucionalidade formal ou orgânica dos diplomas promulgados pelo Presidente da República não é admitida.
Como VV. Exas. não ignoram, há outros diplomas nos quais frequentemente aparecem disposições de carácter normativo. Estamos habituados a vê-las em portarias e mesmo em despachos. Mas estas portarias e estos despachos não são promulgados pelo Presidente da República e, portanto essas normas podem ser atacadas de formalmente inconstitucionais ou ilegais. Quer isto dizer que as normas contidas num despacho ou numa portaria não prendem os tribunais. O tribunal fica livre para interpretar a legislação por maneira a concluir que aquela portaria ou aquele despacho são ilegais.
Vê-se, assim, que o que está em causa, quando se invoca a inconstitucionalidade formal ou orgânica, não é a correcção constitucional da solução de fundo de uma relação jurídica; é - para não confundir refiro-me só à inconstitucionalidade orgânica - um conflito de - competência entre o órgão A e o órgão B ou, restringindo, entre a Assembleia Nacional e o Governo.
A solução do Sr. Deputado Carlos Lima é de que os tribunais devem, poder conhecer da inconstitucionalidade orgânica quando se trate de matérias da exclusiva competência da Assembleia. Se se aceita o principio, não se vê porque só destas. Como se disse, do que se trata é de resolver um conflito de competência. Hoje esse conflito só pode ser resolvido pela Assembleia; segundo a proposta de alteração poderia também ser resolvido pelos tribunais.
Deve aceitar-se tal solução? Creio que não. O contrário seria admitir que os tribunais resolvam uma questão prévia de carácter eminentemente político antes de resolver a questão de fundo. E não me parece que deva atribuir-se aos tribunais uma tal competência.
São estas, Sr. Presidente, as razões que me julguei obrigado a produzir no sentido de não dever ser aceite a alteração proposta pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Tenho dito.