3 DE DEZEMBRO DE 1960 107
da moeda», aquele que se refere às duas maiores parcelas territoriais: Angola e Moçambique. Acerca delas, diz-se, as coisas são diferentes. Pois bem: não há dúvida que o são ... E são-no mais por vicissitudes históricas que por vontade dos homens.
Por muitos anos a expansão portuguesa teve por fulcro o desenvolvimento da Índia e do Brasil, particularmente do seu Nordeste, húmido, e as ilhas do Atlântico. A Índia, além da enorme curiosidade humana das suas civilizações, representa vá a possibilidade de comércio rico e ambicionado por muitos estados da Europa, bem como pelos Turcos, que viam pela acção portuguesa empalidecer o seu prestígio e comércio no Oriente. Exigia o contacto dos Portugueses com esta região grande dispêndio do homens: mercadores para as especiarias, militares que, impondo respeito aos Turcos, garantissem desenvolvimento económico, religiosos que ali implantassem fé nova. O Brasil, por outro lado. com as suas florestas, solos férteis dag várzeas, matérias-primas de subsolo, exigia esforços empreendedores, que absorviam capitais e grande actividade humana. Ali, ao contra rio da índia, mal se podia contar com a população autóctone; é assim que não só são necessários braços europeus, como se foram buscar à costa africana gentes que se fizeram trasladar para ali. As ilhas desertas do Atlântico profundamente humanizadas, funcionavam como autênticos laboratórios de experiências sociológicas, que se coroariam de êxito tanto na adaptação de homens e plantas a novos ambientes como no estabelecimento de relações humanas entre, colonizadores vindos da Europa e de África. No Brasil, o Africano seria também um verdadeiro colono, tanto se identificou com o novo ambiente e participou activamente na formação do novo país.
Eram a índia e o Brasil que absorviam os interesses e as preocupações dos Portugueses. O desenvolvimento e o seu progresso haviam de fazer-se com algum sacrifício - e esse foi o das vastas terras de Angola e Moçambique. De qualquer forma, nunca foram territórios abandonados, e algumas das mais notáveis páginas de acção colonizadora e humana podem ler-se naqueles territórios, como. por exemplo, os contactos que os Portugueses tiveram com as populações do reino do Coligo.
Quando o Brasil, por força de uma evolução inserida nos princípios que os Portugueses levaram para os trópicos e atrás analisados, como fruto maduro se separa de Portugal, sem que se tivessem quebrado os laços de sentimento e cultura que o unem a Portugal, todo o esforço da grei se voltou para Angola e Moçambique, cujas populações se apresentavam, consequentemente em meados do séculos XIX, recuadas em relação às dos restantes territórios ultramarinos.
Tão vastas áreas exigiam muita gente e capitais que o País só com muito sacrifício conseguiria. Promover o desenvolvimento económico e social das populações, sanear e povoar regiões desertas, colocar em contacto íntimo e humano brancos e pretos, extrair do subsolo as riquezas escondidas e ignoradas, abrir estradas e lançar caminhos de ferro à circulação dos produtos, dos homens e das ideias, era o vasto plano que se impunha aos Portugueses. Ë certo que desde os últimos anos do século passado até hoje não obstante o esforço colectivo da acção e da vontade de alguns homens que ao ultramar votaram o melhor da sua inteligência, como Andrade Corvo ou Paiva Couceiro, Norton de Matos ou Vicente Ferreira, e perante dificuldades conjunturais externas, como duas guerras mundiais, ou internas, tais como certa instabilidade política nos primeiros anos do presente século, a realização dessa ingente tarefa por várias vezes esteve
comprometida e com ela a articulação dos vários estímulos fomentadores do progresso.
Podem-se, por conseguinte, apontar erros de pormenor, erros que os Portugueses têm a consciência de ler praticado, mus ó preciso não esquecer que nunca, apesar deles perigaram as relações entre os vários grupos humanos em contacto; precisamente por isso, e este é um tacto concreto, não deparamos no ultramar com problemas sociais de turbulência nas relações entre os homens, ao contrário do que vai acontecendo em outros locais de África.
Ocorre-me agora um exemplo que, na sua simplicidade, reputo eloquente. Meses atrás estive na Guiné Portuguesa. Havia na cidade de Bissau uma «quermesse», ou melhor, e bem à portuguesa, um arraial, que funcionava para recreio da população uma ou duas vezes por semana: local de divertimento, onde existiam as clássicas tômbolas de feira e um pequeno recinto de dança. Uma noite também fui ao arraial, o espectáculo que ali encontrei impressionou-me vivamente. Cientes da cidade, de toda», as camadas sociais, de todas as cores e até de muitas religiões, confraternizavam em mistura colorida e animada.
Brancos e pretos, mulatos e cabo-verdianos, misturavam-se nas mesas e dançavam ao som de uma pequena orquestra crioula. E, nota curiosa, em determinado momento chegava o governador da província, que cumprimentou funcionários de todas as raças com a mesma simpatia e a mesma cordialidade de um autêntico português.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E eu perguntava uma vez mais, a mim próprio, se um espectáculo como aquele seria possível em qualquer nutra cidade africana que não fosse terra de Portugal.
Este tacto, descrito em tão modestos termos, é bem o símbolo da originalidade da política ultramarina dos Portugueses.
Sr. Presidente: disse originalidade e poderia ter dito norma, aplicando esta palavra na acepção em que a empregam os técnicos de estatística. Desvios à norma sempre se verificaram, mas uma política do acção, seja ela de que contexto for. deve procurar definir-se pelos seus cumes, e não pelos acidentes dos vales sombrios.
A normalidade de actuação dos trópicos acabou por imolar os Portugueses, uma vez que os seus paradigmas não podem ser confrontados. Esta singularidade não é compreendida em geral ou é vista tão-sòmente pelo que pode oferecer de especulação a mentalidades propensas a isso. Isolados por incompreendidos, é a Nação por si só que tem agora de fazer frente às dificuldades que se avizinham. Há que dar resposta aos que, nos criticam, e essa só pode ter base na autenticidade de propósitos. Quero eu dizer que. longe de os Portugueses se deixarem levar pela emoção que embarga a voz e trava quantas vezes o braço, hão-de procurar, com serenidade, não as medidas de circunstância, mas aquelas que, ditadas pela autenticidade de um passado, se desenvolvam em plano largo de realizações polarizadas no estreitamento de relações entre os homens. Ser autêntico é neste caso, saber o que se pretende continuar e estar atento não só às imposições do exterior, mas também aos desvios dos de dentro, que. por perturbação dos sentidos, ou até por cupidez, dificultem o alargamento dessa tradição de convívio com as populações de além-mar. Se o sistema português pode ter defeitos, o certo é que até à data não se vislumbra outro que ofereça a gama rica de aspectos que ele apresenta. Daí não ser necessário recorrer a qualquer figurino estrangeiro, venha ele aliciamento rotulado de África, da Europa ou da América; há que