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11 DE MARÇO DE 1960 355

(...) o tempo medir-se pelo espaço de uma oração. E creio que à alma do poeta, luminosamente trespassada pela luz divina, grato lhe seria que medíssemos o tempo de silêncio que lhe e dedicamos, pelo menos, pelo espaço de uma ave-maria. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado!

(Nesta altura assumiu a presidência o sr. Deputado José Soares da Fonseca).

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: com a morte de António Correia de Oliveira perderam a Academia de Coimbra e o Pais aquele quintanista perpétuo de Letras que. em florido Maio de 1930, ganhara, no enternecido júbilo e espontânea aclamação dos escolares, tão singular distinção.
A misteriosa identificação que deu espírito, verdade e beleza ao fulgor dessa hora renasce, em nossos corações, quando o mistério ofuscante da morte se dilui ao encontro da sobrenatural perenidade da poesia.
E nem a solenidade desta casa ousa infundir respeitos humanos que logrem transformar em tímido balbucio a nossa gratidão a quem, na cintilação expressiva da sua estesia, compôs inexcedível sinfonia cósmica da Terra Portuguesa.
No tempo em que António Correia de Oliveira partiu para a inebriante aventura da poesia o desalento fingido fascinava o coração de muitos poetas. Agora, quando chegou ao termo da jornada, pôde verificar como a náusea e o pessimismo niilista alimentavam a desolada inspiração de outros tantos.
Nele, porém, a comunhão da terra e do céu humanizaram-lhe o verbo, numa mensagem plena de alegrias simples, aprofundada nos fecundos eflúvios da dor.
Para a minha desbotada juventude, a que só a saudade do tempo dá a ilusão de persistir, esta foi a principal mensagem do poeta: num inundo onde se instalou-o tédio ele cantou a graça sobrenatural das origens; na comoção de uma angústia indeterminada o seu espirito e a sua carne nunca traíram o essencial.
A sua lírica vibração não se deixou embalar pelo êxito fácil das efémeras modas literárias. E pese, embora, aos que procuram enclausurar a vida num arracionalismo cabotino ou na sujeição a mitos satânicos, a poesia de António Correia de Oliveira, pela elevação dos motivos e sua expressão vernácula, resplandece na ara luminosa das harmonias eternas.
Conheceu, de resto, a consagração das academias, a apoteose do povo. as homenagens da Nação inteira. Quem não recorda, num frémito todo cheio de patriótico orgulho, a sua esplendorosa viagem ao Brasil? Aí, no deslumbramento dos caminhos da história, identificou-se, em culto de saudade heróica e varonil, com o corpo místico da raça.
A evocação da trajectória luminosa de António Correia de Oliveira faz-nos remontar às origens, onde o mundo social se confunde com a família e o povo e a alma, liberta de preconceitos, ganha entendimento no regaço terno da Terra.
Doar-se-ia a uma visão mística e transfiguradora da mãe-natureza, e tal como outro dos grandes poetas portugueses de todo o sempre, Teixeira de Pascoais, embalar-se-ia na concepção saudosista da Saudade.
Mas foi a agonia da sua geração, na macerada expectativa da agonia da Pátria, que reacendeu a ascensão para as alturas. O retorno ao lar e ao povo, na exaltação das terrenas simplicidades, constituiria aconchego na superação de angústias, enleio no dealbar de fecundas esperanças.
A dor faria ressurgir o Poeta, e na doce paz da transfiguração cantou a alegria transcendente da dor.
A fidelidade ao secreto desígnio das almas que regressam predestinou-o ao serviço da ortodoxia católica, em poemas de altíssima inspiração filosófico-religiosa, arrebatou-a num sentido de missão que lhe granjeou a justa fama de «Poeta da Pátria e da Fé».
Sr. Presidente: a obra de António Correia de Oliveira constitui precisamente um testemunho daquele espírito de missão que agita tendo o homem que vem a este mundo.
O Poeta não pecou contra a Luz.
Na humilde aceitação dos mistérios do Génesis e da Redenção, cantou os altos destinos do homem liberto.
O Poeta consumir-se no amor à humanidade.
Nó afã d« comunicar nos outros os bens de que sua alma partilhava nunca traiu a virtude da tolerância; no repúdio das paixões particularistas não obliterou a fraternidade.
Quem melhor do que ele vibrou na espontânea homenagem aos simples e à Mulher?
O Poeta identificou-se com a Pátria.
Por sua graça refloriram os campos, repicaram os sinos, chiaram os carros de bois e, ao som estridente de cantigas, o amor fez vibrar os corações dos jovens, na alegria descuidada das desfolhadas. Por seu louvor se ergueram os Santos, os Heróis, o Povo e os líeis, todos os que fizeram Portugal, e, na opulência da fala que Deus nos deu, agigantou-se a epopeia portuguesa, no prenúncio de novo resgate.
Por tudo, Sr. Presidente, honremos a memória do Poeta. E, protestando continuar Portugal, saibamos completar o seu sonho de transformar esta terra amorável na mais formosa de todas as terras.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: não se estranhará que também eu haja pedido a palavra para recordar o poeta.
De um grande poeta português se trata. E de um poeta nascido em terras da Beira, «austera e boa», junto ao Vouga, «rio de milagre, cujas águas rasas» são «espelho da montanha e clareza suavíssima do vale»; nado e criado naquelas terras de Viseu, que tenho, a honra de representar nesta Casa.
Isto dito, de antemão justifica os minutos tomados à presente sessão de trabalho e me justifica a mim da sem-cerimónia com que me substituo ou antecipo a quem melhor saberia empregá-los.
Sr. Presidente: António Correia de Oliveira morreu a 20 de Fevereiro de 1960. Logo, porém, o comum das gentes se apressou a descobrir que o lírico imortal vivia como se há muito tivesse morrido para o Mundo e para este tempo, que já não era o seu.
Talvez fosse como dizem. Mas se há verdade incontestável, está em afirmar que o refúgio minhoto do poeta em nada se parecia com a decantada torre de marfim, soberba e displicente, onde se cultivam ressentimentos ou esquecem agravos, antes se assemelhava ao humilde cenóbio do eremita, que prefere ao convívio alteroso dos homens, ao «tumulto do túrbidas e vãs mundanidades», a contemplação das maravilhas criadas e, também por elas, da grandeza imensa do Criador.
Por isso mesmo, o seu isolamento só bem o compreendemos se lhe conhecemos bem o ambiente e lhe descobrimos toda a intenção. Em tudo há razões e preocupações de uma alma religiosa.