864 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 215
torções do sistema vigente, mas apenas o reconhecimento oficial de que - como no aludido despacho ministerial de Fevereiro de 1958 se lê - «se justifica a revisão dos princípios estatuídos na Lei n.º 2008, à luz da experiência própria e alheia ..-.».
E logo como é hábito, se nomeou luzida e grande comissão para os estudos que se anteviam necessários... Nos arraiais da indústria rodoviária começou a reinar grande expectação!
Já os anos gastaram a estrutura dos seus dias por mais de três vezes, e o sistema oficialmente reconhecido como incapaz de corresponder às exigências da necessária coordenação entre os transportes terrestres, longe de os atenuar, cada vez tem exacerbado mais os males e defeitos iniciais do sistema criado.
Como se efectivamente as solicitações da nossa economia não tivessem evoluído e não estejam hoje largamente aumentadas as necessidades da circulação das pessoas e dos bens; como se a rede de estradas não tivesse sofrido um melhoramento substancial; como se os povos das cidades, vilas e aldeias deste país que o caminho de ferro não serve - e tantas são - não tivessem hoje necessidade de muito mais deslocações; como se, ruma palavra, vivêssemos em mundo fechado, estático e restrito, em que nada evoluiu nem sucedeu, permanece imutável o sufocante condicionalismo que um dia foi imposto à indústria de transportes rodoviários pelo que concerne aos seus direitos.
Nele só variaram as exorbitantes obrigações, com os sucessivos agravamentos do regime tributário especial (aumentos do imposto de camionagem e imposto de compensação), aumento dos preços dos combustíveis líquidos, que, de 3$50 para a gasolina e 1$40 para o gasóleo, ficados por despacho ministerial de 7 de Maio de 1948, nos alvores da coordenação e que por ela foram tidos em canta, passaram por gradativas alterações, até atingirem 5$00 e 2$20 em 1956, pela Portaria n.º 16 058, que, a título temporário, criou um adicional de emergência sobre estes combustíveis, e que só em Janeiro de 1959 deixou de subsistir para á gasolina, que baixo para 4$30 o litro, subindo no entanto o gasóleo para 2$50, preço hoje melhorado por ter passado para 2$15.
Simultaneamente com a subida dos preços dos combustíveis, nomeadamente do gasóleo, e paralelamente com o sensível agravamento dos custos de vida, dos acessórios, reparações e demais encargos normais da exploração, também à indústria rodoviária foi imposto um agravamanto da tributação corporativa e dos salários com novos contratos colectivos de trabalho.
Mas, em nome dos sagrados ditames da defesa da actividade ferroviária, não se permitiu de nenhum modo à si a congénere rodoviária que pudesse actualizar os seus rendimentos.
As carreiras de serviço público para o transporte de passageiros, que tinham tido vida desafogada e por isso puderam criar modelares serviços, com boas viaturas, cheias de civilizada comodidade, e inverter muitas centenas de contos, e até alguns avultados milhares de contos, nas suas frotas, com todos estes aumentos de despesa, sem o consequente aumento de preço das tarifas, começaram a sentir dificuldades que nunca tinham conhecido e, perante a premente necessidade de realizarem maiores receitas, começaram a perturbar o equilíbrio existente com séria concorrência na parte da exploração que a consente.
A mesma necessidade fez nascer o desejo de se aumentarem os percursos das concessões, e isso tem perturbado igualmente o equilíbrio em que se vivia.
Pelo que concerne à indústria da camionagem de carga ou mercadorias, todos os relatados agravamentos do custo da sua exploração vieram tornar mais dura e mais aflitiva a situação precária em que esta vivia.
Oprimidos pelo sistema que assim lhes foi criado e que os tem compelido a uma exploração desordenada, de permanente sobressalto, os industriais deste ramo dispersaram-se, como que entontecidos, e com essa dispersão mais agravaram os seus males.
A procura incessante de ocupação para as viaturas, que é forçoso fazer trabalhar sem detenças, porque é necessário pagar, além de outras, as despesas mensais de impostos e da tributação corporativa, que são avultadíssimas, não permite o estabelecimento de preços suficientemente remuneradores e a justa repartição dos serviços.
Dons conhecedores das aflições alheias e sempre prontos a socorrê-las na medida em que isso se lhes torne rendoso, apareceram então os intermediários, principalmente no capital.
Esta fauna, que tem podido medrar graças ao sistema criado e à desorientação a que ele levou os industriais de transportes de mercadorias, é numerosa e actua de variadas formas, mas sempre sob o signo do vampirismo.
Ora, Sr. Presidente, tudo isto se tem feito e permitido em nome dos primados de uma obstinada defesa, que, pela forma como se está a processar, é, evidentemente, uma tremenda faca de dois gumes.
Efectivamente, na medida em que se condicionou e dominou a vida e se tolheu a expansão da indústria rodoviária de transportes, concedeu-se ampla liberdade à actividade transportadora dos particulares, certamente porque se não supôs que ela pudesse interferir perniciosamente na decretada coordenação.
Desta sorte, aos particulares, que apenas se sujeitaram aos comandos das regras de trânsito em geral, só ficou vedado na letra inexpressiva do artigo 8.º do Regulamento de Transportes em Automóveis, constante do Decreto-Lei n.º 37 272, de 31 de Dezembro de 1948, o transporte de mercadorias alheias.
Com base em tal definição, que desde logo se começou a sobrepor à classificação do artigo 1.º desse mencionado regulamento, tem-se entendido que nada obsta a que os particulares possam transportar as suas mercadorias sem qualquer restrição.
De tão magnânima liberdade se têm aproveitado estes, que, incentivados pela boa capitalização auferida só da isenção de impostos, criaram o seu próprio sistema de transportes, que cada vez mais se tem fortalecido, com nítida ofensa dos princípios da coordenação.
Aos que, na indústria ou comércio, ainda podem justificar em certa medida a existência de uma frota de viaturas acresceu um grande número de oportunistas, que se vêm dedicando, sob os mais especiosos artifícios, ao transporte fraudulento.
Por outro lado, está também generalizada a prática de certas empresas produtoras fazerem a distribuição lucrativa dos seus produtos nos centros consumidores em viaturas que adquiriram especialmente para esse fim e que circulam com plena liberdade de movimentos e sem nenhuns encargos específicos.
Assim, a larga actividade transportadora dos particulares, lícita ou ilícita, encurtou extraordinariamente o campo de acção dos industriais, estabelecendo uma opressiva e desleal concorrência, a todos os títulos injustificada, por ser antieconómica e anti-social.
Não podia essa concorrência deixar de influenciar também, e muito perniciosamente, a exploração dos transportes ferroviários.