10 DE DEZEMBRO DE 1960 133
Agonia da lavoura que, lenta e sucessiva, durante anos, se tomou rápida, aguda, pela acção da natureza.
Quais as causas desta situação?
Muitas e complexas, mas algumas particularmente salientes.
Por um lado, a lavoura sofre o peso do esforço de industrialização do País, que sempre haveria de sentir, mas que exagerada, e desproporcionadamente a atinge na medida em que se optou preponderantemente por soluções de concentração, de grande intensidade capitalista, pelo financiamento, cada vez em maior grau, por autofinanciamento, e tudo se traduz em carestia, de quanto adquire frente à forçada estabilização, quando não real diminuição, dos preços agrícolas.
Até os encargos da previdência, que quase ainda não tem, são em grande parte transferidas para a lavoura!
Basta exemplificar com o que acontece com os adubos azotados. A lavoura tem de pagá-los por mais umas centenas de escudos por tonelada desde que seja abastecida pela indústria nacional. Basta recordar que pela translação dos impostos pagos para a previdência se transfere para o sector agrícola o encargo. Assim, a previdência, por exemplo, dos metalúrgicos é paga pelo lavrador no preço da charrua ou da simples relha!
Por outro lado, a política industrial, favorecendo ou consentindo a concentração industrial à volta apenas de um pólo de desenvolvimento - quando muito, de dois -, e o livre jogo de efeito acumulativo do desenvolvimento promoveram a estagnação das províncias e a emigração intensa das populações, ao mesmo passo que cercearam a expansão da vida e dos mercados locais, não deixando margem ao progresso das pequenas e médias explorações.
Estão publicados os números sobre a distribuição regional da população industrial, são conhecidos também os referentes ao êxodo rural e, particularmente, ao movimento migratório para a zona da grande Lisboa. Valerá a pena fazer comentários?
Nem refiro os números, nem os comento, por evidente desnecessidade.
Por fim, o fenómeno, deixado correr livremente, da forte concentração de rendimentos, que desde os começos da última década vem a agravar-se de ano para ano e tem por efeitos que a expansão do consumo a ritmo muito mais lento do que o produto, quer a frequência de negócios especulativos de terras (e edifícios), que perturbam a vida do agricultor, quer, enfim, a persistente contenção dos preços dos produtos agrícolas.
De tudo isto advêm as mais graves consequências para o lavrador, que, mantido até lia pouco num regime fechado de quase autoconsumo, subitamente foi lançado numa economia comercial aberta, que o preparou e o estimulou para a aquisição de toda a gama de produtos industriais, desde os adubos e fungicidas até às alfaias, ferramentas e máquinas, passando pelas comodidades.
Entretanto, tornado comprador e consumidor das novas especiarias, de ano para ano mais caras, forçado a novas despesas vultosas, viu, em contrapartida, descer, colheita após colheita, os preços relativos, e em muitos casos até nominais, dos seus produtos. A acrescer a isto, a elevação dos salários rurais, particularmente salientes nos dois últimos anos, vem trazer à lavoura mais um elemento de perturbação para a sua mais do que periclitante situação.
A natureza, impediosa ou cansada do desleixo dos homens, com os acidentes mais frequentemente verificados nos últimos tempos e a irregularidade climática, que vem a tornar-se desconcertante de há dois anos a esta parte, completou o quadro, e ouvem-se já os toques de finados de muitas e muitas explorações campesinas.
Mas terá a lavoura culpas na situação? Terá diligenciado defender-se do constante agravamento das condições da sua exploração? Por caminho certo ou não - e quem sabe ou lhe diz qual é o caminho certo? -, tem a nossa lavoura feito um esforço imenso de adaptação às novas condições, de modernização, de melhoria dos processos de cultura, ensaiado novas sementes, tentado desesperadamente novas soluções.
Com resultados positivos? Raramente com resultados satisfatórios, salvo em curtas explorações florestais e em algumas culturas industriais, limitadas no espaço e no número.
Culpa da lavoura? Não, já que vem fazendo o que pode e até o que não pode, com sacrifício da sua tranquilidade. Culpa das circunstâncias, cujo domínio não está ao seu alcance.
Pudessem os lavradores proceder como os industriais, responder à prática monopolista com igual política de venda dos seus produtos, e talvez a transferência dos rendimentos da agricultura para a indústria os não afectasse. Assim, sofrem as consequências, pagam os erros, suportam a segurança de uns e a comodidade de outros e vão ... «empobrecendo alegremente».
É essa a sua sina.
O Sr. Amaral Neto: - Já não alegramente!
O Orador: - E daí, «alegremente» talvez já não: sofridamente durante algum tempo, desesperademente hoje.
O mal não é só nosso, sabemo-lo bem, mas talvez o nosso não seja já um mal tratável, em muitos casos, e só dificilmente sarável, noutros; talvez seja mais profundo, mais agudo.
Não se esqueço, de resto, que o camponês francês, por desespero, era, em muitas zonas, aquele que mais constantemente votava comunista, por não poder votar pior.
Se a fome é má conselheira, que dizer do desespero? Pois há desespero entre os nossos lavradores!
É preciso agir urgentemente, sustando o prosseguimento da doença, aliviando sofrimentos, mas encarando de frente, corajosa e decididamente, o problema, antes que seja tarde, demasiado tarde. E por agora parece-me que não devo acrescentar mais.
Sr. Presidente: depois desta nota, que reconheço ser negra, carregada, mas que é real e actual, abordarei o problema dos incentivos ao desenvolvimento regional. Começarei por recordar que desde que entrei nesta Câmara tenho, insistente, repetidamente, proclamado a urgência e necessidade de agir neste caminho.
Depois de, há anos, termos discutido e aprovado, com júbilo, a orientação do Ministério das Obras Públicas pelo que respeita ao arranjo da zona de Lisboa, é agora o Ministério das Finanças que propõe medidas com um objectivo paralelo, que, antes de mais, devemos saudar com viva satisfação e confiante entusiasmo.
Ao Sr. Ministro das Finanças devemos, pois, um aplauso sincero e um agradecimento sentido. Louvado seja pela sua iniciativa e praza a Deus que possa encontrar nos outros departamentos a colaboração e compreensão necessárias ao êxito da política que vai iniciar-se.
Política de largo alcance que há-de exigir estudos, ensaios e impulsos animosos, tarefa grande como a dimensão dos desequilíbrios já existentes.
Em estudo recente do Dr. Santos Loureiro, assistente do Instituto Nacional de Investigação Industrial, concluía-se ser o indicador do poder de compra da população do distrito de Lisboa quase 3 vezes mais elevado