454 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 201
Pelo que me foi lícito conhecer, tinham fundamento os rumores que corriam, e foram ouvidos em distintas partes comentando o desvio da marcha do concurso do seu caminho natural, o que propiciava um desfecho que se tinha como injusto. E foi o que sucedeu.
Então foram os rumores que me levaram a requerer o que requeri, e hoje são os factos que me levam a tomar novamente algum tempo à Câmara para os assinalar, com o propósito de solicitar providências no sentido de pôr cobro ou dificultar práticas que se mostram contrárias à nossa ética política e a uma verdadeira selecção de valores que se propõem servir o Estado, contra as quais não há recurso, por mais ilógicas e inconvenientes que sejam.
Permitem elas ofender e menosprezar indestrutíveis mérito; que outra defesa não têm a não ser aquela que reside na consciência e no são critério dos homens seleccionados para julgar do valor alheio e no daqueles a quem por lei compete despachar sobre as conclusões apresentadas.
Todos nós sabemos da falibidade do homem, por mais bem formado que seja, quando levado pelo emocional, que descontrola insensivelmente e o pode encaminhar contra a razão, tantas vezes o encaminha mesmo contra aquilo que é o seu verdadeiro interesse.
É sempre perigoso dar a alguém o direito de julgar discrie onàriamente. É isto que pode suceder nos tribunais constituídos por júris com o fim de julgar méritos em concorrência para o acesso a determinadas funções públicas ao abrigo daquilo que é ou se supõe permitido pelo regulamentado.
Deliberar por escrutínio secreto e lavrar nas actas sentenças sem serem fundamentadas pode levar a despachos iníquos se não se quiser ir além da matéria das actas. Tudo isto aconteceu!
Vou tentar ser explícito, limitando-me aos factos documentados no processo do concurso de maneira impessoal.
O júri do concurso foi constituído por cinco membros (podia também ser por três ou quatro), sendo três escolhidos entre os sócios efectivos e eméritos ou correspondentes de 1.ª classe da Academia das Ciências de Lisboa repare-se que podia, ser um académico de zoologia, mineralogia, botânica, química ou física, sem ter sequer a cadeira de astronomia das nossas Universidades ou de outra escola equivalente), o director e o subdirector do Observatório Astronómico de Lisboa e o professor catedrático de Astronomia da Faculdade de Ciência de Lisboa. Não havendo professor com esse grau académico, como já sucedeu noutros concursos anteriores, o júri reunia, segundo o Regulamento do Observatório, com três ou quatro membros, e nunca se foi buscar esse vogal fora da Universidade de Lisboa. Nota-se na constituição e nomeação do júri já uma deficiência e um passo legalmente desnecessário.
O exame das actas impressiona pelo seu laconismo. Nelas não consta uma só palavra sobre a apreciação do mérito dos candidatos em presença, apesar do muito que sol citavam dizer, nomeadamente os valiosos documentos apresentados pelo concorrente classificado em 2.° lugar e que constam do processo. Os documentos correram pelas mãos de todos os membros do júri, como se diz na primeira acta, de 3 de Junho de 1959, e por proposta do Sr. Presidente, para que a estes os pudessem examinar mais detidamente e melhor se habilitarem a formar opinião sobre os candidatos».
Era de esperar, depois desta recomendação e por se tratar de um concurso documental, em que os documentos são indiscutivelmente a peça básica do concurso, se tivesse debatido na segunda e última sessão, de 18 de Março (e 1.960, onde se classificaram os candidatos, o valor dos documentos - e transmitido para a acta os argumentos apresentados e produzidos em resultado do estudo feito, como era óbvio, por parte de quem tinha autoridade e competência para o fazer.
Preferiu-se guardar segredo acerca do juízo que cada um tinha feito dos candidatos.
Durante a sessão e antes da votação, que foi por escrutínio secreto, limitou-se o júri ao ouvir ler a relação dos documentos dos dois candidatos e de um ou outro desses documentos quando relativamente a eles algum dos membros pedia quaisquer esclarecimentos».
As actas de júris, de reuniões científicas e de outras onde se tomem resoluções são instrumentos públicos através dos quais se julga do merecimento ou legalidade das deliberações havidas. Nelas são exaradas todas as ocorrências de uma reunião de membros qualificados para o efeito, devendo por isso conter todos os pormenores que possam esclarecer os que tenham posteriormente de se pronunciar sobre elas.
Pouco ou nada disto se fez!
O júri foi nomeado em Abril de 1959 e a sua primeira reunião para apreciar os méritos dos dois concorrentes foi no dia 3 de Junho desse ano. A segunda reunião efectuou-se nove meses depois, no dia 18 de Março de 1960. Julgou-se de consciência fechada, lançando friamente na urna esferas brancas e esferas pretas; deste modo se concretizou na acta a decisão de um concurso para um cargo importante, que tem andado legalmente equiparado, desde a fundação do Observatório, em 1861, aos professores catedráticos das nossas Universidades. Estou informado de que durante quase um século de brilhante actividade do Observatório de Lisboa foi a primeira vez que se fez um concurso para astrónomo de 1.ª classe em que o resultado decisório fosse por escrutínio secreto.
Passo agora a referir-me ao que consta do processo sobre o curriculum vitae dos candidatos, com o intuito de permitir um confronto, guiado pelo volume de trabalhos apresentados e pelo que deles disse quem tinha saber para tanto.
O astrónomo classificado em 2.° lugar, e preterido por maioria de um voto, é, além de licenciado em Ciências Matemáticas e engenheiro geógrafo (o primeiro diplomado em Portugal), como o classificado em 1.° lugar, oficial muito distinto da arma de artilharia, à qual prestou, quando esteve no serviço activo e na situação de reserva, uma louvada colaboração científica.
Pôs à disposição do júri 37 trabalhos, alguns com centenas de páginas, autênticos tratados, de carácter científico, técnico e cultural. No seu curriculum vitae, também impresso, pode-se apreciar em detalhe a obra extraordinária deste cientista, que, para melhor elucidação do júri, pôs ainda à sua disposição mais de uma dezena de publicações nacionais e estrangeiras onde se fazem desenvolvidas apreciações aos seus trabalhos impressos. Juntou ainda, 33 documentos, na sua maioria atestados dos serviços passados por observatórios astronómicos portugueses e estrangeiros, pela Faculdade de Ciências de Coimbra, onde regeu o curso prático de aperfeiçoamento de astronomia, pela Junta de Educação Nacional e Instituto para a Alta Cultura, como bolseiro no País e no estrangeiro, por várias vezes, louvores e condecorações, etc.
E não se diga que predomina apenas o valor quantitativo dos trabalhos deste concorrente, classificado em 2.° lugar, que conta já na sua efectividade de serviço prestado ao Estado mais de 43 anos, sendo 34 na categoria de observador-chefe e astrónomo dos observatórios de Coimbra e de Lisboa.