202 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 184
Simplesmente, estes historiadores que pretendem denegrir-nos quase se não referem a Filipe II, a não ser paro dizer que trouxera problemas fiscais e o seu ódio mortal aos Holandeses.
Quanto à derrota, à perda da independência, à pirataria desencadeada, no domínio estranho e à ausência de um governo de bem comum - nada!
Não se podo denegrir um povo, uma acção histórica, uma inovação, uma fase expansiva de crescimento e dilatação, com as lástimas e imprecações da literatura de cordel, recolhendo as queixas dos náufragos.
Seria ridículo promover a fontes da verdade histórica a princesa Magalona e o cavaleiro Rodamante.
O carácter elegíaco do povo português, o seu saudosismo, o sentido marinheiro de que o mar é seu inimigo fatal ou sepultura ingénita, o vexo da fatalidade, eram agravados pela derrota de África e da independência, e, sobretudo, por faltarem esperanças nos horizontes colectivos.
De Solis mostra que as carrucas e galeões vinham sobrecarregados de gente e de produtos, adornavam, a técnica, da Construção naval decaíra ou parecia decair, havia imprevidência, mas também, nestas pequenas cidades para cinco e sete meses de viagem, havia os acidentes fortuitos: as fúrias dos elementos e os piratas que infestavam Oriente e Ocidente.
Franceses, Mouros, Turcos, Ingleses e Holandeses, em torvo halali, açulavam-se contra os restos desprotegidos, contra as cidades e esquadras desacompanhadas.
Na, altura também os corsários sofriam perdas e naufrágios, também tinham a sua história trágico-marítima, mas ninguém a refere.
E, por isso, este capítulo da "lenda negra" não pode ser a condenação de um povo e, menos ainda, a história voltada do avesso.
Já no nosso tempo tivemos uma campanha, a coberto da Liga das Nações.
De 1935 a 1939 nova campanha difamatória e interesseira surge, à sombra da Dama do Lago - da Liga das Nações, que Deus haja.
É o tempo em que os países avançados andam divididos em ricos e pobres, em países fartos pela posse de territórios e países ávidos e esfomeados de terras.
Por muito incrível que pareça, Portugal, a Espanha e outros eram ricos, por disporem do áreas em outros continentes; pobres seriam a Alemanha e o Japão, porque, dotados de grande crescimento demográfico, não tinham o espaço necessário em terras para acomodar e fazer viver os seus excedentes populacionais.
À sombra - que parecia benigna, benemerente e romanceada- da instituição genebrina, se desenhou um movimento intelectual e político chamado paceful change: alterarão pacífica daquilo que está.
Tudo mudará e será executado pacificamente - os - possuidores serão despojados e os sequiosos e cheios de apetite cumulados e consolados do que lhes falta.
Professores, economistas ao serviço da comunidade internacional, intelectuais no começo do uma vida ambiciosa, políticos eufóricos, internacionalistas mais ou menos acreditados, levantam três questões e têm os olhos postos em nós, desenhando com as mãos cobiçosas um movimento de apreensão e domínio de bens alheios.
A primeira é a da redistribuição das matérias-primas - a obra do Criador, desigual ou caprichosa, seria corrigida, juridicamente; decretar-se-ia internacionalmente que as matérias a transformar pelos países industrializados fossem postas à sua ordem nos territórios alheios, fornecidas por preço de favor e garantidos o seu acesso e transferência, como se a outrem pertencessem e não aos seus donos.
A segunda é a da pressão demográfica - a existência de um óptimo populacional, que traria para os países de grande densidade e crescimento o direito de exportarem e colocarem imediatamente os seus excedentes nas terras vagas de além-mar.
Angola, Moçambique, a Guiné e Cabinda seriam zonas despovoadas, objectos de incidência, à espera e à ordem de alguns povos prolíferos, que em sua casa pareciam acotovelar-se, e, portanto, mostrar-se esfomeados da terra alheia.
A terceira era a do [...] - uma espécie de administração de herança jacente, que seria aplicada como mandato fiduciário aos territórios cobiçados e já objecto de mais largos e anteriores apetites. Portanto, fórmulas e pretextos jurídicos estavam vestindo e mascarando desejos incontidos e devoradores.
As nações dividiam-se.
Os fortes não se veriam fartos.
A tutela seria uma solução provisória, à espera de novos herdeiros.
Com tais pretextos se desenhou nos meios internacionais uma grave campanha mais contra nós, contra o Portugal de África; nos meios genebrinos, em certas conferências de estudos internacionais e nalguns círculos políticos, como a Conferência de S. Francisco, com o maior descaro se pretendia fazer das terras portuguesas a coisa sem dono para ser ocupada pelas potências dotadas de alta tensão demográfica, reclamando uma mudança de soberania e o alargamento dos mandatos da Liga das Nações.
Húngaros, italianos, franceses, utilizando nomes supostos, servindo-se de duvidosa identidade, escreviam contra nós - outros teriam por missão valorizar os territórios portugueses.
O ataque principal partiu de um professor de Lille, economista provinciano, liberalão e atrevido, chamado Bernard Lavergne, que começava por desviar os olhos dos territórios franceses, ou seja do próprio país.
Com as afirmações de que eram limitados os nossos excedentes demográficos e os capitais investidos na produção primária e, bem assim, acentuando a participação de estrangeiros nos caminhos de ferro, queria converter-nos em mandatários de seculares adversários do seu país - que acrobacia!
Todavia, este Lavergne, para não negar o espírito gaulês, afirmava por fim: "apesar das razões" ... "a sugestão tinha poucas probabilidades de sorrir ao Governo e ao povo português".
Mas nós reagimos galhardamente então.
A Constituição de 1933, o Acto Colonial de 1930 e a Carta Orgânica de 1933 continham princípios afirmativos que não toleravam o assalto nocturno e encapotado à casa alheia e a nossa política corajosa e firme pautava-se por eles rigorosamente.
Não renunciávamos aos nossos direitos históricos.
Não nos curvávamos às ultrajantes partilhas de túnica por mãos sacrílegas.
Preconizávamos o salário justo de concepção tomista.
Considerávamos o pioneiro, o desbravador, o comerciante do interior, as plantações e os empresários como realidades vivas e respeitosas.
O nosso escol dirigente pugnava pelas melhorias positivas da condição humana.
Entretanto operara-se uma modificação profunda na nossa cenografia política, e, em vez da vaga assinalada de descontentamento e turbulência, o País, como Lázaro, surdia e reerguia-se, dirigido pelo elevadíssimo espírito do Sr. Presidente do Conselho, começando por repelir o empréstimo externo, oferecido, regateado e sempre clausulado, da Dama do Lago, dessa donzela política.