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694 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

uma especiosa distinção, que, temos de confessar, chegou a entrar nos compêndios de moralistas (mais moralistas que canonistas, como tantas vezes ouvi dizer na Universidade gregoriana ao meu ilustre professor Félix Capelo), veio ferir em muito a doutrina tradicional.
Porque a pareceram muitas leis em que se proibiam actos sob pena de multa, as mais das vezes desproporcionada ao delito, concluíram alguns que, nestes casos, o legislador não queria obrigar em consciência os súbditos, mas visava sòmente a multa. Classificaram estas leis de meramente penais.
Quem não vê o perigo que tal distinção pode acarretar e de facto acarreta à sociedade?
Se não ha obrigação em consciência, todo o cuidado do cidadão estará em fugir à pena, sem que lhe possa ser pedida qualquer responsabilidade moral, por mais vultosa que tenha sido a infracção.
Assim, por exemplo, o contrabando, de funestas consequências para a economia da Nação.
Este arbitrário conceito de lei meramente penal, além da injúria que faz ao legislador, arranca por completo à lei o seu fundamento, que é ser regra de razão, para a tornar pura ameaça de pena, autêntica tirania.
Como a, maldade dos homens é grande e grande também a sua faculdade de sofismar, não será difícil, a coberto de tão falaciosa teoria, encontrar justificação para a violação de leis de verdadeiro conteúdo ético.
A lei ou obriga em consciência e vincula por si própria o cidadão, antes de qualquer interveniência externa, ou não obriga em consciência, e já não é lei.
Para melhor concretizar estas ideias citarei Abílio Martins, num artigo publicado na Brotéria:
«Pagar os impostos justos, equitativos, criteriosos, não é uma exigência externa apenas; é um dever moral, um acto de justiça. De justiça distributiva; de justiça comutativa, em boa parte; quase sempre, sobretudo tratando-se de ricos, de justiça social». (...) «Fugir sistematicamente ao cumprimento das leis fiscais, supostas, justas e equitativas, (...) é cometer um roubo, um crime social. É roubar às escolas, aos hospitais, aos empregados, aos pobres».
Julgo, Sr. Presidente, não me ter desviado muito do fulcro do pensamento um que se firmam as bases do projecto em causa.
Apresentei doutrina que não é minha - pobre do mim! -, mas da igreja católica, inspiradora e defensora da civilização de que justamente nos orgulhamos e cujos benefícios tão amplamente usufruímos.
Ao materialismo brutal que ameaça destruir toda essa conquista do espírito, alcançada à custa, de tanto sacrifício e abnegação, oponhamos os ensinamentos- pontifícios, gravados profundamente nas nossas obras, e venceremos a batalha.
Muitos não os têm compreendido ou nào os querem compreender, por seu mal e para seu mal, voltam-lhes as costas como outrora o fizeram os Judeus a Cristo, dizendo: Durus est hic sermo!
Lembremo-nos de que a vida é muitas as vezes dura só porque a não sabemos viver. Ela é tão cheia, de encantos e alegria para os que a vêem de cima para baixo, com os olhos do mesmo Deus, que as dores e angústias, a própria morte, são palpitações de beleza em visão sobrenatural!
Deixem os homens os seus egoísmos ferozes e sintam-se mais homens pelo amor aos seus irmãos.
O avarento de riquezas vive em contínua inquietação; com os cofres cheios de ouro, traz o coração insatisfeito, porque quer mais e sempre mais.
Verdadeiro Tântalo junto à fonte sem poder dessedentar-se! ...
Nós, Portugueses, temos ainda a correr, qual rio benéfico, um cortejo de benemerências que nos legaram os nossos maiores, fruto da virtude sublime da caridade que tão bem sabiam praticar.
É dever nosso engrossar esse caudal, tornando-o mais vivo e mais actuante, na convicção segura de que contribuímos para o engrandecimento da Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rocha Peixoto: - Sr. Presidente: o assunto que há dias se debate nesta Câmara parece-me já estar devidamente dilucidado.
A justificação do projecto de lei que pretende, se não resolvê-lo, pelo menos saneá-lo, foi feita com superior critério e em nível não vulgar: serena, honesta, justa e inteligentemente. As opiniões após despendidas vieram apenas confirmá-la e robustecê-la. A essência do seu conteúdo e ao esclarecimento do objectivo a que visa nada mais se pode acrescentar que não sejam redundâncias, ainda que alguns aspectos e vários pormenores possam ser encarados de outros pontos de vista, aliás sem modificação sensível da perspectiva até agora focada.
Não venho, pois, trazer mais luz ao projecto de lei em causa, demais que alheio por tendência e preparação a determinados aspectos dele, apenas considero o assunto debatido nos seus efeitos políticos e fatais implicações de natureza social.
Nem, mesmo sob este ângulo de visão sujeitarei a Câmara a penoso sacrifício: limitarei a minha modesta e despretensiosa intervenção a breves palavras.
Entendi, porém, que em assunto de tal monta, ditai repercussão na consciência moral e política do País, nào deveria definir o meu modo de ver com um simples gesto mecânico de posição, isto é, levantando-me ou ficando sentado.
Acresce ainda a circunstância, especialmente relevante, de estar em causa o prestígio desta Assembleia. O referido projecto de lei inicia, se bem que já tentada. uma salutar reacção a certos e condenáveis desvios da moral administrativa, e não se vá supor que esta Câmara alija responsabilidades, se nega, ou sequer tergiversa a reprimir desmandos que, por serem, felizmente, muito poucos, não deixam de conspurcar o Regime, proclamado de sã e austera moralidade.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - É necessário que dos adversários para com todos nós se possa dizer o que ainda há pouco um jornalista italiano dizia ao eminente Chefe do Governo: «Os opositores não lhe perdoam o não terem nada que perdoar-lhe».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: frequentemente me perguntam amigos e simples conhecidos como se tem manifestado esta Câmara, fora da tribuna que agora ocupo, relativamente ao projecto de lei que está em discussão. Compreende-se que se referem às conversas do grupo, às confidências de amigos, às trocas de impressões, às críticas dos discursos pronunciados, àquilo, enfim, que não consta do Diário das Sessões. Percebe-se que lhes interessa conhecer o pendor da opinião mais generalizada. E seja qual for o teor da resposta, que em vão esperam, adivinha-se em todos um especialís-