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132 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181

Pátria, a grande divisão, o inultrapassável abismo, se há-de estabelecer entre os que a afirmam e aqueles que a negam.
Afigura-se-me haver claro entendimento dos Portugueses, mas não hasta, essa atitude e essa disposição, nem pode esperar-se que a explosão de sentimentos mantenha, a coesão fora de um perigo ou de uma ameaça. A coesão, como todos os sentimentais colectivos, antes há-de continuar sujeita à corrosão do tempo, das dificuldades, da luta pela vida.
É preciso que a compreensão dos Portugueses corresponda, igual compreensão do Governo, que não pode limitar-se a um tecnocratismo gerador do injustiças nem um administrativismo criador de cansaço.
É necessário que o Governo se aproxime do País, ausculte as suas preocupações, interprete as suas ansiedades, satisfaça, a sua sede de justiça, de justiça e de autenticidade. E urge que o faça, com profundidade e extensão, com vontade. Não só na, defesa da integridade da Pátria, mas também em tudo o mais do viver diário, é necessário que se fundam e interpenetrem governantes e governados.
É mais uma sobrecarga que se pede, a quem as tarefas administrativas e as preocupações próprias do momento já devem absorver por completo. É mais um sacrifício que se pede, mas, por mim, faço-o com a consciência de ser indispensável à persistência de uma, unidade nacional activa e coesa como o presente requer e o futuro exige.
Seria bem grave que se perdesse por culpa do País, mas não seria menos não se afervorar por culpa, do Governo.
Sirva-nos de lição o exemplo dos outros, exemplo dos governados, certamente, mas também dos governantes.
Sr. Presidente: feita esta pequena introdução requerida pelo momento, exigida pela minha consciência, mas também imposta pela lealdade que devo e pela verdade a que me obrigo, passarei a apreciar a proposta da Lei de Meios para 1961.
O relatório da proposta, sucessivamente enriquecido com novos aspectos e análises mais completas, facilita o trabalho da nossa Assembleia política, enquanto a dispensa de ser o meio de evidenciar perante o País as perspectivas e condicionamentos em que vai desenvolver-se a futura gestão do Estado e, consequentemente, em boa medida, a dos particulares.
A divulgação do relatório, que a imprensa publica e comenta com inteira compreensão do seu dever e da sua missão, faz que o País conheça, em todos os aspectos, o quadro da nossa vida económico-financeira e possa compreender o alcance das providências propostas.
À Câmara creio restar, assim, uma missão complementar, cuja é a de fazer incidir a atenção do público sobre os problemas de maior relevância e sujeitar a mais demorada análise as questões que constituem preocupação mais viva dos Portugueses.
De resto, no desconhecimento ainda do programa revisto do Plano de Fomento para o próximo ano, seria muito difícil a Câmara estudar a harmonia e articulação daquele com as soluções complementares anualmente previstas na proposta da Lei de Meios, não lhe sendo, pois, fácil ir além da apreciação do valor intrínseca e da importância autónomas destas providências.
Mais uma razão para que a apreciação política deva fazer-se no quadro que indiquei.
Referir-me-ei, assim, à situação angustiosa da lavoura e às providências propostas para acudir ao abismo criado pelo desigualíssimo desenvolvimento regional.
Pelo que se refere à crise da lavoura, cuja situação, com realismo e objectividade, o Sr. Ministro das Finanças apreciou no seu notável relatório, direi, Sr. Presidente, que a situação se não compadece nem com contemplações nem com paliativos. A crise é profunda e é extensa, vem de há anos, e de há anos se tem deixado a sua sorte ao azar dos bons anos agrícolas. Bastou, por isso, que dois maus anos se seguissem e a perspectiva de outro de mau cariz para que a sua debilidade se tornasse em agonia.
Disse «agonia» e não usei uma palavra de retórica, mas a que se ajusta à verdadeira situação das explorações camponeses, que têm de constituir o alicerce da vida agrícola e representam os elementos de estabilidade social de que nenhuma sociedade pode prescindir sem entrar em grave desequilíbrio.
Não serão estas explorações entre nós ainda tantas quantas deviam ser. Vícios de estrutura, deficiências de organização, falta de estímulos adequados, ausência de condições de sobrevivência razoável, estão na base dessa anomalia.
Esperemos que, no futuro, quando se alterar um certo espírito; se virem as coisas com mais realismo e compreensão humana; se praticar uma política económica mais nacional e menos tecnocrática ou mais económico-social; se tiver percebido não bastar a organização cooperativa para a comercialização e industrialização dos produtos estar na letra das leis, mas carecer ser vivida, em vez de contrariado, pela Administração; se decidir que a reconversão agrária é tão importante como a da indústria - então poderemos vir a ter a classe camponesa, reservatório de virtudes, de que o País urgentemente necessita.
Agonia das empresas camponesas; agonia fundada na impossibilidade de dispor de culturas económicas, de obter uma rentabilidade, que coloque algumas delas ao nível sequer do operário industrial ou do artesão das vilas; agonia resultante da asfixia progressiva das províncias, que têm visto fugir os mais capazes e os mais jovens - os melhores - em demanda de outras condições de vida, e desfazer uma a uma as esperanças do desenvolvimento local, sacrificadas inconsideradamente à comodidade, facilidade e gigantismo dos grandes meios.
Imensa tragédia essa, a de uma actividade em tormenta e declínio, que tudo tenta em vão, que desesperadamente só agarra ao torrão em que os vivos amam os mortos que lho legaram e forjam o amor dos vindouros.
A terra, onde o lavrador enterra a semente - escreveu Oliveira Martins - é a própria uma onda deposita os cadáveres. Em cada tempo há um túmulo, cada terra é a habitação dos vivos e dos mortos, fonte da existência de uns, sacrário dos restos de outros. Curvado sobre o arado, o camponês guia os bois, vendo no ar ondeante oscilarem as sombras dos avós que o precederam na faina rural.
A crise da lavoura não é só do camponês, é geral. É do proprietário que explora a terra por conta própria, seja médio ou grande lavrador, é do trabalhador rural, não obstante a ascensão manifesta dos salários, vincada em certas épocas de azáfama, quer pela característica permanente da oportunidade dos trabalhos, quer, principalmente, pela sua concentração em períodos que o tempo se tem encarregado de encurtar.
Disse de todos, mas não disse inteiramente bem. De todos os lavradores menos dos capitalistas da terra, que confiam a exploração - quer dizer, os riscos, as incertezas e as dificuldades - a outrem e recebem rendas, não raro exorbitantes, tantas vezes sem qualquer contemplação pelas dificuldades do abnegado cultivador, nem humanidade pelas desgraças com que os acidentes meteorológicos o têm mimoseado ou as adversas condições de clima o têm ferido de morte.