21 DE ABRIL DE 1960 689
mento do que os Ministros, a quem podem, porventura, estar subordinados e a quem compete a responsabilidade, de coordenar e dirigir todo o sector de que a empresa é uma mera unidade! Seria consaagrar uma autêntica subversão
De resto, quando as remunerações ultrapassam determinado escalão, estilo em desproporção com o rendimento do agregado nacional e com o teor de vida do povo português.
Ofendem os quadros de uma justa sobriedade, acentuam os desníveis sociais, desencadeiam antagonismos de classe, sobressaltam a consciência cristã do País, numa palavra: criam problemas morais, sociais e políticos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, diz-se, há um escol cuja competência e forçoso remunerar em termos especiais, sob pena de se assistir a uma deserção prejudicial.
A observação assenta em dados discutíveis e, em relação ao projecto, é puramente marginal.
Chega a ser pitoresco concluir pela existência de um escol que nasce com a vocação irresistível para administrar empresas (risos). E o mais singular é que esta vocação parece ter tendência para só despertar e irromper depois que foi do Governo ou alcançou projecção política. É essa estranha coincidência que alarma a opinião pública e avoluma a suspeita de se estar a gerar uma subordinação do poder político ao puder económico.
Com inteiro realismo, anota o Prof. Afonso Queiró que «a designação dos membros dos corpos gerentes não é sempre, notoriamente, fruto de opções de carácter económico-administrativo, quer quando se trata do assembleias gerais a elegê-los, quer quando se trata da administração pública a indicar os seus representantes».
Há, de facto, quem seja escolhido pelos seus méritos. Mas é inegável que muitos são atraídos para as empresas por meras considerações e conveniências de ordem política.
Não se fale, pois, em competência excepcional; quando uma grande parte dessa competência se traduz em obter facilidades, aquietar obstáculos, lograr privilégios ou, mais rasamente, conseguir que as repartições públicas se abram à sua frente como o Mar Vermelho se abriu diante de Moisés. (Risos).
É este o conceito de tráfico de influências, abordado e verberado pelos oradores que me precederam, que gera a desconfiança política e um primeiro traço de descrença nus homens, nas ideias e nas convicções.
Avisadamente se criou no projecto um regime de incompatibilidades, com o intuito de proteger os nossos valores da acusação, ou da suspeita, de fazerem da política uma indústria.
Quanto ao perigo de deserção do referido escol de competências, provocado pela limitação dos proventos, é a própria Câmara Corporativa, um tanto contraditoriamente, que nos garante não ser de esperar, visto que «os assalariados superiores, ou de circunstância, não são movidos exclusivamente pelo proveito material»!
Haveria, assim, neste ângulo, segundo ensina a Câmara Corporativa, factores subjectivos, designadamente de orgulho social, perfeitamente suficientes para travar a evasão. Pelo que, ao fim e ao cabo, o projecto não tem os inconvenientes, derivados do limite das remunerações, que a Câmara Corporativa parecia inculcar.
Sr. Presidente: pelo artigo 40.º da Constituição são consideradas contrárias à economia e moral públicas as acumulações de lugares em empresas privadas.
É tradicional a repugnância da nossa legislação pela acumulação de funções. E compreende-se. O sector do trabalho deve estar organizado de molde a que cada indivíduo exerça, exclusivamente, uma profissão, devotando-lhe todo o seu esforço e capacidade, procurando aperfeiçoar-se e contribuindo, assim, com o seu grão de areia para a elevação da própria comunidade.
A melhoria do rendimento profissional interessa ao bem comum e exige que se criem os pressupostos necessários para a incentivar.
Ora as acumulações são factores de crise de trabalho, na medida em que impedem o escoamento de novos valores, desanimam as aspirações legítimas, fecham possibilidades aos que pretendem iniciar a, vida. Para além de uma sombra social, desabrocha, assim, um novo tipo de desmoralização profissional, que convém desalojar.
Mas premissas estabelecidas no parecer da Câmara Corporativa não cabe a justificação das acumulações.
Com efeito, se os cargos de gerência absorvem totalmente a capacidade de trabalho dos que os desempenham, a acumulação torna-se impossível.
Se, pelo contrário, exigem uma fracção, por vezes mínima, da capacidade de trabalho, a acumulação seria revoltante, por se traduzir, afinal, numa mera acumulação de vencimentos. Qualquer das hipóteses repele, portanto, a tese das acumulações.
É certo que no Decreto-Lei n.º 26 115 foram admitidas certas acumulações, mas «a título excepcional», e mesmo assim cercadas de restrições. Basta ver que numas o cargo acumulado era exercido gratuitamente e noutras não lhe era atribuído vencimento, mas apenas uma gratificação.
Ainda neste capítulo, o projecto de lei em debate é largamente tributário da orientação fixada pelo legislador de 1935.
As acumulações representam, na realidade, um desregramento, uma quebra da ordem natural das coisas. Podem defender-se teoricamente, mas não à luz das realidades de um País em que tantos pretendem somente viver e pedem apenas possibilidades de trabalho.
Não se deve esquecer que a harmonia, da sociedade resulta também de um saudável equilíbrio profissional. E não é de mais recordar aqui, outra vez, a síntese lapidar do Mostre, já tão repetida no decorrer deste debate: «É doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo; mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário».
Impõe-se, pois, acordar aqueles cujo espírito de justiça e compreensão a hipnose do dinheiro pareço ter adormecido ...
Resta, finalmente, fazer referência a um aspecto que não pode passar sem um reparo, visto atingir os signatários do projecto e todos os que, como eu, se solidarizam com ele.
A ninguém é lícito afirmar que as reclamações da opinião pública sobre as questões em debate se inspiram em sentimentos menos elevados do que aqueles que se proclamam. Porque de duas uma: ou os signatários do projecto não mediram este significado do rumor público e é uma deficiência mental; ou viram-no e então aderiram conscientemente a sentimentos menos elevados. Sublinhar publicamente uma deficiência mental é uma incorrecção; mas imputar a adesão a sentimentos menos elevados é pior porque é uma injúria.
Achei estranha a voz desta pedagogia. Mas, ao analisá-la melhor, reconheci que vinha dos confins do tempo, era uma resistência ultrapassada e apenas se impunha como símbolo vivo de uma época morta. Não tinha, com certeza, outro tom a voz que outrora se ergueu no Restelo a desanimar as naus que se aprestavam para partir, carregadas de fé e de esperança.