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886 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 216

O Orador: - Na hora grave que o País atravessa não seria legítimo que nos perdêssemos em questões cuja solução está ao alcance dos homens de boa vontade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim termina, Sr. Presidente, por um acto de justiça que muito dignifica os homens que o praticaram, aquela pequena tempestade, que, diga-se de passagem, não transbordou o copo de água.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: são passados oito dias sobre a minha última intervenção nesta Assembleia, focando a situação de Angola e o problema nacional que por ela nos foi criado. São uns escassos oito dias; mas pergunto a mim mesmo se não teria passado tempo de mais sem que voltasse a lembrar a gravidado do momento que atravessamos e a necessidade de insistir na reunião de todos os esforços, voluntários ou não, para lhe acudir com a presteza que se impõe, forque é nacional o problema, não abdico de exigir pura a sua solução o contributo de todos os portugueses sem excepção, desde que queiram continuar dignos desse nome.

Aqueles que em Angola militam e se sacrificam pela causa cor mm têm o direito de exigir o esforço de todos os seus irmãos, a quem não pode passar despercebida a heroicidade do punhado de homens que, contra toda a adversidade, têm conseguido manter as escassas posições que circundam a vasta área do nosso Congo Central, onde continua a imperar a selvática fúria dos assassinos ébrios de sangue, que, instigados por criminosos ainda maiores, se entregam a impiedosas chacinas, sem dar quartel a mulheres e crianças.

Sem esquecer por momentos sequer esses bravos que lá resistem à sanha feroz dos bandidos que continuamente os atacam sem qualquer trégua, e com a presença na alma de todas as inocentes vítimas chacinadas em tão mágicas circunstâncias, relembro a sugestão do Jornal do Congo, que, apesar de tudo, continua a publicar-se em Carmona, de se decretar luto nacional por todos os que heroicamente pereceram em defesa da Pátria una. Ideia patrocinada por S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, aguarda momento que se considere oportuno; e Angola, em especial, espera também que se preste homenagem aos heróis mortos.

Mas apesar da justiça desse preito e do sentimento que o determinou, talvez devamos considerar desde já que teme s de prestar também, para além daquele, o galardão devido a todos os bravos, a todas as vítimas, na defesa dos ideais e do património comuns. Devemos talvez considerar a homenagem definitiva na forma de qualquer marco ou qualquer outra manifestação que, com carácter de permanência para todo o sempre, permita fixar a memória dos que caíram e dos que, ainda, lutando, demonstram a bravura, a vitalidade da raça que quer transmitir íntegro o património que herdou dos seus antepassados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quanto a mim, nenhuma melhor que a cidade de Carmona está indicada para guardar a sentida homenagem e a gratidão de todos os portugueses, pelo que fizeram os seus filhos e pelo que estão ainda fazendo, eles e todos os que os rodeiam.

Aqui fica a sugestão, ficando convencido de que encontrará o devido eco.

Estão em curso as medidas militares que hão-de restabelecer a paz e a tranquilidade indispensáveis ao prosseguimento da vida normal em Angola. Para se atingir este fim foram intensificadas as medidas que se impunham, e confiemos que em breve terão plena aplicação e que veremos os seus frutos. Enquanto isso, algumas posições tiveram de ser cedidas após estóica resistência, levada muito além do que humanamente se pediria e que, por isso mesmo, não foi possível manter. Confiemos, repito, em que o incremento das medidas tomadas em breve restabeleça o clima indispensável ao prosseguimento da obra dos Portugueses na sua província de Angola.

Ao mesmo tempo que prossegue este esforço no campo militar, há que volver os olhos para os problemas político-sociais, agravados pelos acontecimentos, cuja magnitude é difícil de se prever e que pelas suas incidências, pela sua complexidade, requerem um estudo atento e competente, aliado a uma vontade firme de os resolver; igualmente nos temos de debruçar sobre os problemas económicos - todos intimamente ligados e dependentes, exigindo rápidas e justas soluções. Não esqueçamos que muitas famílias foram destroçadas, quer de brancos, quer de pretos - e todos são portugueses -, impondo-se o seu reagrupamento, a reposição nos seus devidos lugares, o refazer das suas vidas, que se não consegue nem concebe sem ajuda. Castigados os culpados - os verdadeiros culpados, que há a destrinçar dos que o não são ou foram -, fica a tarefa de recuperar os muitos transviados, os muito susceptíveis de serem levados a tornar ao bom caminho, numa afirmação concreta da nossa tradicional política multirracial, tão perigosamente afectada.

Tenhamos fé nas nossas nunca desmentidas qualidades, que se reafirmarão logo que se restabeleça o clima próprio ao seu cultivo.

Mas não tenhamos ilusões nem descuremos os anseios legítimos de brancos e de pretos que esperam seja intensificada a obra que tem vindo a ser feita no sentido do desenvolvimento das suas condições de vida, da sua instrução, da educação e de uma maior justiça social.

Depois das convulsões como as que se estão dando em Angola, alguma coisa fica que é preciso extirpar: fica o veneno, a animosidade entre adversários confessos ou suspeitos, que só o tempo, a boa vontade de todos, os actos concretos de pacificação, terão o mérito de anular.

Para alcançar este alto objectivo, medidas a ele directamente ligadas terão de ser encaradas dentro das realidades, e uma há que requer completa e imediata atenção: a que, no seu conjunto, resolva a situação económica, tão duramente afectada.

Conquanto a concentração de todos os esforços haja agora de ser feita no campo militar, sem que se espere o êxito de que se não duvida, há que estruturar as medidas económicas em que assentará todo o futuro de Angola, como única base capaz de apoiar o seu progresso. Esta afirmação não implica, todavia, que não reconheçamos ou não tenhamos presente o que se tem feito e continua a fazer neste campo. Porém, os seus efeitos não se fizeram sentir naquela província, agora mais do que nunca necessitada de medidas de emergência, nem que hajam de ser revistas, passada que seja a crise.

Lembremos que há uma colheita, de café a fazer-se e é mister que se faça; há o problema cambial, cada vez mais agravado, tal como a imprensa se tem feito eco, quer em Angola, quer na metrópole.

Sr. Presidente: no que acabo de dizer não há factos novos, antes há repetição de problemas já por mim postos em destaque nesta Assembleia. Entendo, todavia, que, dada a gravidade da situação, não é de mais apontá-los, mesmo quando repetidos.