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Assim, no Diário de Lisboa de 22, sob o titulo «O drama do Ribatejo», encontramos as apreciações seguintes: «No Ribatejo é quase sempre assim durante a inclemente época das tempestades: campos de lavoura inundados, caminhos intransitáveis, povoações incomunicáveis, habitações arruinadas e muitas centenas de pessoas sem trabalho. Essa gente, causticada pelo sofrimento, há muito se habituou a encarar a desgraça com certo sentido filosófico. Que se pode fazer? ... Quando será que os homens abandonarão tantas ideias inúteis e desastrosas para criarem o processo de dominar os elementos do modo a tornar possível o crescimento normal das searas e das vinhas e a actividade de todos?».
Também O Século, no dia 22, referindo-se ao flagelo que estava assolando o País, e em especial a zona ribatejana, dizia: «O rio Tejo volta a subir, o que torna grave as perspectivas da vida agrícola na região ribatejana», escrevendo a seguir: «A situação, tão crítica, da lavoura da região volta a agravar-se, pela sucessão das cheias, e o seu prolongamento causará irremediáveis prejuízos».
Por sua vez, o Diário de Notícias publicou larga reportagem fotográfica das vastas campinas e das povoações atingidas pela cheia e, referindo-se aos importantes prejuízos sofridos pela lavoura, acentuava que «a economia da região regista já elevados prejuízos», salientando a situação aflitiva dos trabalhadores rurais, a braços durante semanas com o desemprego resultante da paralisação dos trabalhos agrícolas.
No Diário Popular de 24 o noticiário seguia-se a este título, em que não há o menor exagero: «Tem efeitos calamitosos para a lavoura ribatejana a grande cheia do Tejo».
E o próprio Diário da Manhã, referindo-se à cheia no seu número de 25, escrevia; «No Ribatejo a situação continua grave ... Dificilmente se poderá calcular o valor dos prejuízos já causados pelas cheias ... Na maioria das estradas a "circulação rodoviária encontra-se interrompida ... Todo u Ribatejo vive assim momentos de desolação ...».
Sr. Presidente: o objectivo que. me moveu n evocar neste momento o que sofreram, e estão sofrendo, as populações ribeirinhas do Tejo e seus afluentes como consequência das inundações não é outro senão o de solicitar, através desta Assembleia, onde devem ter voz franca e alta os interesses e aspirações do País, solicitar, digo, a atenção do Poder e dos serviços estaduais competentes - aliás sempre prontos a atenderem esses interesses e aspirações - para algumas providencias oportunamente pedidas e que, sem conseguirem evitar de todo a calamidade das inundações, poderão atenuar em grande parte as suas desastrosas consequências.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma das características do nosso feitio português - todos o sabemos - é a facilidade com que esquecemos os males e crises logo que uma nesga de céu azul substitui o negrume do temporal.
E, assim, pareceu-me conveniente não deixar que se achem mais apagadas na nossa memória as recordações da calamidade sofrida, para lembrar a necessidade de procurarmos evitar, tanto quanto possível, os aspectos mais graves da sua repetição no futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tal aponto a necessidade de se iniciarem desde já algumas obras, de fácil realização e moderado custo. que atenuariam, e em muitos casos evitariam, os vultosos prejuízos que a lavoura ribatejana e, consequentemente, a economia nacional sofrem, quase podemos dizer todos os anos, com as cheias.
Começarei por referir, em especial, duas obras de modesto vulto oportunamente planeadas u aprovadas superiormente que. apesar disso, não chegaram a executar-se e cuja falta muito se faz sentir. Efectivamente, já há cerca de quatro anos foi nomeada por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas uma comissão, a que tive a honra de pertencer, para estudar as medidas convenientemente para assegurar o transito nas pontes do Ribatejo, em especial as quais acabavam de ser construídas e constituíam tão valioso benefício com que o Governo de Salazar dotava o País e a região ribatejana: as pontes do Porto Alto e da Vala Nova. Essa comissão estudou e propôs algumas pequenas obras complementares, que viriam tornar mais efectiva e permanente a utilização das referidas pontes. Uma delas resumia-se em elevar de uns 80 em o aterro que atravessa a várzea de Samora, entre esta vila e a sede do concelho - Benavente -, assim como a abrir sob o aterro passagens para o devido escoamento das águas. Por carência desta pequena obra, verdadeiramente insignificante comparada com a que se fez, aterro e ponte, fornam-se, por assim dizer, inúteis quando a cheia, como agora mais uma vez se verificou, atinge certo volume, cobrindo a estrada e impedindo o trânsito por ela interrompendo as comunicações entre as duas vilas citadas e, ainda mais, suspendendo o enorme tráfego que através dela se faz entre Vila Franca e Santarém, para o Norte do País e ainda do Norte para a região de Setúbal e todo o Sul do País.
Além disso, por falta das convenientes passagens de água sob o aterro, este transforma-se num muro ou dique fechado à passagem das águas da cheia, fazendo-as recuar e espraiar por toda a várzea.
Desta forma se inutilizaram sementeiras já feitas e só prejudicaram terras apta para a cultura, tudo isto podendo ser evitado desde que as águas tivessem escoamento pelas aberturas praticadas no aterro.
Uma outra obra da mesma natureza, também de pequeno vulto, foi proposta pela comissão que citei: o alteamento do aterro de acesso à ponte da Vala Nova. Tal como se passa com a anteriormente referida., consiste esta obra em subir uns 0.60 m, numa extensão de cerca de 100 m, o indicado aterro, a fim de tornar possível em ocasiões de cheia o acesso à ponte, difícil, perigoso ou mesmo impossível nas circunstâncias actuais. E também, como sucede com o aterro da várzea de Samora, a efectivação dessa pequena obra, fácil e pouco dispendiosa, simples complemento do muito mais difícil e caro que foi realizado, traria valiosos benefícios para a região e para a economia nacional. Na verdade, custa a admitir que o Estado tenha feito as importantes obras das pontes citadas e continuemos há anos aguardando a efectivação das obras complementares.
Impossibilitado, ou, pelo menos, arriscado, o trânsito, para quem de Vila Franca demanda Santarém ou o Norte pela estrada do Porto Alto, Sanara, Benavente, etc, poderia, como recurso, dirigir-se o tráfego pela estrada de Pegões, Santo Estêvão, Benavente, recurso que implica mais umas dezenas de quilómetros de percurso, mas que muitos adoptariam se ... (cá temos o tremendo «se» das nossas insuficiências) o trecho dessa estrada que liga Santo Estêvão a Benavente não só encontrasse, como se encontra, em lastimoso estado, que com a recente invernia muito se agravou.
Para modificar a situação económica da região e fazer subir o nível de vida das classes trabalhadoras não resta dúvida que só pelo desenvolvimento industrial se poderão vencer ou, pelo menos, minorar as crises de trabalho ali tão frequentes. E como já várias (...)