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27 DE ABRIL DE 1961 847

e encanta, até sem se saber porquê. Que o digam todos os que, como eu, tiveram a dita de serem escolares da velha e sempre menina e moça Coimbra.

A sua leitura é como que um dedilhar das cordas da saudade. Por isso seria uma falta grave que a «Briosa» não comemorasse condignamente este primeiro centenário do seu cronista-mor, du cronista-mor do reino da Saudade. Aqui lhe deixo o alvitre, sem pôr em dúvida que assim seja, ou melhor, que assim se fará.

Foram muitas as crónicas que Trindade Coelho publicou em jornais e revistas de que era apreciado colaborador. Bem dignas são muitas dessas crónicas de ser compiladas em livro, que não desmereceria em originalidade e frescura dos outros dois que acabamos de referir.

Uma dessas crónicas, publicada na Revista Ilustrada, tem por tema uma visita que o autor fizera à sua terra natal, depois de sete anos de ausência. É das coisas mais belas e enternecedoras que tenho lido. Cito o seguinte passo para documentar o meu asserto:

... Lá cima, num recanto adusto de província, atrás das serras, num topo de montanha onde a minha terra demora, debaixo do meu céu ...

Eu bem sei que lhes não interessa, á minha terra, nem tâo-pouco o meu céu.

Muito menos as minhas árvores; muito menos os ninhos das minhas árvores; muito menos os pássaros desses ninhos - o canto e o voo e os filhos desses pássaros, o bairro e a trança e os ovos desses ninhos.

Mas Lisboa, sabem?, não é terra de ninguém! Os que são de cá não têm terra - perdidos, desnorteados, indiferentes no meio da casaria sem fim, no meio do uma população de acaso que os não conhece, que eles não conhecem; como se todos nessa hora acabassem de arribar de longe, dali, de além, de acolá, nenhum sabe donde, e, cumprido o fim da viagem, de movo abalam para longe - agora, logo, amanhã, sem um riso, sem um adeus, sem uma lembrança ...

E assim por diante, num desfiar de emoções e de saudades, num diálogo terno com as pessoas e até com as coisas, os animais, as árvores e os velhos objectos caseiros ...

Em breves traços evoquei o literato. Atentemos agora no profissional do direito. Foi um notável jurisconsulto, autor de trabalhos como Recursos Finais em Processo Criminal; Incidentes em Processo Civil; Código Penal Anotado; Legislação Penal Anotada; Código, de Processo Penal (proposta e relatório, em colaboração com o conselheiro Francisco Maria. Veiga, apresentado à Câmara dos Deputados na sessão de 6 de Março de 1899); Regulamento do Ministério Público, de que foi incumbido pelo Governo; Direito Romano - resumo das doutrinas de Waldeck.

Além destas obras, foi ele o autor de vários projectos de diplomas legais, por incumbência elos seus superiores hierárquicos.

Foi um trabalhador incansável.

Foi um dos magistrados do Ministério Público mais distintos do seu tempo, dotado de perfeita integridade e do mais ardoroso zelo no exercício da função, que para ele não consistia em acusar por sistema, mas em promover tudo quanto se lhe afigurava justo, até mesmo no interesse da defesa.

Animado desse princípio de justiça, conseguiu ele remediar um erro judiciário com o zelo de um verdadeiro apóstolo e depois de uma luta tenaz que durou meses.. Foi o caso célebre do Manuel Barradas, condenado à pena máxima, caso que serviu de tema para um dos seus melhores contos: «O Manuel Maçores». A propósito desse caso escrevia ele a um seu amigo:

O perdão do desgraçado Manuel Barradas caiu sobre a minha vida como uma grande bênção. Só ontem compreendi que não sou um inútil. A minha vida humilde, à custa da minha pobre humildade, teve ontem, perante a minha consciência e perante a consciência do meu trabalho, um lampejo extraordinário de vitória. Livrei um desgraçado, um meu irmão, um homem, dos abismos de um escuro poço que tinha 28 anos de profundidade!

28 anos tenho eu. Agora parece que a minha vida se duplicou. E sinto-me no entanto, mais novo, certamente porque me sinto mais alegre.

Que nobre exemplo esto do magistrado Trindade Coelho para todos os que abraçam a tão honrosa como espinhosa profissão do Ministério Público.

Mas Trindade Coelho foi, ainda, acidentalmente, um grande advogado, foi um orador eloquentíssimo, pela beleza da forma e elevação dos conceitos, profunda sinceridade e calor humano do seu vibrátil temperamento de artista e sua forte estrutura moral.

Isto tenho ouvido eu àqueles que tiveram o prazer de ouvir a sua voz e já o li em jornais do tempo.

Aludindo ele a um seu triunfo como advogado, traduzido no seu livro Dezoito Anos em África, em que cabalmente refutou todas as injustas acusações feitas ao conselheiro José de Almeida, escreveu em carta a Augusto Moreno o seguinte:

Meu querido Moreno: enternece ver como esta coisinha leve e pequena que eu tenho entre os dedos, e que me custou um vintém, ainda vale para as desforras da justiça o que não valem exércitos ...!

Como crítico literário, a sua probidade intelectual era tanta que o levou a queimar toda uma edição de um livro seu com cerca de 600 páginas, no próprio dia em que saía à luz, só por reconhecer, numa revisão final, que dentro desse livro se encontrava o encolhida, cheia de frio e de medo, a sua consciência literária». A este respeito diz ele na sua carta autobiográfica dirigida à escritora Louise Ey, tradutora dos seus contos para alemão:

Colhi em troca este aforismo: queimar um livro mau vale bem a alegria de escrever três livros bons.

Ninguém como Trindade Coelho amou mais o povo humilde, donde provinha e que procurou servir abnegadamente, pela educação. Para isso escreveu e divulgou gratuitamente milhares de páginas em livros e em folhetos.

Viu melhor que ninguém os vícios dos costumes políticos do seu tempo e causticou-os. Nunca foi um político de acção.

Por maquiavelismo, por intriga, pretenderam certos politicastros atribuir-lhe ideias que ele não professava, atentando assim contra os direitos do seu pensamento. Foi em reivindicação desses direitos que escreveu o livro que intitulou A Minha Candidatura por Mogadouro.

Nesse livro, hoje muito raro, há lances de comédia em três actos e um epílogo que exprime bem toda a sua náusea pela baixa política, por todos os ridículos e maléficos enredos dela, pela postergação dos superiores interesses da grei, do povo, de todo o povo, mas, sobretudo, do povo desprezado e esquecido da sua província, do seu concelho, que para ele era carinhosamente «os meus amores».