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4 DE JULHO DE 1959 1141

os tribunais a fazer a fiscalização da constitucionalidade das leis.
E, sendo assim, justificada fica a proposta que está em discussão.
Algumas objecções opõe, no entanto, o parecer da Câmara Corporativa a tal proposta.
A inconstitucionalidade orgânica ou formal - diz-se no parecer - não tem, ou pretende-se que não tenha, relevância no domínio dos direitos e interesses dos cidadãos, tendo antes um alcance meramente político, que implica com as funções e prestigio da Assembleia. Sendo assim, não se justifica que os cidadãos disponham da arma contenciosa em que se cifraria a possibilidade de invocar a inconstitucionalidade formal, estando antes indicado que seja apenas a Assembleia quem possa apreciar infracções constitucionais que fundamentalmente a ela atingem.
Supondo que as coisas eram assim, a verdade é que subsiste de pé o argumento há pouco desenvolvido no sentido de vincar que devem ser os tribunais, como órgãos isentos de prejuízos políticos e independentes, quem deve conhecer das questões sobre constitucionalidade das leis. A tese sustentada no parecer implica ser a Assembleia, porventura ferida no sen prestigio, juiz em causa própria, o que de modo algum constitui garantia - muito pelo contrário - de isenção e imparcialidade nos julgamentos.
Tanto bastaria, segundo creio, para a condenar.
Depois, não se me afigura exacta a afirmação de que as infracções ao artigo 93.º da Constituição não têm relevância nos interesses dos cidadãos.
Por um lado, a estes nunca pode deixar de interessar o equilibrado funcionamento e coordenação eficiente dos órgãos da soberania, não pode deixar de interessar a consistência da estrutura política em que vivem, nem o respeito da respectiva lei fundamental.
Por outro lado, a verdade é que o conteúdo de uma lei pode ser diferente - e até muito diferente -, consoante o órgão da soberania de que dimane, e quanto a esse conteúdo não há dúvida de que tem relevo no âmbito dos interesses dos cidadãos. Quer dizer, ainda que o vício da inconstitucionalidade formal quando olhado em si mesmo não tivesse, como se pretende, reflexos nos interesses dos cidadãos, o certo é que pode tê-los indirectamente, e isto na medida em que a lei afectada de tal vicio seria - ou poderia ser - diferente se emanasse do órgão competente.
Acresce que, pelo menos em parte, a razão de ser da reserva de certas matarias reputadas mais importantes para a competência legislativa exclusiva da Assembleia deve residir precisamente na circunstância de se lhes assegurar um regime jurídico, porventura, diferente daquele que o chamado executivo, solicitado por motivos de conveniência ou comodidade, poderia ser tentado a gizar para as mesmas matérias.
Aliás, se devesse raciocinar-se à base da ideia de que as soluções jurídicas sempre são as mesmas, seja qual for o órgão de que provenham, nenhum alcance ou significado atendível teria a preocupação de fazer destrinças de competência quanto ao exercício da função legislativa. Porque tais destrinças se ao fim e ao cabo as leis sempre seriam iguais?
Portanto, e em resumo, a inconstitucionalidade formal pode ter, ao contrário do que no parecer se diz, reflexos de relevo nos interesses dos cidadãos.
Por outro lado, segundo o parecer, a modificação que proponho ao § único do artigo 123.º e que agora se discute já poderia compreender-se se o conhecimento da inconstitucionalidade formal coubesse apenas a um alto tribunal, e não indiscriminadamente a todo e qualquer tribunal perante o qual o problema seja suscitado.
Esta observação mostra que, afinal, o parecer está muito mais próximo da posição que defendo do que à primeira vista poderia julgar-se.
Vejamos:
A alteração que proponho seja feita ao § único do artigo 123.º apenas interfere e implica com o problema de saber se a fiscalização da inconstitucionalidade formal deve competir a um órgão político on a um órgão jurisdicional, orientando-se no sentido de submeter aos tribunais casos dessa espécie de inconstitucionalidade que actualmente são conhecidos pela Assembleia.
Designadamente, essa alteração não toca naqueloutro problema que enunciei e que se cifra em saber a qual tribunal, em função da respectiva hierarquia, deve caber a fiscalização da inconstitucionalidade.
Quer dizer, a sugerida modificação nada inova no que respeita à questão da competência em razão da hierarquia em matéria de inconstitucionalidade.
Sob este aspecto, limitando-se a subtrair certos casos de inconstitucionalidade - os resultantes da infracção do artigo 93.º da Constituição - à disciplina do § único do artigo 133.º e a reconduzi-los no regime do corpo deste artigo, redunda a modificação em causa em submeter esses casos, no que diz respeito ao problema da competência em razão da hierarquia, à solução actualmente vigente e que desse artigo 123.º deve extrair-se.
Ora, segundo a orientação que se me afigura ser melhor, o texto do artigo 123.º não exclui o sistema de centralizar a competência para o julgamento da inconstitucionalidade num tribunal supremo.
E, sendo assim, cumpre concluir que a aprovação da modificação que sugiro não impede que venha a consagrar-se a solução de atribuir a competência para conhecer da inconstitucionalidade a um alto tribunal, não impede, por conseguinte, que tal modificação venha a ser desenvolvida no sentido que o parecer já considera mais aceitável.
Em face do exposto, creio que não convencem as as razões no parecer aduzidas contra a posição que defendo.
Anotarei ainda que há uma razão a invocar em abono do artigo 4.º do projecto que profundamente me impressionou.
Trata-se de uma razão de ordem prática, a qual se cifra na constatação de que a fiscalização da inconstitucionalidade por órgãos políticos, comuns ou especiais, se tem revelado quase sistematicamente ineficaz. Constitui isto um incontestável dado não só da nossa experiência constitucional, mas também da de outros poises.
Por este motivo, e porque foi meu desejo rodear das necessárias garantias de efectivação prática as demais soluções que propus, entendi que devia propor também a alteração que agora se discute, e que se me afigura constituir uma dessas garantias.
Assim, segundo creio, esta alteração é essencial e básica na economia do projecto, apresenta-se-me como o natural complemento das ideias que o dominam e uma das pedras de toque da respectiva relevância prática.
Reputo, por isso, fundamental a sua aprovação.
Feitas as considerações que acabo de desenvolver, mais nada em rigor precisaria, pelo menos para já, de acrescentar.
Permito-me, no entanto, chamar a atenção de V. Exa. para um outro ponto. Se bem se reparar, o parecer para se pronunciar simultaneamente contra a alteração que proponho seja feita ao § único do artigo 123.º e contra a que o nosso colega Sr. Dr. Afonso Pinto propôs fôsse introduzida no corpo do mesmo preceito teve de mover-se em panos de fundo integrados por ideias que se afiguram por vezes quase contraditórias, ou pelo menos dificilmente harmonizáveis.