1580 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 60
Sr. Presidente: e acabo com a afirmação de que dou a minha aprovação ao projecto da Lei de Meios para o ano de 1968, pois contínua a merecer-me a maior confiança a acção dos nossos governantes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Serras Pereira:-Sr. Presidente: um problema se põe a quem se queira pronunciar sobre a proposta da Lei de Meios, e é ele o da escolha do tema a tratar. A amplitude da proposta, a sua íntima ligação com o sector económico, a perspectiva da conjuntura geral, a actualidade, que se apreende, da teoria económica e dos motivos centrais da problemática moderna da economia política, o seu transcendente significado político e ainda a presença do homem que a elabora levam-nos a salientar apenas alguns dos seus aspectos, em panorâmica geral.
É já tradição a Câmara pronunciar-se favoravelmente pela aprovação da Lei de Meios, não regateando, contudo, louvores à segurança com que é elaborada nem à probidade dos seus fundamentos.
Mas esta tradição não se deve interpretar no seu aspecto negativo, que é o conservantismo, antes, pelo contrário, deve ser analisada pelo que consegue transmitir em valores que fundamentam uma doutrina ou consentem a aplicação de uma ética.
Não se trata aqui do culto da tradição, transmissão histórica de formas históricas, mas daquela realidade subsequente que alimenta as instituições e vivifica as grandes certezas humanas. Se a frase de Santo Agostinho "o que se recebeu dos pais aos filhos se entrega" tem o significado de uma herança biológica, encerra, além disso, um conteúdo essencial de tradição, que é a obrigatoriedade que resulta de transmitir algo que anteriormente se recebeu, no sentido consuetudinário e cultural.
Não está, porém, em causa a análise do conceito de tradição, os seus aspectos estáticos e dinâmicos, nem tão pouco a profundidade quanto ao seu aspecto sagrado.
Foi o Sr. Presidente do Conselho que deu origem a essa tradição e a fundamentou. O País habituou-se naturalmente a contar com este conhecimento anual, como se de festa sagrada se tratasse e que todos os anos, na mesma data, se comemora.
No entanto, aplicando-se na análise da Lei de Meios o que ela inclui de acto institucional, o conceito tradição, é de algum modo enriquecido pelos elementos positivos que lhe advêm, ao ser apresentado, e desde então até hoje, o primeiro orçamento equilibrado. Não só se deu remédio a uma situação secularmente negativa como se criou também, em antecipação económica e financeira, um dos fundamentos essenciais do desenvolvimento equilibrado.
De facto, o equilíbrio financeiro, a solidez da moeda, a tributação social, o volume de investimentos, a disciplina nos gastos, o sentido de austeridade e, neste momento, e em primeiro lugar, a defesa nacional emprestam à proposta da Lei de Meios uma categoria e uma relevância tais que a situam no domínio interno, e nas naturais repercussões internacionais, como facto ímpar da vida política e financeira.
O Sr. Prof. Doutor Pinto Barbosa vem mantendo brilhantemente a tradição, enriquecendo-a sempre com elementos novos, ou seja, com a modernidade de novas formas de interpretação e de aplicação, com a inovação de sistemas e de avaliação de comportamentos, numa palavra, enriquecendo a tradição com a cultura que a cada passo se recria.
O relatório que antecede a proposta de lei divide-se em três grandes capítulos: os dois primeiros dão aspectos da economia internacional e nacional; o terceiro, a justificação da proposta. Mas é evidente que a justificação da proposta procura naturalmente na conjuntura económica externa e interna o panorama geral que possa com segurança preconizar a política financeira para o ano de 1963.
Seguiremos a mesma ordem.
Um primeiro aspecto aparece como dominante na evolução geral da conjuntura tanto da Europa Ocidental como dos Estados Unidos da América - a fraca expansão económica, com ritmo de crescimento idêntico ao ano anterior na Europa e com abrandamento nos Estados Unidos. As taxas de crescimento foram sensivelmente de 4,5 para a Europa e de 3,2 para os Estados Unidos. Motivos diversos explicam este comportamento da economia europeia e entre eles citaremos alguns, para maior elucidação: contracção dos investimentos privados, por diminuição de lucros das empresas; diminuição de stoks; escassez de mão-de-obra disponível, com o natural acréscimo de salários; aumento dos preços a retalho e por grosso.
Parece desenhar-se a intenção dos Poderes Públicos no sentido de estabilizar o nível dos salários, já que o aumento da produtividade não compensou a subida salarial.
Na economia americana: redução de stoks; fraca expansão do consumo privado; perturbações na bolsa provocadas pela política fiscal; fraca expansão da actividade industrial; evolução desfavorável do comércio externo, apesar da melhoria do déficit da balança geral de pagamentos.
No relatório que acompanha as Contas Públicas de 1961, uma das gestões financeiras mais brilhantes desde 1928-1929, afirma-se que o produto interno bruto aumentou 7 por cento em 1961 e 8 por cento em 1960.
O magnífico parecer da Câmara Corporativa a este propósito diz: "A conciliação da permanência dos princípios com a flexibilidade das soluções tem sido na verdade uma das características mais relevantes da política financeira portuguesa, que encontra recentemente uma das suas mais brilhantes ilustrações nos resultados da nossa política financeira nos dois últimos anos, a ponto de impressionar os próprios meios internacionais que nos, são adversos".
Estes números são para todos nós, portugueses, sinónimos de factos novos. Por um lado, são o fundamento da esperança, e, por outro, a acusação que porventura sobre nós pode cair se não cumprirmos plenamente o nosso dever.
Os elementos que mais contribuíram para esse aumento foram os acréscimos registados na indústria, 8,9 por cento, e nos serviços, 7,3 por cento. Parece que aqui também surgiu um facto novo, que foi ele a tomada de consciência, o .sentido realista, de alguns empresários ... Mas é na expansão da procura interna que se deve encontrar o elemento determinante do crescimento da actividade económica em 1961, que foi de 11 por cento, e que se elevou para 10 por cento na formação bruta do capital fixo. Já o sector primário apenas acusou um aumento de 3,4 por cento, devido a contracção de algumas produções agrícolas.
Os diplomas, contudo, ultimamente promulgados, em vista à correcção dos estruturas agrárias (arrendamento da propriedade rústica, emparcelamento da propriedade rústica, plano de fomento agrícola e pecuário, novo regime jurídico da colonização interna, bem como o plano de irrigação do Alentejo), são medidas susceptíveis de vir a obter-se a melhoria das condições do nosso meio agrário.