776 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172
pecilho e embaraço para o futuro alargamento das estradas.
Era então Ministro das Obras Públicas o Sr. Eng.º Cancella de Abreu, um dos subscritores desse importante plano e, naturalmente, o seu principal inspirador. 11 eu não posso deixar de lhe prestar aqui a minha homenagem pelo espírito de clarividência que o inspirou na redacção do plano.
Essa zona de protecção ura, ;i meu ver, uma das melhores conquistas do plano rodoviário do tempo; mas, com o andar dos anos, aconteceu que, talvez por razões de humanidade, por transigências com o comum, com certeza (até porque somos naturalmente predispostos a concessões e a transigências), aconteceu, repito, que, por virtude de uma legislação posterior, essa disposição tão salutar tornou-se quase praticamente ineficiente.
Com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na Lei n.º 2037, que aprovou o chamado Estatuto das Estradas Nacionais, consignou-se, entre outras disposições, uma que me parece afectar, de uma forma muito viva, a eficiência prática daquela disposição do plano rodoviário de 1040, que, estabeleceu a zona de protecção non edificandi. Essa disposição do Estatuto das Estradas Nacionais consubstancia-se no artigo 107.º e dispõe sobre a possibilidade de ampliação ou modificação de construções de qualquer ordem existentes à face das estradas, sem se guardarem as distâncias respectivas, desde que se verifiquem certas condições aí previstas e especialmente desde que o proprietário assuma mediante termo de responsabilidade, registável na conservatória, o compromisso de não exigir indemnização quando porventura a estrada vier a ser alargada e a nova construção que tenha feito vier a ser demolida.
Criou-se assim no registo predial um novo título régistável, a que se chama mesmo «ónus real», mercê do qual e por exercício do qual se tem possibilitado neste país, em. meu critério, o cometimento dos maiores disparates em matéria de ampliação de edifícios e construções junto às estradas nacionais. Digo que foi com certeza por razões de condescendência com o comum, devido ao nosso espírito de transigência, que se permitiu a inclusão deste preceito neste estatuto; mas digo também que ele constitui um entrave grave ao alargamento tão necessário das estradas e, sobretudo, a que esse alargamento se possa fazer sem grandes encargos para o Estado ou até sem nenhum encargo para o Estado, desde que os proprietários, em obras de grande beneficiação dos seus prédios, não pudessem socorrer-se daquela disposição e tivessem de respeitar as zonas de protecção.
É que, Srs. Deputados, o estabelecimento deste princípio coincide exactamente com aquela época em que no nosso país tomou maior incremento o ritmo da construção e, assim, verifica-se actualmente que é raro o casinhoto, que se situava sobre a estrada, que não se tenha transformado numa casa de um ou mais andares, com o estabelecimento de novos ocupantes, e daí de novos frequentadores da estrada. E tudo isso se teria evitado se se mantivessem sem excepção as faixas de respeito previstas no plano de 1945.
Sr. Presidente: será difícil avaliar, do entre a avalancha dos acidentes de estrada, de que se verificam todos os dias no País trágicas amostras, o número exacto de quanto desses resultados trágicos, se devo u fraca, ou pequena largura das nossas estradas... mas não nos é difícil conceber quanto pode essa tragédia, que se avoluma dia a dia com o crescimento da população e o contínuo acesso às estradas, filiar-se na insuficiente largura das nossas vias rodoviárias.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - As construções só são possíveis depois de os respectivos proprietários terem feito o registo na competente conservatória, desistindo de qualquer indemnização, no caso de futuro alargamento da estrada.
O Orador: - Já tinha referido exactamente esse princípio. VV. Exa., decerto, não tomou atenção.
Julgo que, precisamente em matéria de construção de estradas, o problema mais instante, para evitar os contínuos desastres que nelas se dão, será promover, da forma mais rápida e, se possível, o mais economicamente para o Estado, o estudo dos seus perfis longitudinais e transversais e a execução imediata da forma desses perfis, e muito principalmente o alargamento dos respectivos leitos, única forma de as adaptar, de alguma maneira, à intensidade e ao volume de tráfego e do trânsito nos dias de hoje.
Mas este foi apenas um apontamento que se quis deixar consignado no sentido de se rever a legislação sobro esta matéria, no sentido de se adaptar essa legislação às conveniências da beneficiação das estradas, em ordem a que dela não resultem motivos de embaraços, mas, pelo contrário, possibilidades de satisfação da instante necessidade de se promover a sua beneficiação e, muito especialmente, o seu alargamento imediato.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Apoiado!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente, o que nos ocupa principalmente nesta emergência é exactamente a segunda ordem de considerações a que aludi - o péssimo estado de conservação das nossas estradas. E este deplorável estado é tão visível e clamoroso que não é necessário sublinhá-lo já mais, e, de resto, quando, como aqui foi, pelos oradores que me antecederam, tão evidenciado; e por tal forma que não pode restar à nossa consciência quaisquer dúvidas sobre a necessidade imperiosa de o remediar e de o resolver convenientemente.
Apontou-se, e bem, que o problema é principalmente um problema de dotações. Efectivamente, vem-se verificando, desde há anos a esta parte, que as dotações são insuficientes para acudir a todas as necessidades das nossas estradas.
Penso, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, embora se trate, no fundo, «de um problema de dotações», também se trata de um «problema da forma de aplicar essas dotações». Vemos construir, na generalidade, por maneira que a conservação das estradas não se torna barata nem facilmente praticável, e parece que urge mudar a orientação, prosseguir novos caminhos, construindo por maneira a reduzir ou, se possível, eliminar os grandes custos da reparação. Recordo o velho aforismo que diz que: «Quem se veste de ruim pano, veste-se duas vezes no ano», e penso que, na verdade, nesta matéria não nos temos vestido com o melhor pano. Efectivamente, parece demonstrado que os pavimentos a macadame e mesmo os pavimentos revestidos a betuminoso já não se adaptam, por forma eficiente, a um trânsito intenso e longo e estão continuamente carecidos de obras de reparação. E penso poder trazer aqui a esta tribuna um apontamento, filho da minha observação, que, embora sendo uma verdade que se mo afigura elementar, todavia não terá sido examinada e. sobretudo acolhida dentro dos serviços com aquela atenção e benevolência que, a meu ver, se impunha. Mas, a este respeito, permita-se-me um apontamento mais demorado: em todos os tempos as vias de comunicação constituíram elementos essenciais ao desenvolvimento e ao progresso das terras; mas nem sempre foram esses objectivos aqueles que determinaram a construção das grandes vias de comunicação ou até das vias mais secundárias, se bem que, como é óbvio, a sua existência