23 DE MARÇO DE 1960 481
O Orador: - Entre os clubes de província e os grandes é assim.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O desportista precisa da carta de desobrigação, hoje quer seja profissional ou amador. Uma vez munido dessa carta, oferece os seus serviços a qualquer clube, e, naturalmente, vai prestá-los ao clube que lhe oferecer melhores condições.
O Orador: - Mas, normalmente, quando o jogador é desejado ainda está em condições óptimas, e, nessa altura, aquele que o detém não lhe dá a carta de desobrigação, vende-a. Deste modo, o clube que adquira o jogador pela simples assinatura de uma ficha pede depois 150 ou 200 contos pela venda da referida carta. Isto não é o negócio de um atleta? Eu sei do facto de um clube receber 100 contos e mais a realização de um jogo pela carta de desobrigação de um atleta que só recebeu 2 contos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu conheço isso tudo. Mas isso tudo em nada altera o que eu disse. Uma coisa é a carta de desobrigação, outra os processos mais ou menos confessáveis que se desenvolvem para ela se obter. O que eu afirmei refere-se ao momento em que o atleta já tem a carta de desobrigação...
O Orador: - V. Exa. parte de uma premissa falsa; é que o atleta não consegue munir-se da carta de desobrigação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quando se entra no domínio do profissionalismo legal, que não existe em Portugal, pois o que existe é profissionalismo de facto, o que discuto é se realmente se deve ou não deve dar-se ao desportista, ao atleta, no fim de cada época, a possibilidade de libertar-se, sem qualquer espécie de consideração ...
O Orador: - Ainda lá não cheguei. Se V. Exa. me dá licença, parece-me que afinal estamos de acordo. Vou ter essa mesma opinião. Termina a obrigação do jogador quando terminar o seu contrato.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas V. Exa. diz no fim de cada época.
O Orador: - Se nào tiver havido acordo.
Sei que tais situações são iguais para todos, mas atrevo-me a pensar que talvez fosse possível modificar este estado de coisas, de forma a ficar, do mesmo modo. igual para todos e até para o jogador. Este escolherá, ele próprio, o clube onde actuar. É evidente que haverá a época própria para a realização das transferências e só durante ela o atleta terá oportunidade de mudar a sim representação ou até a sua classificação. Este decidirá se deve ou nào ingressar na categoria de profissional, assumindo as inerentes responsabilidades e os correlativos benefícios. Ele decidirá, se for já profissional, e findo que seja o período para o qual foi fixado o acordo, se deve manter ou mudar de representação. Uma vêz que, como é lógico, qualquer das partes é sujeito de direitos e obrigações durante a vigência do acordo, lógico me parece que no termo do período da sua validade ambas as parles adquiram completa liberdade de escolha, isto é, o jogador pode ou não continuar no mesmo organismo desportivo, como melhor entender; o organismo desportivo pode ou não estabelecer novo acordo com o seu antigo profissional, como julgar mais útil as seus interesses desportivos. Por consequência, neste ponto, concordo em absoluto com a recomendação que a Câmara Corporativa formula de não restringir ao praticantes amadores a faculdade de no fim de cada época desportiva, escolherem o organismo que desejam representar.
Um outro ponto que se me afigura digno de ser debatido é o da importação de jogadores estrangeiros para actuarem nos agrupamentos desportivos nacionais. Aceito que esses valores no desporto sejam realmente dignos de figurar nos quadros de profissionais do desporto português; todavia, gostaria de acreditar na impossibilidade de formar, a partir das classes de juniores, profissionais tão brilhantes e tão eficazes como aqueles de cuja importação temos usado... e abusado. Parece-me que se tem descurado a preparação extra-escolar das categorias que deverão, tanto ou mais que as escolares, servir como alimentadoras daquelas em que actuarão os profissionais. Não afirmo que as organizações desportivas, sejam elas quais forem e dentro das suas possibilidades, algumas bastante reduzidas, não possuam pequenas escolas, cuja função é digna dos maiores louvores, mas custa-me a crer que não seja possível promover um mais completo aproveitamento das possibilidades dos desportistas portugueses. Com enormidades que se têm pago em transferências, «luvas», gratificações e outras formas de remuneração indirecta, quantas escolas de desporto não funcionariam! Não seria mais produtivo, pelo menos para o futuro? Não tornaria o futuro do desporto mais prometedor?
Não me move qualquer animosidade contra os jogadores estrangeiros que actuam em agrupamentos nacionais, sòmente me desgosta que, em contrapartida, e que eu saiba, só dois jogadores portugueses actuem em organizações estrangeiras. Afigura-se-me que da análise dos factos só duas conclusões são possíveis: ou os desportistas nacionais são manifestamente incapazes de atingir a bitola de Bom, de acordo com o consenso geral, o que não acredito, ou não são ensinados desde início como mandam as regras, para atingirem na altura própria a indispensável virtuosidade. E assim somos levados implicitamente a concluir: se já afirmámos que a juventude escolar recebe preparação adequada e dispor do equipamento e do material necessário para a prática do desporto, então é a juventude extra-escolar que dela está privada ou a não recebe em moldes convenientes. Porque nos não listam dúvidas de que a juventude escolar, em esmagadora percentagem, logo que finda a sua preparação académica ou abandona a prática do desporto ou a mantém por amor ao próprio desporto, se a juventude extra-escolar o não faz, é porque naturalmente nunca conseguiu alcançar a craveira desejada para o poder fazer. Esta será, em meu entender uma das principais razões que justificam tão grande importação de desportistas estrangeiros para actuarem em grupos nacionais.
Era, pois, mais que oportuno que ao regulamentar-se o funcionamento dos desportos, se trabalhasse no sentido do máximo aproveitamento de todos os que sentem vocação para a sua prática, dando-lhes possibilidades de se aperfeiçoarem, de aprenderem o essencial, de se disciplinarem. Parece-me ser ainda ao Ministério da Educação Nacional que compete corrigir o que estiver errado, emanar directizes, congregar boas vontades, coordenar actividades para bem da desporto nacional.
Sr. Presidente: ao apreciar na generalidade o projecto de proposta de lei n.º 506, ao qual dou todo o meu apoio, por reconhecimento das louváveis intenções do Governo, solicito, desde já, a melhor atenção da Assembleia para alguns pontos que considero capitais, embora só na especialidade possam ser discutidos. É o caso