13 DE DEZEMBRO DE 1962 1553
já o são outras comunidades modernas, impõe-se a mudança radical da formação do nosso médico - da medicina curativa para a medicina global.
O projecto do Governo e o parecer da 4.ª secção da Junta Nacional da Educação são concordes na finalidade da escola: a preparação de funcionários de saúde, mas não vão mais além. No relatório do projecto nem uma única vez se fala na colaboração com a Universidade, apesar de se falar especificamente «na estreita colaboração com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge». Pretender criar uma moderna escola de saúde pública sem a colaboração entre esta última e a Universidade será pôr de lado uma das bases em que assenta a grande maioria das escolas modernas de saúde pública. Mais: criar uma escola sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde e até esperar um largo auxílio desta instituição - conforme foi acordado na assembleia geral, realizada em Genebra em Maio de 1960 (87) -, e começar por não seguir uma das dez principais recomendações (88) da sua comissão de peritos para o ensino pós-universitário da saúde pública (1961), seria um mau princípio.
Tão pertinentes são estas considerações que se pergunta porquê não criar a escola na dependência da própria Universidade, como se passou com a maioria das escolas congéneres estrangeiras?
Devemos confessar que nenhuma das nossas Faculdades de Medicina se interessou pelo ensino pós-graduado da saúde pública, porquanto se tem estado ainda a braços com o aperfeiçoamento do ensino do próprio estudante em higiene e medicina social, o qual em duas das Faculdades é feito sem que esteja ocupada a vaga do respectivo professor catedrático. Além disso, não existe em duas das Faculdades um departamento especializado para a realização deste ensino, não havendo também a mais pequena ligação com os serviços de saúde pública. Isto não quer dizer que não se tivessem feito esforços no sentido de resolver esse grave problema. Por exemplo, o conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa tem-se ocupado do referido assunto por várias vezes e tem diligenciado resolvê-lo, mas deparou sempre com a dificuldade de encontrar uma individualidade de reconhecido valor internacional que aceitasse o convite para o respectivo lugar de professor catedrático.
Há, todavia, um facto positivo (89), que, quanto a nós, explica a criação da escola no Ministério da Saúde e Assistência: ter este Ministério realizado já importantes e frutuosas diligências junto da Organização Mundial da Saúde. Assim, na última assembleia geral da Organização Mundial da Saúde, realizada em Maio de 1962, foi revelado que poderão ser previstas no orçamento da referida Organização para 1963 verbas destinadas a custear por um ano a permanência entre nós de dois professores escolhidos entre técnicos de língua portuguesa (brasileiros) ou de língua espanhola ou francesa (90). A estada entre nós desses dois professores seria renovada anualmente de modo a irem preparando os professores substitutos portugueses. Começar-se-ia por dois professores no 1.º ano, no ano seguinte dois, depois dois no 3.º ano, e assim sucessivamente. A Organização Mundial da Saúde, além disso, está disposta a conceder anualmente duas bolsas de estudo em escola de saúde pública estrangeira de reconhecido nível e a subsidiar ao director ou subdirector da escola portuguesa a visita às principais escolas congéneres estrangeiras. Deve ponderar-se que estes resultados se devem ao Ministério da Saúde e Assistência.
Em resumo, a Câmara Corporativa tem a opinião de que a escola deve ser criada na dependência do Ministério da Saúde e Assistência, mas que será necessária uma ampla ligação com a Universidade.
A par desta última ligação, outra há a estabelecer: a que diz respeito ao Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, por razões suficientemente expostas no projecto do Governo. E, como decerto não bastaria afirmar o princípio «se não se estabelecesse liminarmente a garantia burocrática da sua execução» - a colaboração com a Universidade e o Instituto ficaria simplificada (para empregar quase as mesmas palavras do projecto de 'proposta de lei) se os professores de Higiene e Medicina Social das três Faculdades de Medicina do País e o director do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge fizessem obrigatòriamente parte do conselho escolar da Escola Nacional da Saúde Pública, mesmo que nela não exercessem, por acumulação, quaisquer funções directivas ou docentes.
No projecto não se faz referência a um lugar de subdirector; a Câmara tem, no entanto, a opinião de que este cargo deve ser criado e por isso, no exame na especialidade, tratará da sua criação.
Da colaboração com a Universidade colher-se-iam largas vantagens para a escola e para a Faculdade de Medicina de Lisboa.
Cabe perguntar quais as vantagens que adviriam para as Faculdades de Medicina de Coimbra e do Porto?
Parece-nos que o funcionamento de centros de saúde polivalentes, em ligação com as cadeiras de Higiene e Medicina Social destas Faculdades, e a colaboração com a delegação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge no Porto, e no futuro com a projectada delegação do mesmo Instituto em Coimbra, seriam altamente benéficos para o ensino do estudante e do próprio médico do norte e do centro do País.
É evidente que não poderá funcionar uma escola de saúde pública em cada uma das três cidades. Em países que se equiparam ao nosso em possibilidades económicas existe apenas uma. Devemo-nos lembrar de que a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Finlândia e a Islândia projectam organizar uma escola de saúde pública comum.
Outra colaboração necessária de estabelecer será com o Instituto de Medicina Tropical, em ordem à preparação em higiene tropical do pessoal que se destine ao ultramar.
36. A 4.ª secção da Junta Nacional da Educação, zelosa das prerrogativas da Universidade, discorda de que no projecto da criação da escola se insista no carácter universitário que esta última deve ter. Na verdade, segundo as finalidades que pretende atingir, trata-se de uma escola para pós-graduados, destinada a diplomar sobretudo indivíduos com cursos universitários. Escolas deste tipo, que são de especialização, funcionam nos vários países fora ou dentro da Universidade. Estamos de acordo em que se acautelem as prerrogativas que tradicionalmente pertencem à Universidade, como seja a concessão de títulos académicos. De resto, o projecto refere-se apenas a que a escola concederá diplomas. Todavia, parece a esta Câmara que resultaria uma ainda mais estreita ligação com a Universidade, sem que fossem derrogadas as suas prerrogativas, se um médico com o curso superior de saúde pública se pudesse apresentar a prova de doutoramento
(87) N.º 2 do relatório do projecto do Governo.
(88) A terceira recomendação foi transcrita na íntegra no n.º 35.
(89) Comunicação pessoal feita pelo Sr. Ministro da Saúde e Assistência.
(90) Estes professores leccionariam durante um ano lectivo.